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21/02/2022

Inflação e linhas mais rentáveis empurram crédito em 2022

Previsão mais recente do Banco Central, indica alta de 9,4% no estoque de empréstimos do sistema financeiro

Mesmo com projeção de crescimento perto de zero para o Produto Interno Bruto (PIB), a expansão do crédito deve permanecer a taxas expressivas neste ano, ainda surfando a reabertura da economia depois da pandemia, mas em boa medida também sob efeito da inflação. Os maiores bancos do país esperam avanço de dois dígitos em suas carteiras, com apostas em linhas mais rentáveis. 

A previsão mais recente do Banco Central (BC), publicada no relatório trimestral de inflação de dezembro, indica alta de 9,4% no estoque de empréstimos do sistema financeiro em 2022. A justificativa da autoridade monetária é que o índice de preços terá impacto no montante, mas também deve persistir o crescimento nominal das concessões, “que compensam a deterioração do cenário prospectivo para a atividade econômica e o maior nível esperado de taxas de juros”. Já uma pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estima alta bem mais modesta, de 6,7%. 

Seja como for, será um crescimento menor que o de 2021, quando o volume de crédito do país teve expansão de 16,5%, a maior em dez anos. 

Inflação 

A inflação pode afetar o saldo de crédito de duas maneiras. Uma delas é que existem linhas atreladas ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A outra é o efeito da política monetária, com elevação da Selic. No segundo caso, a carteira dos bancos cresce com a incorporação de juros mais altos em novos empréstimos e também com as linhas pós-fixadas contratadas no passado, muitas vinculadas à taxa básica da economia. 

Nesse contexto, se descontada a inflação esperada pelo BC para este ano, de 5,4%, o crescimento real do crédito ficaria em 4%. 

Efeito da pandemia 

Especialistas ouvidos pelo Valor dizem que a crise gerada pela pandemia foi atípica e propiciou o crescimento dos empréstimos nos últimos anos. Em 2020 e 2021, o estoque cresceu 15,5% e 16,5%, respectivamente. O primeiro ano foi puxado por medidas do governo de enfrentamento à covid-19, como as linhas às micro e pequenas empresas. No ano passado, preponderaram linhas ligadas ao consumo com a reabertura da economia. 

Normalmente, os bancos ficam mais restritivos em períodos de incerteza, e o crédito retrai. Como perderam rentabilidade na pandemia, a estratégia, agora, é crescer em linhas mais arriscadas para recuperar o lucro. 

“As novas concessões [de empréstimos] devem crescer, ainda que de forma mais tímida que nos últimos dois anos. As instituições financeiras estão com maior apetite à risco, mas acho que também há uma expectativa otimista para 2023 em diante”, diz o professor de finanças da FGV Rafael Schiozer. 

“Para falar sobre o crescimento da carteira, temos que olhar para o PIB nominal. Quando a gente fala de inflação, estamos falando de 7% a 8% de crescimento nominal do PIB, e a carteira deve crescer de 10% a 12%. Tem um processo inflacionário relevante no Brasil, que é relevante para o crescimento do crédito”, afirmou o CEO do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, na teleconferência sobre os resultados do quarto trimestre. A projeção oficial do banco é de alta de 9% a 12% na carteira total, ou 11,5% a 14,5% considerando apenas o Brasil. 

Otimismo 

O Itaú é o maior banco do país, com uma carteira de mais de R$ 1 trilhão, e tem as projeções mais otimistas para este ano. O Bradesco prevê expansão de 10% a 14% no crédito; e o Banco do Brasil, de 8% a 12%. O Santander não tem uma projeção oficial, mas disse que carteira de crédito deve crescer perto de “um dígito alto” em 2022 — ou seja, pouco menos de 10%. 

Efeito Selic 

O crédito imobiliário ganhou destaque quando a Selic atingiu o menor patamar da história, a 2% ao ano, entre agosto de 2020 e março do ano passado. Agora, a expectativa é que a busca por financiamentos habitacionais diminua com a taxa básica em ciclo de alta, hoje a 10,75% ao ano. “O crédito imobiliário já desacelerou e deve retrair em relação ao ano passado”, afirma Schiozer. 

Para o diretor de economia, regulação prudencial e riscos da Febraban, Rubens Sardenberg, é difícil mensurar o impacto da inflação no saldo de crédito.

“É um crescimento que de alguma maneira não está em termos reais. Fica difícil fazer essa estimativa porque a carteira vai sendo renovada. Além das pós-fixadas, as operações [pré] vencem e retornam em taxa nominal mais alta, aumentando o saldo”, diz. 

O economista avalia, contudo, que pode haver surpresas. “Mesmo com juros mais altos e crescimento baixo, temos fatores que podem ajudar. Estados e municípios têm caixa e podem querer gastar, além da continuidade da abertura da economia e a normalização do setor de serviços”, pondera. Sardenberg afirma ainda que, embora haja tendência de arrefecimento do crédito imobiliário, o financiamento de veículos pode crescer com demanda ainda represada. 

O superintendente da assessoria econômica da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Everton Gonçalves, lembra que esta é a única crise recente com crescimento expressivo do mercado de crédito. A estimativa da entidade é de avanço de 8,9% do saldo de empréstimos neste ano.

Inadimplência 

Para 2022, os bancos esperam ainda aumento da inadimplência, que ficou comportada nos últimos dois anos. Em dezembro, a taxa estava em 2,3% de acordo com dados do BC, contra 3% antes da crise sanitária. “A expectativa é que retorne para os patamares pré-pandemia”, afirma Gonçalves.

O superintendente ressalta que os bancos já apostam em linhas mais arriscadas, mas que geram maior rentabilidade. 

“No ano passado, o perfil de crédito mudou no país e migrou para pessoa física, que tem mais risco, mas também tem rentabilidade maior”, coloca. O economista frisa que o endividamento das famílias cresceu muito nos últimos meses em um cenário inflação alta e mercado de trabalho ainda em recuperação. “Ainda não é preocupante, mas é um ponto a ser monitorado.” 

O crescimento do crédito deve ser mais fraco para empresas, com o setor produtivo evitando grandes investimentos diante dos juros altos e da incerteza com a eleição. Pode ser que parte desse volume migre para os mercados de capitais, com emissão de dívida, aproveitando a busca dos investidores por taxas maiores. Depois de atingir um pico de 22,97% em janeiro do ano passado, o ritmo de crescimento anual do crédito à pessoa jurídica desacelerou por dez meses seguidos e teve uma leve aceleração em dezembro, que é o último dado disponível, a 11,09%. 

FONTE: VALOR ECONôMICO