A incorporadora Rossi Residencial apresentou uma nova versão do seu plano de recuperação judicial para sair do buraco em que se encontra há vários anos. A companhia tem uma dívida de R$ 1,319 bilhão com um total de 10.019 credores, entre clientes, trabalhadores, fornecedores de materiais, empreiteiros e bancos.
No novo plano, os credores poderão escolher dentre algumas opções de quitação. A mais abrangente delas é a oferta de pagamento do montante integral dos valores devidos, em parcela única, corrigida pela Taxa Referencial (TR). Só tem um detalhe: o pagamento vai ocorrer 40 anos depois que o plano por homologado pela Justiça, o que empurra os vencimentos para 2063 na melhor das hipóteses.
A expectativa da Rossi é que essa opção contemple 73% do valor total da dívida, o equivalente a R$ 964 milhões. A oferta é válida para os credores das classes 2 e 3 do processo de recuperação judicial, o que, neste caso, inclui bancos, empreiteiros, fornecedores e clientes que moveram processos. Não entram aí credores trabalhistas e as pequenas e médias empresas, que terão opções de receber valores em prazos menores.
A capacidade de pagamento também está condicionada à retomada dos lançamentos de empreendimentos imobiliários, algo que a Rossi não faz há dez anos. O plano traçado prevê a geração de caixa nos próximos anos a partir da venda de apartamentos, salas comerciais e terrenos que já estão no estoque da incorporadora. Mas isso não será suficiente para a empresa se reerguer e arcar com todas as dívidas empurradas para o longuíssimo prazo. Para isso, está prevista a retomada de novos projetos a partir de 2026.
“A ideia é que novos lançamentos complementem o pagamento devido aos credores e permitam também uma retomada da companhia com entrada de novos investimentos”, descreve o estudo de viabilidade econômica da Rossi realizado pela consultoria Meden e que é assinado pelos sócios-diretores Antonio Luiz Feijó Nicolau e Lucas Pasqualini de Lima. O estudo apresenta uma lista de 79 empreendimentos potenciais para lançamentos.
O plano de recuperação não prevê a captação de nenhuma nova dívida ao longo do processo, exceto pelos financiamentos à construção oriundos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A companhia estima conseguir crédito nos bancos para isso em meados de 2028. Agentes de mercado consultados pela reportagem veem esse plano como algo arriscado, já que dificilmente os bancos liberam crédito imobiliário para as empresas com grandes dificuldades financeiras.
Aliás: a Caixa Econômica Federal é o maior credor individual da Rossi, com dívida total de R$ 456 milhões. Deste montante, só R$ 88,7 milhões (19,5%) contam com garantias reais. Outros R$ 182,9 milhões são do tipo quirografário (40%), quer dizer, sem garantia. Há outros R$ 184,8 milhões (40,5%) classificadas como extraconcursais, o que significa que não serão sujeitas ao processo de recuperação. Nos anos anteriores, a Rossi renegociou suas dívidas com Bradesco e Banco do Brasil.
Entre as outras propostas de pagamento da incorporadora, está a previsão de dação de imóveis e venda de ativos. A companhia espera quitar em torno de R$ 175 milhões desta forma — a Caixa deve entrar aí. Para liquidar parte do passivo, o plano prevê ainda a possibilidade da emissão de ações, o que deve ajudar a amortizar mais R$ 96 milhões.
Compradores de imóveis
No caso dos clientes que tenham comprado algum imóvel da Rossi, a opção oferecida pela incorporadora é que se comprometem a pagar o saldo devedor, assumam eventuais dívidas de condomínio e IPTU em aberto e encerrem ações judiciais. Feito tudo isso, seguem para a entrega das chaves.
Já os clientes que rescindiram o contrato e foram à Justiça exigir o reembolso dos valores desembolsados acabarão sujeitos aos demais termos do plano de recuperação. Leia-se aí: receber daqui a 40 anos.
Os termos propostos pela Rossi continuam sujeitos à aprovação pelos seus credores. A assembleia para votar o plano de recuperação foi marcada para 24 de julho, em primeira convocação. Não havendo quórum, ficará para 3 de agosto.
“Com base nas análises realizadas, as projeções dos demonstrativos financeiros apresentadas no plano apresentam capacidade de geração de caixa suficientes para a cobertura do programa de pagamento aos credores e continuidade operacional, suportando a viabilidade econômico-financeira da Rossi, garantindo, assim, a preservação da empresa como geradora de riqueza, tributos, renda e emprego”, afirmam os sócios da consultoria Meden.
Procurada para falar sobre o plano, a Rossi não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
Motivos da crise
A Rossi foi fundada em 1980 com foco na incorporação de imóveis residenciais de médio e alto padrões na região metropolitana de São Paulo. A empresa ficou marcada pelo sucesso do chamado Plano 100, que permitiu o financiamento direto dos clientes e levou a companhia à Bolsa de Valores.
A incorporadora entrou em recuperação judicial em setembro de 2022, tornando-se a mais nova de uma série de incorporadoras que foram à lona por não suportar as consequências detonadas pela recessão econômica brasileira nos anos de 2014 a 2016. Essa grande crise derrubou as vendas de imóveis e levou ao cancelamento das vendas já realizadas na planta, obrigando as empresas a devolver o dinheiro que seria empregado na obra.
Outras companhias como PDG Realty, Viver (antiga Inpar), Esser, QGDI, João Fortes, também viveram a mesma situação. No caso da Rossi, havia uma expectativa interna de recuperação, mas a pandemia e a seca de crédito agravaram a situação nos últimos anos.
Dados do seu balanço mais recente mostraram que a Rossi teve prejuízo líquido de R$ 48,8 milhões no primeiro trimestre de 2023 e chegou ao fim de março com a quantia de R$ 8,4 milhões em caixa. A incorporadora reportou receita líquida negativa de R$ 27,3 milhões — isso aconteceu porque os distratos e as provisões para rescisões superaram o faturamento com as vendas no período.
A Rossi tem um estoque de imóveis avaliado em R$ 131,3 milhões, compostos por apartamentos e salas comerciais, todos 100% prontos (não existem unidades em obras ou na planta).
Os imóveis estão espalhados por diversas cidades, como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, Manaus e Aracaju, entre outras. Além disso, a incorporadora tem um estoque de terrenos que comportaria o lançamento de projetos avaliados em R$ 1,7 bilhão.