Sob novo comando, a Gafisa decidiu dobrar a aposta na altíssima renda, que julga ser menos sensível a momentos de incerteza econômica. Enquanto o CEO Henrique Blecher corre para cortar em até 30% uma dívida de R$ 2 bilhões dentro de seis meses, a construtora quer triplicar o total de lançamentos para R$ 3 bilhões em 2023.
— Será tudo de alta renda, e dois terços desses lançamentos serão no Rio. São apartamentos de R$ 3 milhões para cima. Esse segmento é mais resiliente, não precisa de crédito para comprar — diz Blecher, que chegou há dois meses, depois de a empresa controlada por Nelson Tanure comprar a Bait, da qual era sócio e CEO.
A marca Bait, aliás, vai concentrar o segmento de alta renda do grupo, enquanto a marca Gafisa atuará na média renda.
No lado dos custos, Blecher já reduziu o quadro de funcionários em 15%, fechou dois escritórios que mantinha em São Paulo e quer encerrar o ano tendo vendido cinco terrenos “que não faziam mais sentido”, diz.
— Analisamos a venda de outros cinco. Mas, ao mesmo tempo, estamos fazendo aquisições de terrenos com uma visão de alta renda. Só que estamos trazendo o capital de outros investidores para participar dessas transações, como fundos ou mesmo pessoas físicas — acrescenta.
Mas Blecher admite que tem pouco controle sobre fator determinante para qualquer operação imobiliária: os juros.
— Nossa tese para a Gafisa tem como base a expectativa de que o Brasil vai melhorar. Nosso cenário-base é de juros baixando a partir de maio ou junho, Congresso fazendo oposição qualificada, governo um pouco mais responsável do ponto de vista fiscal e inflação sob controle. Isso proporcionaria resultados melhores para a Gafisa a partir do 2º trimestre de 2023. Caso se dê o oposto, puxamos o freio de mão.
Blecher se incomodou com os recentes discursos de Lula, em que o presidente eleito criticou o teto de gastos e relativizou o conceito de responsabilidade fiscal, defendendo compromisso equivalente com gastos sociais. As declarações fizeram o mercado “precificar” novas altas na Selic em 2023 — o que seria péssima notícia para a Gafisa.
'Freios e contrapesos'
— As falas preocuparam porque, se a aposta do governo dele for de radicalização e irresponsabilidade fiscal, teremos que puxar o freio. Espero que existam freios e contrapesos do Congresso, especialmente do Senado, como já começou a acontecer — afirma o executivo.
O quadro de incerteza pode pôr em risco a recuperação de uma companhia que, a despeito de ter elevado em 62% suas vendas líquidas no ano, registrou prejuízo nos últimos dois trimestres e viu suas ações despencarem 64% em 2022. A Gafisa vale R$ 240 milhões na Bolsa.
Matéria publicada em 21/11/2022