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11/01/2017

Fundos de recebíveis perdem recursos com economia fraca

O patrimônio líquido das carteiras em operação teve uma pequena expansão no período, de cerca de 5%, para R$ 61,8 bilhões em novembro.

Os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) encerraram 2016 com saída de recursos. Levantamento do Anuário Uqbar com dados até novembro mostram captação líquida negativa de R$ 3,4 bilhões, resultado de R$ 27,1 bilhões em emissões de cotas e R$ 30,4 bilhões em amortizações e resgates.

O patrimônio líquido das carteiras em operação teve uma pequena expansão no período, de cerca de 5%, para R$ 61,8 bilhões em novembro. O estudo exclui o FIDC da Petrobras, usado para gestão de caixa da companhia.

O setor foi prejudicado pelo ambiente de deterioração da economia, com encolhimento do crédito, o que reduziu a oferta de ativos para os fundos. "Com a recessão, o instrumento de securitização tem sido menos utilizado", diz Jayme Bartling, diretor sênior de finanças estruturadas da Fitch.

"Faltou matéria-prima para servir de lastro para as carteiras", acrescenta Carlos Augusto Lopes, sócio da Uqbar, referindo-se aos diversos tipos de crédito, desde financiamentos de veículo até recebíveis comerciais. Segundo ele, alguns fundos tiveram dificuldade de comprar crédito de qualidade e que atendessem aos critérios de elegibilidade da carteira. "Vi caso de devolução de dinheiro para o investidor por falta de ativo", afirma.

Entre os segmentos mais afetados, está o crédito para pessoa jurídica, que engloba empréstimos de médio e longo prazo, com saída líquida de R$ 2,3 bilhões. Bartling, da Fitch, destaca que a originação desse tipo de fundo foi prejudicada pela redução da participação de bancos médios no mercado.

"Quem buscava o FIDC como alternativa de funding eram os bancos médios; para os grandes, o custo de montar um fundo não compensa se comparado, por exemplo, a um CDB", afirma.

O banco de varejo não tem interesse em manter no balanço o risco da cota subordinada, que serve como colchão para perdas com os créditos.

O mesmo vale para o crédito consignado. Muitos bancos médios que atuavam nesse nicho ou foram vendidos ou fecharam parcerias com grandes bancos. Nos fundos de recebíveis de crédito pessoal, nos quais se enquadra o consignado, a saída líquida em 2016 foi de R$ 403,8 milhões.

As carteiras com foco em financiamentos a veículos também perderam espaço. A captação líquida foi negativa em R$ 1,5 bilhão. O segmento chegou a liderar o mercado de FIDC em volume sob gestão ao fim de 2012, ao lado dos fundos de recebíveis comerciais, com R$ 12,4 bilhões. Em novembro, reunia patrimônio de apenas R$ 4,5 bilhões.

O desempenho dos fundos de recebíveis só não foi pior por conta dos FIDCs conhecidos como não padronizados (NP), que podem comprar desde direitos creditórios vencidos até aqueles de empresas em recuperação judicial - ativos que cresceram nos últimos anos. Considerando apenas o segmento, houve entrada de R$ 5,8 bilhões no ano passado até novembro.

No grupo de FIDC NP, o destaque ficou para os fundos de recebíveis comerciais, como duplicatas, cheques, notas promissórias, com captação de R$ 4,5 bilhões. Segundo Lopes, da Uqbar, uma das razões é a possibilidade de colocar em carteira ativos de empresas em recuperação judicial. "Para essas empresas, o FIDC acaba sendo a grande solução para o desconto de recebíveis", afirma.

Esse segmento também foi beneficiado pelo FIDC NP da Cielo, criado em 2016 como instrumento de antecipação de recebíveis a lojistas, e que puxou a captação. Sozinho, o fundo emitiu mais de R$ 5 bilhões (o dado não considera eventuais amortizações).
Foi graças à captação dos não padronizados que a classe de recebíveis comerciais como um todo fechou o ano no azul, com captação de R$ 1,2 bilhão. Se descontados os NP, esses fundos tiveram saída líquida de R$ 3,3 bilhões. Nesse grupo, estão as carteiras de factoring, bastante machucadas por uma sequência de eventos envolvendo problemas operacionais e suspeitas de fraude.

Casos como o do FIDC Silverado tiveram efeito negativo para a indústria, ao gerar resistência ao produto, afirma Rubens Vidigal Neto, sócio do PVG Advogados. E não só por parte do investidor como de prestadores de serviços, que deixaram de atuar na indústria devido à onda de ações judiciais à qual foram expostos. "A saída do mercado de alguns administradores e custodiantes de grande porte afastou grandes investidores, assim como dificultou a estruturação de novos fundos", afirma.

Mas, pondera o advogado, a tendência é de retomada do mercado com o tempo, a partir do esforço de participantes e regulador para fortalecer o instrumento. A própria legislação já exige maiores controles, principalmente em relação à verificação de lastro e custódia dos recebíveis e à definição dos papéis de cada participante.

Na visão de Marcelo Ferraz, sócio da XP responsável por operações de estruturação, o desafio hoje é conseguir originar bons créditos, seja por conta da concentração bancária, seja pela dificuldade de encontrar cedentes bem preparados. "Muitas vezes falta formalização, homogeneidade", diz o executivo.

A despeito dos obstáculos, as operações de securitização vão continuar existindo como alternativa ao empréstimo bancário, especialmente no segmento de crédito comercial, acredita Vidigal, do PVG. Não à toa, os fundos de recebíveis comerciais seguem como a principal classe de ativos, com R$ 24,5 bilhões em patrimônio, o equivalente a 40% da indústria.

Grandes empresas também tendem a voltar ao mercado de FIDC, aposta Lopes, da Uqbar, com a redução da oferta de crédito, especialmente o subsidiado.

O advogado do PVG chama atenção, no entanto, para o que considera uma distorção do mercado: a concorrência "desleal" com produtos de securitização com isenção fiscal, como certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA). Bartling, da Fitch, cita o caso da Monsanto. Depois de realizar pelo menos cinco emissões de FIDC, a empresa optou por captar recursos via CRA.

FONTE: VALOR ECONôMICO