A continuidade dos aumentos de custos de construção torna o cenário do segundo semestre mais desafiador para as incorporadoras com foco na baixa renda do que para as companhias com predominância em imóveis para os padrões médio e alto.
Na tentativa de buscar melhora das margens, companhias como MRV Engenharia e Tenda passaram a apostar no repasse das elevações de custos para os preços, mas isso tende a impactar a velocidade de vendas nos próximos meses, na avaliação de analistas. Por outro lado, empresas com prioridade nos padrões médio e alto sentem menos impacto dos reajustes de preços no ritmo de comercialização.
No 2º tri, lançamentos das incorporadoras de capital aberto mais do que dobraram ante o mesmo período de 2020
Em julho, o Índice Nacional de Custo da Construção - M (INCC-M) acumulava alta de 10,75%, no ano, e de 17,35%, em 12 meses, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). No mês, a variação foi de 1,24%, ante 2,30% em junho.
Os balanços do segundo trimestre apontaram margens da baixa renda pressionadas, enquanto parte das incorporadoras de média e alta rendas conseguiu elevar o indicador.
A MRV - maior incorporadora do país e maior operadora do programa habitacional Casa Verde e Amarela - revisou orçamentos, no trimestre, e passou a adotar, em julho, política de aumento de preços de imóveis mais agressiva. A MRV&Co, que reúne todas as empresas do grupo, registrou margem bruta ajustada de 27,4%, abaixo dos 31,1% do mesmo período de 2020. A Tenda também fez revisão de orçamentos, e iniciou, em junho, movimento de alta de preços. A margem bruta ajustada da companhia teve queda de 4,5 pontos percentuais, para 27,8%.
“A recuperação das margens das incorporadoras de baixa renda tende a ser lenta”, diz Bruno Mendonça, analista de mercado imobiliário do Bradesco BBI. Neste semestre, ficará claro, de acordo com o analista, se as empresas conseguirão manter desempenho operacional forte mesmo com preços mais elevados. “Há expectativa de queda da velocidade de vendas, o que não é, necessariamente, negativo”, diz Mendonça.
Os imóveis do Casa Verde e Amarela têm teto de valores conforme a faixa a que se enquadram. “As unidades se direcionam a uma parcela da população que não tem tanta flexibilidade em relação a preços”, diz o analista-chefe do segmento imobiliário da XP, Renan Manda. Ele espera que as margens das incorporadoras de baixa renda continuem pressionadas, considerando-se que ainda “demora um pouco” para que as vendas de imóveis com preços mais altos passem a se refletir na receita.
No segundo trimestre, Tenda, Direcional e Cury tiveram recordes de lançamentos e vendas. A MRV&Co também registrou os maiores valores lançados e vendidos de sua história, mas a incorporadora brasileira apresentou queda no Valor Geral de Vendas (VGV) comercializado. A Plano&Plano teve recorde de vendas.
Entre os balanços das incorporadoras de baixa renda, analistas destacam o da Direcional. A companhia obteve margem bruta ajustada de 38%, a maior registrada desde sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), com aumento de 5 pontos percentuais ante o segundo trimestre de 2020. A alta de custos foi compensada por economia de obras e mudança do mix de produtos. A Direcional concentrou, neste ano, sua participação no programa apenas nas faixas 2 e 3. Além disso, cada vez mais, a Riva - subsidiária pela qual a companhia atua na média renda - ganha participação nas operações.
Das incorporadoras com foco nas rendas média e alta, Cyrela e EZTec apresentaram os balanços que mais agradaram ao mercado. O analista do Bradesco BBI cita também o desempenho da Moura Dubeux, incorporadora com presença concentrada no Nordeste. “Claramente, a empresa se beneficiou do ambiente de competição mais fácil”, afirma Mendonça.
No segundo trimestre, os lançamentos das incorporadoras de capital aberto mais do que dobraram em relação ao mesmo período de 2020. Em conjunto, o setor apresentou ao mercado R$ 10,85 bilhões, ante o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 5,25 bilhões de abril a junho do ano passado, período mais impactado pela pandemia de covid-19. No trimestre, as vendas líquidas cresceram 72,5%, para R$ 8,63 bilhões.
De janeiro a junho, lançamentos aumentaram 88,9%, para R$ 16,62 bilhões, e vendas cresceram 53,6%, para R$ 15,362 bilhões.
Na primeira metade de 2021, parte dos lançamentos dos padrões médio e alto foi postergada devido à segunda onda da covid-19 e ao fechamento temporário dos estandes de vendas no Estado de São Paulo. Para que o setor cumpra os “guidances” de lançamentos previstos para o ano, haverá, portanto, grande concentração de lançamentos neste semestre, principalmente na capital paulista - maior mercado imobiliário do país.
Manda, da XP, diz não ter preocupação com eventual excesso de oferta de unidades. “Ainda há demanda para absorver os produtos”, afirma o analista.
Durante a divulgação de resultados, incorporadoras disseram ser possível o cumprimento das metas. Apenas Trisul informou que poderá não alcançar a projeção de lançamentos para este ano devido à redução da velocidade de vendas decorrente do repasse das elevações de custos para os preços dos imóveis.
No entendimento do analista da XP, o ambiente continua bem favorável à demanda por imóveis por parte das classes média e alta, apesar de os aumentos da taxa básica de juros (Selic) terem começado a se refletir nas taxas cobradas pelos bancos na concessão de financiamento imobiliário. O discurso recorrente das incorporadoras tem sido de que o setor continuará a se beneficiar do cenário desde que a Selic continue em um dígito.
Segundo a EZTec, a percepção do consumidor de que há tendência de aumento do custo dos financiamentos habitacionais tem levado a um incremento da venda de estoques de unidades prontas.
Segundo o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França, a entidade mantém as estimativas de expansão de 40% do volume de lançamentos e de 30% do de vendas, neste ano, considerando que a Selic ficará abaixo de dois dígitos.
Pesquisa realizada pela Abrainc apontou que, no trimestre móvel de março a maio, os lançamentos cresceram 72,1%, na comparação anual, para 30.176 unidades. No acumulado de janeiro a maio, o aumento foi de 73,8%, para 43.268 unidades. No trimestre móvel, as vendas tiveram alta de 32,3%, para 37.966 unidades e, nos cinco primeiros meses do ano, crescimento de 23,7%, para 58.042 unidades.