No início de março, tão logo as sanções impostas a bilionários russos em razão da invasão da Ucrânia foram tornadas públicas, o mercado de imóveis europeu passou a viver um período de incertezas.
Países como Inglaterra e Portugal são destinos importantes desse tipo de investimento, sobretudo aqueles feitos pelos oligarcas russos — alvos centrais das sanções econômicas até aqui. Em Londres, o bilionário Roman Abramovich, dono do clube de futebol Chelsea, colocou à venda em março suas duas propriedades na cidade. Uma delas, com 15 quartos, fica na Eaton Square, também conhecida como “Quarteirão Vermelho” devido ao grande número de russos que são donos de mansões naquele endereço.
A intenção de Abramovich, cuja fortuna está avaliada em US$ 7,2 bilhões, seria se desfazer dos imóveis antes de um eventual bloqueio do governo britânico, que deixaria seu patrimônio imobilizado. Não seria nada inédito, aliás. Em 2011, empresas e cidadãos líbios, aliados do então ditador Muammar Gaddafi, tiveram seus bens “congelados” pelos ingleses — situação que se mantém até hoje.
Londres recebeu nos últimos seis anos cerca de US$ 2 bilhões em aquisições de propriedades feitas pela elite russa, segundo dados da Transparência Internacional. Não por acaso, a capital inglesa tem diversos apelidos como “Londongrad” ou a “Moscou no Tâmisa”, em referência ao rio que corta a cidade.
No entanto, medidas como o bloqueio dos bens e, mais recentemente, a divulgação dos nomes de seus proprietários por parte do governo britânico podem provocar uma debandada de proprietários estrangeiros ou afugentar futuros interessados em uma residência junto aos súditos da Rainha Elizabeth.
“Londres não atrai apenas milionários da Rússia, mas de outras regiões do mundo com institucionalidades mais frágeis e passíveis de sanções futuras, como é o caso de países do sul da Ásia e da África”, analisa Fábio Tadeu Araújo, da consultoria Brain — Inteligência Estratégica. Para ele, com as medidas duras tomadas contra os russos, “é possível que esse movimento de proteger patrimônio em imóveis na Inglaterra seja repensado”.
Mercados europeus mais secundários ao interesse dos russos também adotaram medidas que podem espantar novos investimentos. É o caso de Portugal, que suspendeu desde o início da guerra a análise dos pedidos de Gold Visa requisitados por cidadãos da Rússia.
Segundo a Secretaria de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do governo português, os russos são a quarta nacionalidade que mais investe no país com o objetivo de conseguir a permissão de residência, atrás apenas da China, dos Estados Unidos e do Brasil. Entre 2019 e 2021, foram mais de € 105 milhões investidos em negócios imobiliários — cerca de 7% do total de aquisições feitas por gente vinda do exterior.
IMPACTO INDIRETO
No Brasil, os efeitos da guerra na Ucrânia são sentidos de forma indireta. O aumento do valor do barril do petróleo no mercado internacional fez elevar o preço dos combustíveis por aqui, o que carrega no custo da construção civil. Já a alta da inflação em todo o mundo tem reflexo no acesso ao crédito.
“É um fenômeno em que ambos sofrem: o consumidor e o incorporador”, avalia Fábio Araújo. “Se, por um lado, o custo do metro quadrado tende a ficar maior para quem constrói, por outro, os juros altos inibem os compradores”, afirma. Para o especialista, contudo, ainda é cedo para avaliar o real impacto da guerra no setor.
“A tendência dos mercados em momentos como este é permanecerem fortes e resilientes, já que os imóveis são considerados uma alternativa importante de proteção ao patrimônio.”
Matéria publicada em 08/04/2022