Por Ana Luiza Tieghi e Mônica Scaramuzzo
Incorporadoras que haviam anunciado em 2020 e 2021 o interesse em fazer uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) aguardam abertura de janela para retomar o movimento. Construtoras voltadas ao programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e para o alto padrão devem recorrer ao mercado de capitais para financiar sua expansão.
No mercado financeiro, a estimativa é de que cerca de 10 empresas tenham potencial para fazer uma oferta inicial de ações e uma outra parte delas oferta subsequente de ações (“follow-on”). Nem todas, contudo, terão tamanho para ir à bolsa. Em estimativas mais conservadoras, cerca de R$ 4,5 bilhões podem ser movimentados, de acordo com fontes ouvidas pelo Valor.
Essas ofertas, no entanto, só são esperadas para o segundo semestre. “Ainda precisamos ver mais cortes na taxa de juros, no Brasil e nos Estados Unidos, e principalmente lá fora”, afirma Pedro Costa, responsável pela área de mercado de capitais do Santander. O corte nos juros americanos era esperado para março, mas sua previsão agora já passou para maio.
Em 2023, incorporadoras do segmento econômico, como Metrocamp e BRZ, pediram o registro de companhia aberta, e a Emccamp pediu troca de categoria B para A na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
As empresas You, Inc., Yuny e Kallas também possuem registro de companhia A desde 2020. Pacaembu e Tegra também anunciaram planos de ir para bolsa.
A Pacaembu, que constrói casas para o segmento econômico ligado ao MCMV, pode puxar a fila das incorporadoras. A empresa atingiu R$ 1,5 bilhão em lançamentos em 2023, 21% acima do ano anterior. O lucro líquido subiu 422% no acumulado até o terceiro trimestre de 2023, para R$ 87,7 milhões. A empresa constrói casas em loteamentos abertos em cidades com 100 mil ou mais habitantes no interior de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso. Escolheu não atuar na capital paulista.
Enquanto isso, as grandes incorporadoras listadas do segmento econômico preferem os apartamentos, e parte delas só atua em São Paulo ou no Rio. “É a grande vantagem que nós temos, acabamos sendo uma opção diferente, tanto de produto quanto regionalmente”, afirma Victor Almeida, presidente do conselho da Pacaembu. Ele divide a direção do negócio com o irmão, Fernando, atualmente o CEO.
Com a segunda geração dos fundadores no controle, a companhia tentou o IPO em 2020, quando pretendia levantar R$ 600 milhões, mas desistiu. Do processo, ficou o registro como empresa A na CVM e a estruturação de sua governança corporativa. Desde então, os lançamentos subiram 178% em valor geral de venda (VGV) e o lucro líquido cresceu 42%. No mercado, a expectativa é de que a empresa tenha potencial para captar de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão.
Depois do boom de 2020 e 2021 na bolsa, com empresas levantando capital com cheques baixos e fraco desempenho (veja quadro acima), o mercado não vê aberturas abaixo de R$ 1 bilhão na bolsa, afirma Vitor Saraiva, responsável pela área de mercado de capitais da XP. Nesse sentido, muitas construtoras devem ficar pelo caminho. Nenhuma incorporadora abriu capital em 2021.
A Pacaembu não detalha sua meta, mas os diretores afirmam que o valor teria de acompanhar o crescimento do negócio. Eles estão em contato com investidores e bancos, mas ainda não formaram um sindicato, afirma Almeida. “Estrategicamente, para a empresa se perpetuar e passar por evolução, é importante passar pelo IPO”, diz. Ele cita ainda vantagens como ter acesso a mais instrumentos de capital e conseguir atrair e reter talentos. A ressalva dos irmãos é que seja mantido o controle familiar.
Outra empresa com potencial para tentar IPO, a BRZ atingiu R$ 1,1 bilhão em lançamentos em 2023. Até o terceiro trimestre, teve prejuízo líquido de R$ 9,3 milhões. Já a Emccamp atingiu, até setembro, R$ 734,3 milhões em VGV lançado e R$ 699 mil em lucro. A Metrocasa terminou 2023 com R$ 1,2 bilhão em lançamentos e lucro líquido de R$ 163,8 milhões. BRZ e Emccamp não quiserem comentar a possibilidade de IPO. O Valor não conseguiu contatar a Metrocasa.
Incorporadoras de médio e alto padrão também estão interessadas e sondando o mercado. You,Inc., Yuny, Kallas e Patrimar já conseguiram o registro de categoria A. A Kallas falou sobre planos de IPO ao Valor no fim de 2023. A Patrimar tentou fazer o IPO em 2020, mas voltou atrás. “Havendo a possibilidade, estamos prontos”, disse o CEO Alex Veiga também no fim do ano.
Ainda precisamos ver mais cortes na taxa de juros, no Brasil e lá fora”
— Pedro Costa
Outra cotada para IPO, a Tegra afirmou, em nota, que “está preparada para realizar uma eventual oferta de ações” e que monitora as condições de demanda dos investidores e de “valuation” (valor de mercado) das empresas do setor imobiliário.
O “valuation” é um entrave para que ofertas venham em maior quantidade, relata uma fonte. “Há um descompasso, principalmente no segmento de média e alta renda, entre o valor que os controladores esperam e o que o mercado está disposto a oferecer”, disse uma fonte de banco.
Para conseguir fazer sua abertura em breve, as incorporadoras teriam de aceitar algum nível de desconto. “Nem sempre as companhias têm a oportunidade de vir ao mercado quando querem, elas precisam estar prontas para o mercado quando ele existir”, afirma pessoa ligada ao mercado financeiro.
Um problema para as incorporadoras é que nem todas as empresas do setor que abriram capital na última leva de IPOs, em 2020, estão com boa performance na bolsa, e os valores levantados naquele momento não são suficientes no cenário atual.
Levantamento feito pelo Valor Data aponta que, das seis empresas que fizeram suas ofertas no período, apenas três conseguiram valorizar a ação desde o IPO. São as duas companhias do segmento de baixa renda, Plano&Plano e Cury, que se valorizaram 67,6% e 150,4%, até terça-feira (27), com a expectativa do impulso dado pelo Minha Casa, Minha Vida. A Lavvi, que atua tanto no econômico como no alto padrão, se valorizou 21,1% nesse intervalo. Neste ano, só Cury e Plano apresentam alta na cotação, de 6,5% e 20,7%, respectivamente.
O otimismo maior com as companhias que atendem o programa também deve afetar quem vai puxar a leva de IPOs. Além disso, o segmento de média e alta renda tem mais companhias já listadas, que o investidor pode preferir a apostar em uma nova oferta de ações. “Tem de comparar com o que já está listado, qual é a liquidez delas, antes de se aventurar em situações mais ilíquidas”, diz a fonte.
Já para as ofertas secundárias de ações, os “follow-ons”, a percepção é de que há demanda reprimida por parte dos investidores, o que pode estimular as operações. No ano passado, três incorporadoras do segmento econômico fizeram ofertas - MRV, Direcional e Tenda - levantando R$ 1,66 bilhão. A Plano&Plano anunciou a intenção de fazer, para captar R$ 500 milhões, mas retirou a oferta. Uma aposta para o ano é de que a empresa volte a tentar o movimento.
A Cury, outra incorporadora econômica, também é citada como candidata, mas com menos “pressa”, por ter bastante dinheiro em caixa. Procurada, a Plano&Plano não respondeu sobre a intenção de oferta. A Cury disse que não comentaria, porque “não existe nenhum processo em aberto sobre o tema”.
Não haveria impedimentos, também, para que empresas do médio e alto padrão fizessem ofertas. Saraiva, da XP, afirma que o mercado brasileiro está com uma “posição privilegiada” em relação a outros, e com bons termos macroeconômicos.
Por isso, há uma certa decepção com a bolsa nos dois primeiros meses de 2024, que apresentaram retiradas volumosas de investimento estrangeiro. “Esperávamos um início de ano mais forte”, diz ele, que aguarda recuperação desse potencial no segundo semestre, para que as empresas - não só de construção, como de energia, saúde e educação, por exemplo - coloquem em prática os planos de ir à bolsa.