O aumento dos custos da construção civil está fazendo com que as taxas de inadimplência disparem entre as incorporadoras brasileiras, persuadindo um número crescente de instituições financeiras a vender seus empréstimos e criando um banquete para gestoras que compram créditos em atraso. Temos visto uma demanda explosiva dos próprios bancos que vêm tentando de uma forma desesperada entregar alguns ativos ligados ao financiamento à produção na construção civil,” disse Eduardo Martins, sócio da MGC Holding, uma das maiores gestoras de créditos problemáticos da América Latina. A MGC, com R$ 23 bilhões em valor de face sob gestão em empréstimos ao consumidor, contratou três executivos desde agosto para iniciar uma unidade especialmente para analisar crédito imobiliário corporativo.
As taxas de inadimplência chegaram a 20% em maio no financiamento imobiliário com taxas de mercado para pessoas jurídicas, o que significa que R$ 3,4 bilhões em empréstimos estavam com pagamentos em atraso, de acordo com o Banco Central. A inadimplência caiu para 4% em setembro, ou R$ 141 milhões em atraso, o que pode ser explicado por formas diferentes de renegociação da dívida, conduzidas na própria instituição financeira ou com a participação de outras instituições, disse o Banco Central em resposta à Bloomberg.
E isso acontece em um ano de crédito recorde: as concessões de empréstimos imobiliários para construtoras e pessoas físicas atingiram o recorde histórico de R$ 194,9 bilhões nos 12 meses até agosto, mais do que o dobro dos 12 meses anteriores, segundo a Abecip, associação de financiamento imobiliário.
Um projeto da Manhattan Construtora, uma empresa de médio porte no nordeste do Brasil, é simbólico do que está acontecendo. A empresa usou financiamento para comprar terrenos e construir 400 apartamentos no Ceará, mas enfrentou um aumento de 35% nos custos de construção nos últimos dois anos. Isso dificultou a conclusão da obra, disse Martins. Aproximadamente um terço dos clientes que fizeram pagamentos iniciais começaram a pedir seu dinheiro de volta, disse ele. Eles citaram atrasos na construção, alta de preços e aumento dos juros no Brasil, que começam a encarecer o crédito para pessoa física. Alguns entraram com processos na Justiça, segundo Martins.
A MGC interveio e comprou o empréstimo do projeto, de R$ 130 milhões, por cerca de R$ 85 milhões, disse ele. A MGC, sediada em São Paulo, reestruturou a dívida e emitiu títulos com lastro no financiamento imobiliário, os chamados Certificados de Recebíveis Imobiliários. Isso injetou dinheiro novo no projeto e ajudou a resolver as pendências jurídicas.
A MGC comprou empréstimos que haviam sido dados para dois outros projetos e vendeu um total de R$ 250 milhões em CRIs este ano, disse Martins. Hoje está analisando outros 17 projetos em São Paulo, Bahia, Ceará, Santa Catarina e Paraíba, de acordo com Martins, que disse esperar que o número dobre no ano que vem, pois os juros devem continuar subindo e as vendas começam a desacelerar.
A taxa básica Selic estava no nível recorde de baixa de 2% no início deste ano. Desde então, subiu para 7,75%, e economistas projetam que continuará a subir até 11% até o final de 2022, segundo a pesquisa Focus do Banco Central.
Diego Fonseca, sócio da Jive Investments, disse que sua empresa está recebendo ofertas de bancos que tentam vender projetos principalmente de empresas regionais de médio porte que atendem aos compradores de casas de classe média do Brasil. Também está avaliando empréstimos para hotéis e shoppings.
“Essas empresas compraram muitos terrenos na expectativa de que os juros permaneceriam baixos por mais tempo, e agora estão tendo dificuldades para concluir seus projetos”, disse Fonseca. “As grandes construtoras podem adiar novos lançamentos para economizar dinheiro para sobreviver, mas mesmo algumas das empresas de capital aberto estão enfrentando desafios.”
As vendas de imóveis da própria Jive caíram 35% em setembro em relação ao mês anterior, disse ele, e a expectativa para o próximo ano é vender muito menos do que o recorde de 800 a serem vendidos este ano. A Jive agora detém uma carteira de 2.500 propriedades em 67 cidades brasileiras que foram obtidas por meio da execução de garantias em empréstimos anteriormente adquiridos. Esses imóveis são vendidos por meio das corretoras clientes da plataforma inGaia, na qual a Jive tem uma participação.
Custos crescentes, vendas menores e juros em alta estão comprimindo as margens de lucro das construtoras, e o setor imobiliário é o que tem o pior desempenho na bolsa de valores do Brasil este ano, com um retorno negativo de 20,26%, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
O retorno negativo de 55,46% da Tecnisa SA é o pior do grupo. Mas empresas maiores também estão sofrendo com retornos menores e vendas em queda. A EZ Tec Empreendimentos e Participações apresenta rentabilidade negativa de 48,78% neste ano e teve vendas líquidas de R$ 266 milhões no terceiro trimestre, queda de 20% em relação ao ano anterior e 7% menor que no segundo trimestre, de acordo com suas demonstrações de resultados.
A Rossi Residencial SA está entre as empresas com crédito à venda no mercado secundário, segundo pessoas a par do assunto. A Rossi não quis comentar.
Comprar dívidas inadimplentes e resolver problemas de um projeto pode ser complicado, mas os retornos podem valer a pena, especialmente agora que alguns participantes do mercado aprenderam durante a crise de 2015 como comprar a preços melhores, disse Rafael Fritsch, diretor de investimentos para fundos de ativos problemáticos da Canvas Capital.
Os CRIs estruturados pela MGC rendem inflação mais 9% a 12% - algo próximo de 22% hoje - e têm vencimento de 36 a 48 meses. O investimento da Jive na Viver Incorporadora e Construtora SA rendeu 40% em média ao ano desde que foram adquiridos em 2018 oito dos seus projetos com cerca de 2.000 ações judiciais contra a construtora, de acordo com Guilherme Ferreira, sócio da Jive.
Ferreira espera que um número cada vez maior de empréstimos sejam colocados à venda em 2022, porque “pessoas e empresas no Brasil nunca estiveram tão alavancadas”. Os bancos tinham em carteira R$ 817 bilhões em crédito imobiliário para pessoas físicas e jurídicas em setembro, segundo o Banco Central.
“O que é uma oportunidade para nós é um risco potencial para a economia do país e também para a criação de empregos,” disse Ferreira.