O primeiro trimestre foi um período conturbado para as incorporadoras de capital aberto, com queda de margem bruta e de lucro líquido. Mas poderia ter sido pior.
O custo dos materiais de construção, que parecia caminhar para a estabilização até fevereiro, ainda que em patamar elevado, voltou a subir de forma acelerada com a guerra na Ucrânia e os lockdowns na China. Enquanto isso, subidas sucessivas da Selic aumentaram os juros, mas não conseguiram reduzir a inflação, que morde o poder de compra principalmente dos mais pobres, onde está a maior demanda por habitação no país.
Nesse cenário, já era esperado que as empresa não tivessem um desempenho excepcional. “Estamos em momento de desaceleração, mas vimos um volume de lançamentos e de velocidade de venda um pouco acima do esperado”, diz Gustavo Caetano, especialista em fundos imobiliários do banco Inter, ressaltando o desempenho negativo na comparação anual.
No consolidado das incorporadoras listadas na bolsa, a margem bruta caiu 3,2% e o lucro líquido recuou 14,3%, resultado da pressão inflacionária e da dificuldade para repassar preço ao consumidor.
Quem opera dentro do Casa Verde e Amarela (CVA) tem um teto para comercializar a unidade, já quem opera no SBPE não tem amarra de valor, mas sofre com a elevação dos juros para o financiamento imobiliário.
A busca por aumentar a lucratividade esteve presente no discurso de todas as empresas. Algumas já destacaram que vão abrir mão de velocidade de venda para atingir esse objetivo, como a Tenda, outra vez destaque negativo da temporada. Rodrigo Osmo, presidente da incorporadora, ressaltou que vão privilegiar projetos lucrativos, mesmo que isso signifique reajustar o tamanho da operação e fechar fábricas. A companhia registrou aumento de distratos, que agora são 20% das vendas brutas.
Caetano lembra que Tenda não foi a única. Cyrela e Eztec também tiveram o mesmo problema, mas o especialista afirma que isso já era esperado, dado a situação do país, e não é um risco no momento.
As companhias que atuam no CVA, como a própria Tenda, sofreram mais no trimestre porque são mais sensíveis aos aumentos de materiais e mão de obra.
A operação nacional da MRV também foi tida como destaque negativo pelos analistas. Outra vez, o resultado da holding MRV&Co foi beneficiado pela operação americana, a AHS, que vive bom momento de lançamentos, vendas e margens.
Porém, André Mazini, analista do Citi, afirma que isso pode enfraquecer com o aumento previsto nos juros dos Estados Unidos, e que a holding deve correr para atrair um investidor para o negócio. “A MRV não tem mais dinheiro para colocar na AHS, ela está mais alavancada no Brasil e qualquer coisa em dólar é um montante importante”, diz.
Exceção no segmento do programa foi a Direcional, que apresentou margem estável no trimestre, em 36%. “É o único player que está conseguindo ganhar dinheiro na faixa 2, por uma questão de eficiência operacional”, afirma Ygor Altero, analista-chefe do setor de construção da XP.
No entanto, a companhia pode perder margem nos próximos trimestres, quando sentirá mais a pressão sobre o preço dos materiais. A Direcional reduziu a participação de lançamentos da Riva, focada na faixa logo acima do CVA, em seu portfólio. Uma resposta ao aumento dos juros no SBPE.
Na faixa 3, a mais alta do programa, a Cury segue com desempenho positivo, segundo Altero. Para ele, a empresa apresentou o melhor resultado do setor. “Conseguiu continuar driblando a pressão dos custos com aumento de preço, mantendo margem bruta e conseguindo gerar caixa”, diz.
No médio e alto padrão, a Cyrela reportou margem menor do que o esperado, mas culpou o lançamento carioca Wave by Yoo, que, apesar de terminar o trimestre com mais de 80% das unidades vendidas, teve muitas permutas pelo terreno, o que diminuiu a lucratividade.
A EZTEC também teve queda de margem, de 3,2 pontos percentuais, o que, para os analistas do Bradesco BBI Bruno Mendonça e Pedro Lobato, mostra que nem uma empresa com boa reputação na execução de projetos consegue suportar a inflação setorial. Eles ressaltam que a companhia ainda tem uma das maiores margens do setor, de 39,3%.
Para o segundo semestre, o cenário macroeconômico deve se manter, então não é esperado um grande crescimento em lançamentos, vendas e lucratividade entre as incorporadoras. No médio e alto padrão, pontua Altero, poderá haver mais lançamentos para evitar posicioná-los no terceiro trimestre, que estará sob efeito da eleição e suas turbulências.
A metáfora da aviação foi muito usada para descrever como os executivos veem a chegada desse período: uma nuvem escura, que não permite avaliar com clareza onde se irá pousar. Por isso, há cautela para a liberação de novos projetos.
Entre as empresas do CVA, cresce a opinião de que uma nova revisão de subsídios irá acontecer em breve, ainda que tenha havido alteração em abril. “Dada a rentabilidade que as empresas estão tendo, se não tiver mudanças, dificulta para operar na faixa 2, o que é muito ruim para o programa”, afirma Altero.
A mudança mais provável, segundo analistas, é um novo aumento do grupo salarial que pode receber cada faixa de subsídio, mas também foram aventadas as alternativas, como ampliar o prazo de financiamento de 30 para 35 anos. Se algo assim acontecer, é esperada uma recuperação de lançamentos no programa.
Para o ano todo, a previsão do Inter é um desempenho um pouco pior em vendas e lançamentos do que em 2021, ou, no máximo, estável. “Mas é importante ponderar a forte base de comparação de 2021 e 2020”, ressalta Caetano
Matéria publicada em 19/05/2022