Principal porta de entrada de recursos para o setor elétrico, as distribuidoras de energia podem registrar taxa de inadimplência significativa já a partir deste mês, devido ao impacto da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, de acordo com estimativa do Ministério de Minas e Energia.
Para executivos de outros segmentos da cadeia e especialistas, é preciso uma solução rápida de injeção de liquidez para essas empresas, sob pena de provocar um colapso no mercado de energia.
“Aponta-se para uma inadimplência a partir do mês de abril que poderá ser significativa”, afirmou ontem o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em transmissão via Instagram promovida pelo deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ). “A distribuidora é o caixa do sistema. São elas [distribuidoras] que fazem a arrecadação por meio da conta de luz. E ela ainda é responsável por pagar encargos e impostos”, completou.
Com leitura semelhante sobre o problema, a Engie Brasil Energia (EBE), maior geradora privada do país, apoia a viabilização de um empréstimo emergencial para as distribuidoras. Dado que as concessionárias já deverão enfrentar problema de caixa nos próximos 15 a 20 dias, a empresa defende a possibilidade de utilização de bancos públicos - como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - para injetar recurso diretamente no caixa das distribuidoras.
“Temos que resolver o problema de forma pontual, criar uma linha de crédito primeiro para resolver o problema imediato de curto prazo junto aos bancos oficiais, via governo, para [em seguida] fazer uma solução de médio prazo, de um ou dois meses, para resolver o problema da queda de demanda e da eventual inadimplência através da conta do ACR [Ambiente de Contratação Regulada]. Com isso, não se cria a contaminação de toda a cadeia”, afirmou o diretor-presidente da EBE, Eduardo Sattamini.
De acordo com o executivo, a notificação preventiva de ocorrência de força maior por algumas distribuidoras na semana passada preocupou o setor, mas ele diz acreditar que os agentes honrarão com seus compromissos.
“Ela [a distribuidora] hoje está consciente de que, se quiser transferir o problema para outros elos da cadeia, vai contaminar os demais membros do setor. Isso levará a um colapso, a uma falta de investimento futuro e a uma quebra generalizada”, disse. “Agora é o momento de buscar unidade do setor para que se mantenha uma saúde mínima do mercado e resolver o problema das distribuidoras.”
A gravidade da situação das distribuidoras pode ser medida por um estudo inédito feito pela consultoria Roland Berger e que indica que mais da metade das concessionárias pode ter geração de caixa negativa com a crise. Isso porque, a inadimplência esperada deverá afetar o prazo médio de recebimento das distribuidoras.
“A partir do momento que a distribuidora fatura, em oito dias, na média, ela observa esse faturamento se transformar em caixa. Se esse prazo médio de recebimento crescer para 12 dias, mais da metade das distribuidoras teria caixa negativo. Elas não têm essa sobra de caixa para suprir um impacto no capital de giro tão grande”, afirmou Daniel Martins, diretor da área de energia da Roland Berger e coordenador do estudo. “Isso gera, de fato, um grande impacto na liquidez, que é o problema mais importante de curto prazo do setor elétrico brasileiro”, completou ele.
Para o especialista, um empréstimo emergencial para as distribuidoras é “inevitável”. “No médio prazo, a preocupação será maior em controlar perdas, inadimplência e dar uma solução equilibrada para o problema da sobrecontratação”, completou, defendendo a discussão de um novo pacto para o setor elétrico.
Ainda no estudo, a Roland Berger prevê uma queda média de 4% do consumo de energia no país neste ano. A estimativa é feita com base em uma projeção de queda do PIB de 2% para o período. Segundo Martins, a retomada da atividade econômica tende a ser lenta e gradual, com crescimento médio do consumo de energia de 1,7% ao ano, entre 2020 e 2025.
A economista e ex-diretora do BNDES Elena Landau, especialista do setor, também prevê recuperação lenta da economia, após a pandemia. “Nada indica que essa crise vai durar só 90 dias e que a recuperação será em ‘V’”, afirma.
Com uma visão pragmática, ela diz enxergar um risco de judicialização no mercado de energia, na medida em que o governo demora para organizar e tomar medidas para uma solução sistêmica. “Assim como o pagamento dos R$ 600 [de auxílio para os trabalhadores informais] demorou, se você não tomar controle da situação [no setor elétrico], vai ter judicialização.”
Segundo ela, na crise do racionamento de energia, em 2001 e 2002, o governo agiu rapidamente para coordenar o comitê de crise e buscar uma solução com o mercado, em que “todo mundo cedeu um pouco”. Ela lembra, porém, que o setor hoje é mais complexo, devido à diversificação e ao aumento do número de agentes.