Passados seis meses da conclusão da reestruturação financeira, que permitiu reduzir sua alavancagem, a Gafisa chega a 2021 ávida por acelerar seu crescimento, seja de forma orgânica ou por aquisições. Uma virada na empresa que há dois anos enfrentava o risco de uma recuperação judicial. A expansão terá como suporte o pagamento por meio de ações, o próprio caixa da companhia, fundos imobiliários a serem constituídos, provável novo aumento de capital a ser realizado neste ano e novas captações, caso sejam atrativas.
A companhia tem se dedicado, igualmente, às avaliações de empresas e às análises e negociações de terrenos e projetos, segundo os vice-presidentes da Gafisa, Ian Andrade e Guilherme Benevides. “Tratamos os dois caminhos com o mesmo tempo e a mesma dedicação”, diz Andrade. “Sempre estamos abertos para analisar bons negócios”, acrescenta Benevides.
O discurso de crescimento da Gafisa destoa bastante do período crítico em que o mercado chegou a considerar que a empresa poderia ter de recorrer a uma recuperação judicial em função da crise e de seus vencimentos de curto prazo. A reestruturação começou há quase dois anos, após a entrada do investidor Nelson Tanure no capital da companhia por meio de fundos e da mudança da gestão.
A Gafisa fez aumentos de capital que reduziram o endividamento e deu início à retomada da expansão. Em setembro, o caixa era de R$ 631 milhões. A alavancagem medida por dívida líquida sobre patrimônio líquido era de 7,6%, ante 45,6% em setembro de 2019.
Atualmente, há conversas com incorporadoras de capital fechado, sobre modelos de negócios que passam pela possibilidade de compra de empresas, formação de joint ventures e parcerias com participações relevantes da companhia em projetos. Entre essas incorporadoras, estão alguns “órfãos dos IPOs”, segundo Andrade, ou seja, empresas que não conseguiram realizar suas ofertas.
“Estamos vendo o que funciona para cada transação, o que agrega mais valor”, diz Benevides. Em algumas negociações, o interesse da Gafisa pode ser entrar em um segmento no qual não atua ou tem pouca presença. Do mercado imobiliário, apenas o programa habitacional e a área de galpões não estão no radar.
De acordo com os executivos, a Gafisa não está negociando associações, no momento, com nenhuma empresa com ações negociadas em bolsa. No segundo semestre do ano passado, a companhia tentou, sem sucesso, uma fusão com a Tecnisa, por meio do fundo Bergamo. Ainda não há data para novo movimento em relação à Tecnisa, mas a Gafisa pretende retomar a tentativa de se unir à companhia fundada por Meyer Nigri, com o entendimento que a associação “agrega valor às duas empresas”.
Em dezembro de 2019, a Gafisa adquiriu a Upcon, com predominância do pagamento por troca de ações. Terrenos correspondentes ao Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 818 milhões, que pertenciam à Upcon, passaram a fazer parte do banco de áreas da Gafisa. Em 2020, a companhia comprou projetos, em diferentes estágios, da incorporadora carioca Calçada, com VGV de R$ 361 milhões, e adquiriu terrenos, no mercado, com VGV potencial de R$ 877 milhões.
Na semana passada, a Gafisa anunciou meta de lançar VGV de R$ 1,5 bilhão a R$ 1,7 bilhão, neste ano. A estimativa representa expansão de 67% a 89% em relação aos R$ 898 milhões lançados em 2020 - a incorporadora não apresentou nenhum projeto em 2019. O foco buscado são imóveis residenciais dos padrões médio, médio-alto e alto. São Paulo terá participação de cerca de 75%, enquanto o Rio de Janeiro ficará com 25%.
Benevides cita que os fundamentos do mercado imobiliário - demanda reprimida, juros baixos e oferta de crédito - seguem positivos para o setor. “Com o programa de vacinação, esperamos que a economia gire melhor e que haja melhora do nível de emprego”, diz, acrescentando que os preços de bons ativos, localizados em regiões nobres de São Paulo, tendem a subir. “No Rio, vamos atuar somente com terrenos muito seletos”, acrescenta.
No segmento de imóveis para renda, a companhia criou a Gafisa Propriedades, subsidiária integral que herdou 30 mil m2 de área bruta locável (ABL), em salas comerciais e lojas. A empresa de renda já deu início às suas aquisições de ativos, com as operações do Hotel Fasano Itaim, em São Paulo, e de dois shopping centers no Rio de Janeiro.
A intenção é que a Gafisa Propriedades detenha fatia de 25% a um terço de cada ativo que fizer parte de seu portfólio. Futuramente, a empresa buscará sócios para vender parte dos 80% que possui do Hotel Fasano Itaim. À medida que o empreendimento se aproximar da conclusão, prevista para o fim de 2023, mais tende a se valorizar.
Segundo Andrade, a cisão da Gafisa Propriedades, por exemplo, por meio de IPO, ainda é considerada “muito imatura”. “O portfólio tem de amadurecer. A tendência é acessarmos capital privado e de projetos.” A Gafisa tem conversado com parceiros financeiros para que indicadores e “covenants” da companhia e da subsidiária sejam separados. Em breve, os balanços trarão, de forma separada, informações da Gafisa Propriedades.
A Gafisa está sem presidente desde a saída de Roberto Portella do cargo, em setembro de 2019. Há 11 meses, os dois vice-presidentes dividem a gestão, cada um com dedicação maior à sua especialidade - Andrade fez carreira financeira, enquanto Benevides foi um dos fundadores da Upcon.
Não há definição se ela voltará a ter presidente, segundo Benevides. “Em time que está ganhando não se mexe. Temos o desafio de acentuar a comunicação com o mercado para buscar a reprecificação das ações da Gafisa”, diz Andrade