Por Ana Luiza Tieghi
Nem todo terreno pode ser usado para grandes projetos imobiliários, por causa de restrições de zoneamento ou pela impossibilidade de se expandir a área. É de olho nesses espaços que atuam incorporadoras focadas em projetos pequenos.
A Tico nasceu da experiência de Rafael Fiorotto em grandes empresas do setor, como Cyrela e Trisul. “Queria fazer um modelo que conseguisse aproveitar imóveis bem localizados que eram descartados pelas incorporadoras maiores”, afirma. A Tico já ergueu três pequenos prédios em São Paulo, que vão de 12 a 30 apartamentos, em média com 35 m2 cada. O menor terreno já utilizado por Fiorotto, no Brooklin, tinha apenas 212 m2. O espaço antes ocupado por uma casa passou a abrigar 12 apartamentos.
O quarto projeto da empresa, em fase de aprovação, deve ficar em um terreno muito maior, de 1,6 mil m2, mas com um porém: só pode receber construções de até 10 metros de altura, o equivalente a dois andares, por ser Zona Corredor (ZCOR). “Não precisa necessariamente ser terrenos pequenos, podem ser grandes, mas com restrição que inviabiliza edificação maior”, explica.
Esse tipo de restrição faz com que os terrenos sejam mais baratos, já que o preço depende do quanto se pode construir ali. O valor de um terreno em Zona Eixo de Estruturação Urbana (ZEU), por exemplo, sem limite de gabarito (altura) e com coeficiente de aproveitamento (quanto o local pode ter de área construída, em relação à área do terreno) de pelo menos quatro vezes, é bem diferente do preço de um lote com gabarito de 10 metros e coeficiente 1.
Um terreno de 500 metros quadrados que pertence à mãe da arquiteta e fotógrafa Inês Bonduki foi o ponto inicial da Só Predinhos, empresa que divide com o irmão e os pais. Seu pai é o arquiteto, professor da USP e vereador eleito pelo PT, Nabil Bonduki. O objetivo era fazer um prédio ali, mas seguindo princípios urbanísticos nos quais eles acreditam. “Alguns estudos de arquitetura mostram que prédios com até 6 ou 7 andares mantêm a humanidade do espaço, porque quem está lá em cima consegue ver a rua, as pessoas”, afirma.
O próprio terreno veio de uma visão diferente de cidade. A área foi comprada por Raquel, mãe de Inês, para fazer seu escritório, após o espaço anterior ser vendido para uma incorporadora, que comprou um quarteirão na Vila Madalena e demoliu as construções para dar lugar a um grande empreendimento.
O terreno, no qual o escritório nunca foi feito, fica no mesmo bairro, mas em uma Zona Predominantemente Residencial (ZPR), com limite de altura de 10 metros.
A empresa está fazendo seis apartamentos ali, de 120 a 206 m2. Segundo Inês, metade está vendida, e o preço é de cerca de R$ 18 mil por metro quadrado, em linha com o praticado na região. A Tico trabalha com preço similar, conta Fiorotto, por volta de R$ 16 mil o metro quadrado.
Além de pequenos prédios, os terrenos rejeitados, ou “micados”, como o CEO da Cube,Inc., Octávio Moreira, gosta de chamá-los, também podem virar casas. A empresa já construiu 12 condomínios de casas na cidade, o menor deles em um terreno de apenas 380 m2 em Higienópolis, com 5 residências. Moreira prefere chamar seus projetos de vilas, que diz ser o grande desejo imobiliário das pessoas, mas reconhece que, pela segurança, optou por vizinhanças muradas.
Prédios de até sete andares mantêm a humanidade do espaço, quem está em cima consegue ver a rua”
— Inês Bonduki
As casas da Cube começam em 120 m2 e, a depender do zoneamento e do bolso da região, podem passar de 250 m2. As maiores custam a partir de R$ 2 milhões. Em bairros como Cidade Jardim e Jardim Guedala, a empresa teve que criar um modelo de “Cube XL”, com casas maiores, porque a legislação exige que haja uma casa a cada 250 metros. Já em outros zoneamentos, é possível fazer uma casa a cada 62,5 metros, explica o CEO, permitindo modelos menores.
A empresa faz residências de quatro andares, geralmente com jardim e terraço aberto. O truque é que, assim, o último andar não conta como “área computável”, ou seja, não vale para o cálculo do limite de altura. “Nós vendemos quintal e rooftop, [o desejo pela casa] não vem da área interna”, afirma Rodrigo Toninato, sócio e diretor comercial da Cube.
Ter um empreendimento pequeno para os padrões do setor imobiliário é uma forma de diferenciação, que pode ser desejada por quem prefere um ambiente mais tranquilo. “No médio e alto padrão, não pode ser commodity, senão você vai brigar só no preço”, afirma Fiorotto.
As restrições de zoneamento e Plano Diretor “protegem” os terrenos visados por essas empresas, mas essas leis foram revisadas recentemente. Os três empresários dizem que não faltam terrenos considerados problemáticos - para os outros, não para eles - na cidade, mas houve mudanças negativas.
Áreas com zoneamento mais permissivo foram expandidas, o que significa que lotes que antes seriam descartados por grandes empresas passaram a ser interessantes. A competição aumentou.
Moreira cita também uma mudança em áreas de operação urbana, zonas em que há regras diferentes sobre a ocupação dos terrenos, porque a ideia é incentivar o uso. Antes, um terreno tinha que ter ao menos mil metros quadrados para se encaixar nos benefícios da operação, o que fazia com que lotes muito bem localizados sobrassem para empresas como a dele - a Cube tem um projeto no Itaim Bibi que foi viabilizado dessa forma. Agora, a barreira caiu para apenas 500 metros quadrados.
Outras mudanças ainda são esperadas para o futuro. Inês e Fiorotto criticam a exclusividade de uso unifamiliar para lotes em bairros como Pacaembu, Alto de Pinheiros e Jardins. Mansões ficam às moscas, porque não podem ser convertidas em habitações menores, para mais famílias. “Poderia ter ‘retrofit’ de casarão no Pacaembu, que se transformaria em quatro apartamentos”, diz Inês. “Seria muito legal”.