O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) não pode ser aplicado em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária, afastando a possibilidade de o comprador inadimplente reaver qualquer valor já pago antes de perder o bem.
Segundo o ministro Marco Buzzi, relator do julgamento, há legislação específica para a questão.
"Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária registrada em cartório, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor devidamente constituído em mora deverá observar a forma da lei 9.514/17, por se tratar de legislação específica afastando-se a aplicação do CDC", afirmou Buzzi. Ele foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros.
Com a decisão, os inadimplentes só vão reaver parte do valor pago no financiamento se o imóvel for arrematado em leilão público e houver saldo a seu favor.
Para o advogado Marcelo Tapai, a decisão do STJ é favorável às empresas incorporadoras imobiliárias e elimina qualquer discussão ou risco.
"Agora, o risco é todo do consumidor. Não é difícil compreender que o consumidor, ao devolver o imóvel que não consegue pagar, permite que as empresas facilmente os repassem a terceiros, por valor muitas vezes superior àquele que havia vendido anteriormente, com lucro", diz o especialista em direito imobiliário e sócio do Tapai Advogados.
Na alienação fiduciária, o comprador dá o próprio imóvel como garantia de pagamento do financiamento. Caso as parcelas não sejam pagas, o banco pode pegar o bem de volta e levá-lo a leilão.
O CASO JULGADO
Os compradores de um apartamento localizado em São Bernardo do Campo (SP), adquirido com pacto de alienação fiduciária em garantia, conforme escritura pública, entraram com uma "ação de restituição de quantia paga" após terem o imóvel tomado pela construtora por inadimplência.
Eles haviam pago metade do valor financiado —cerca de R$ 129 mil. O TJ-SP decidiu que a construtora teria de devolver 90% do total pago. A decisão se orientou pelo artigo 53 do CDC, que determina que nos contratos de compra e venda em prestações, são nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas.
A defesa dos consumidores argumentou que o imóvel alienado foi vendido depois de um ano pelo valor integral pela construtora.
A construtora, por sua vez, alegou que o CDC não se aplica ao caso e recorreu ao STJ. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça concordou com a defesa da empresa.
A decisão do STJ atinge todos os processos que versem sobre idêntica questão jurídica em todo o território nacional.
Mais de 92% dos financiamentos imobiliários foram garantidos por alienação fiduciária em 2020, segundo a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), que participou como amicus curiae (parte interessada) no processo.
Matéria publicada em 27/10/2022