O setor de incorporação vive seu processo de transformação digital, com as companhias buscando ganhar espaço, no mundo das “techs”, por meio de criação e de parcerias com startups. O movimento em curso por incorporadoras tradicionais reflete a busca de mudanças mais aceleradas e a necessidade de acompanhar transformações trazidas por empresas que já nasceram digitais, como QuintoAndar e Loft. Uma das subsidiárias da MRV&Co com mais potencial de expansão, a Luggo, com foco em imóveis para locação, surgiu como startup na maior incorporadora do país, assim como o marketplace Mundo da Casa, que oferece de produtos de acabamento à decoração de imóveis desenvolvidos pela incorporadora.
A cultura de cada empresa se faz fundamental na tomada de decisão de apostar ou não na inovação via “techs”. “A Cyrela é uma empresa conservadora no caixa, mas não na estratégia. Boa parte da inovação veio pelas mãos do seu Elie [Horn, fundador da companhia e presidente do conselho de administração]”, diz Guilherme Sawaya, diretor de transformação digital da Cyrela. “A gente vai ter de se reinventar como pessoa física, como empresa, como área”, acrescenta Sawaya.
Na MRV&Co, Rubens Menin, fundador e presidente do conselho de administração, participa da estratégia de inovação e, juntamente com o colegiado, valida as iniciativas de investimento. Neste ano, o grupo vai anunciar um veículo para investir no desenvolvimento de “proptechs” (empresas com base tecnológica de gestão de propriedades), na compra de participação de empresas com propostas de “resolver dores dos clientes relacionadas à moradia” e na conexão das adquiridas ao negócio. “O objetivo não é ganhar dinheiro comprando e vendendo startups, mas criar um ecossistema de soluções para moradia”, afirma o diretor de novos negócios, Rodrigo Resende.
A Gafisa conta com 40 startups em seus projetos, passando pelas áreas de engenharia, vendas e financiamento. Após testar o modelo proposto por cada uma, a companhia pode optar por contratar o serviço ou até avaliar a possibilidade de investir na empresa de base tecnológica. A Gafisa vai lançar, neste ano, plataforma de marketplace de produtos e serviços relacionados ao imóvel. “Haverá oferta de financiamento e de serviços, como o de mudança, para facilitar a jornada do cliente”, afirma o CEO da Gafisa Incorporadora e Construtora São Paulo, Guilherme Benevides.
Ao mesmo tempo em que aposta em startups, a Gafisa incentiva que seus funcionários proponham soluções para algum gargalo do percurso de compra do imóvel pelo cliente. “Passamos do modelo tradicional para o de empresa inovadora”, afirma Benevides. Segundo ele, a companhia tem um departamento de gestão da inovação, que “planta sementes para que as diversas áreas se envolvam”.
A Cyrela também estimula que seus funcionários sejam pró-ativos. “Em dezembro, 20 pessoas da empresa identificaram dores, em suas áreas, e elegeram uma que precisariam resolver buscando inovação aberta, ou seja, chamando uma startup para o processo”, conta Sawaya. A Cyrela recebeu 14 projetos dos quais fará protótipos para avaliar a solução proposta. “Vamos testar, ter apetite ao risco e tolerância ao erro”, diz o diretor de transformação digital.
Inovações trazidas de fora contribuem, muitas vezes, para a redução de custos de processos do dia a dia das incorporadoras. Na RNI Negócios Imobiliários, a contratação de startups para parte dos passos necessários para a comercialização online de imóveis contribuiu para que o custo atual de venda por unidade esteja 30% menor do que em 2019. “O e-commerce mudou o patamar da RNI. Em janeiro, vendemos quase o dobro do mesmo mês de 2021 e mais do que o triplo de janeiro de 2020”, compara o presidente, Carlos Bianconi.
“É preciso haver mudança de ‘mindset’ [mentalidade], não ficar no ‘modus operandi’ tradicional”, destaca Resende, da MRV&Co. Além dos investimentos já realizados em startups e dos futuros, a incorporadora contratou, por exemplo, empresa de drones que “atesta a qualidade de serviços, como execução de telhados”. “A acurácia é muito boa, e o custo, mais baixo”, diz o diretor de novos negócios da MRV&Co.
Na avaliação de Resende, incorporadoras que não se relacionam com startups têm hoje atraso de quase meia década. “Em 2018, havia cem ‘proptechs’ e ‘construtechs’ mapeadas. Hoje, são mais de mil. Estamos contratando startups como fornecedoras, oferecendo mentoria e conexões com bancos, clientes e investidores”, diz Sawaya, da Cyrela. Joseph Nigri, vice-presidente do conselho de administração da Tecnisa, ressalta que “o ecossistema das startups” é muito importante para ajudar as empresas a se desenvolverem.
Ao mesmo tempo em que incorporadoras se aproximam de startups, empresas de tecnologia mantém sua trajetória de forte crescimento. “Essas empresas têm uma infinidade de dados, podem vir a se tornar desenvolvedores [de empreendimentos]. A Cyrela decidiu que vai ser uma empresa de tecnologia”, diz o diretor de transformação digital.
Criada em 2013, a plataforma digital de moradia QuintoAndar tem valor de mercado que chega a US$ 5,1 bilhões e gestão da locação de 150 mil imóveis. Em 2020, passou a atuar também em compra e venda. “Nem sei se havia o termo ‘proptech’ quando a gente começou, mas estava longe de ser algo da moda trabalhar com aluguel, fiador e burocracia. Nosso foco é tecnológico, o DNA é resolutivo”, disse Gabriel Braga, cofundador e CEO em entrevista ao Valor. Braga contou ser “apaixonado por inovação” e que vê a aceleração da tecnologia resolvendo problemas como “super saudável” para a sociedade, com a possibilidade de serviços mais baratos e eficientes disponíveis. “Isso estimula o ecossistema como um todo”, afirmou o cofundador do QuintoAndar.
Com valor de mercado de US$ 2,9 bilhões, a Loft compra e vende unidades, faz reformas e tem oferta de financiamento. A empresa dá suporte a clientes de algumas incorporadoras na escolha da opção de financiamento entre os principais bancos. Pela plataforma de locação residencial Nomah, a Loft contribui para mais atratividade de vendas de imóveis para clientes investidores. No entendimento de Kristian Huber, cofundador e vice-presidente de negócios, a criação de startups por incorporadoras é natural. “As empresas têm muito conhecimento do setor, dos desafios e dos prêmios se conseguirem resolver esses desafios”, afirma Huber.