A disparada nos preços dos materiais de construção está levando as incorporadoras a adiarem lançamentos por receio de descontrole do orçamento e prejuízos após o início das obras. O quadro surpreendeu empresários, que esperavam um ano embalado do mercado imobiliário, e pode agora esfriar a geração de empregos pelo setor - que liderou a criação de postos de trabalho no último ano.
Os lançamentos de imóveis residenciais no Brasil somaram 28.258 unidades no primeiro trimestre de 2021, alta de 3,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Por sua vez, as vendas atingiram 53.185 unidades, um aumento bem mais robusto, de 27,1%, segundo pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
No acumulado dos últimos 12 meses, os lançamentos amargaram uma queda de 10,5%, para 168.673 unidades, enquanto as vendas continuaram subindo, para 207.946 unidades, alta de 12,8%. Com mais vendas que lançamentos, os estoques de imóveis (na planta, em obras e recém-construídos) caíram 14,8%, para 153.914 moradias. Esse é o patamar mais baixo já registrado pela CBIC desde o início da série histórica, em 2016. Nesse ritmo de vendas, o estoque se esgotaria em 8,9 meses. Há um ano, essa métrica estava em 11,8 meses.
"Como no ano passado tivemos recorde de vendas e queda nos estoques, era esperado que o primeiro trimestre tivesse um 'boom' de lançamentos, mas eles cresceram só um pouquinho", diz Fábio Tadeu Araújo, sócio da consultoria Brain. "E o lançamento está crescendo pouco por causa do preço dos insumos. O grupo de materiais e equipamentos está pesando de uma maneira ultra desproporcional", avalia.
Araújo alerta que o esfriamento do setor deve ter um impacto significativo na economia nacional. "A construção civil, que foi a principal geradora de carteiras assinadas no Brasil, com mais de 40 mil postos por mês, em março recuou para 25 mil", aponta.
Explosão
O Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) acumulou alta de 12,99% nos últimos 12 meses encerrados em abril - o pico desde a chegada do Plano Real. O custo com material se destacou no período, com expansão de quase 30%. Como resultado, 57% das construtoras já relatam problemas de escassez de insumos ou disparada nos custos, segundo sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A disparada nos valores dos materiais foi sentida pelas construtoras no segundo semestre de 2020 e atribuída à desorganização da cadeia produtiva após as paralisações provocadas pela pandemia. No entanto, esse quadro está se prolongado por mais tempo que o previsto pelos empresários. "O setor da construção tinha, em 2021, todas as características para ter um dos melhores anos de todos os tempos. Mas aconteceu um fato, que foram os aumentos absurdos em termos de insumos", afirma o presidente da CBIC, José Carlos Martins. "As incertezas geraram redução na oferta dos produtos".
Uma das consequências da explosão nos custos é o repasse desse efeito para os consumidores. "Seguramente teremos aumentos nos preços dos imóveis neste ano", afirma o membro da CBIC e economista-chefe do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Celso Petrucci. A planilha de custos tende a ficar ainda mais apertada ao longo dos próximos meses, já que os dissídios virão em linha ou até mesmo acima da inflação setorial. Neste mês, os trabalhadores de São Paulo conseguiram um reajuste de 7,59%.
"Até agora, o custo da mão de obra ficou de lado devido à alta taxa de desemprego, mas esperamos que este componente acelere até o começo de 2022, uma vez que os canteiros de obras vão aumentar", afirmam os analistas de construção do banco Credit Suisse, Daniel Gasparete e Pedro Hajnal, em relatório. Pelos seus cálculos, o número de unidades em obras vai subir perto de 30% até o próximo ano devido aos lançamentos já realizados, batendo recorde de canteiros abertos.
Casa Verde e Amarela
O repasse dos custos para os preços, porém, não é viável em todos os segmentos. O aumento acelerado nos custos está forçando as incorporadoras a levarem os empreendimentos originalmente enquadrados no Casa Verde e Amarela (CVA) para fora do programa, onde têm liberdade para praticar preços maiores. Com isso, o programa perdeu participação de mercado. Os projetos do CVA representaram 44,4% dos lançamentos no País no primeiro trimestre deste ano, patamar abaixo dos 55,6% verificados no mesmo período do ano passado, de acordo com dados da CBIC.
"No mercado imobiliário de alto padrão, é possível diminuir a planta, mudar a localização ou aumentar os preços. Mas no mercado de baixa renda, não tem para onde correr", diz Martins. Na sua avaliação, a debandada do CVA é uma tendência, pois as empresas tentam sustentar as margens de lucro, buscando consumidores que possam pagar um pouco mais.
Diante desse esvaziamento do programa, o presidente da CBIC voltou a cobrar do governo federal apoio para conter a disparada nos preços dos materiais, o que poderia ser feito por meio da redução de impostos para importação de insumos e retirada de barreiras técnicas que enfrentam os materiais vindos de fora, sugeriu.
Martins revela ainda que o governo federal estuda mudar os critérios de distribuição de subsídios do programa habitacional, levando em conta a renda da população, o tamanho do imóvel e as características do mercado local, como custos de construção. A ideia é viabilizar novamente os projetos para as pessoas mais pobres. A proposta em estudo envolve a criação de uma nova faixa 1, que seria abastecida tanto por recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) quanto do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).