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31/08/2020

Instabilidade estimula retirada das debêntures

Fundos menos líquidos desempenham melhor na crise

PIB escorregando ladeira abaixo, queda na receita das empresas, desemprego em alta e Selic baixa formam o cenário enfrentado pelos fundos de crédito privado no primeiro semestre. Com suas carteiras compostas por papéis de dívida, como debêntures, CRIs e FIIs (de ativos imobiliários) e LF, de bancos, os produtos dependem de uma economia saudável para garantir novas originações - tomada de crédito - e da manutenção da adimplência dos credores.

A volatilidade do principal papel das carteiras, as debêntures, assustou investidores, que bateram em retirada no auge da crise. Gestores tiveram de vender papéis para honrar os pagamentos, muitas vezes a preços ruins. Neste cenário, se saíram melhor os fundos de crédito privado menos líquidos, que desestimulam os resgates, assim como os com menor exposição a debêntures. Alguns fundos com estratégias focadas em outros ativos se deram bem.

É o caso de dois fundos de crédito privado geridos pela TG Core Asset, o TG Safira e TG HGI (que não está mais no portfólio da gestora desde maio). “Houve um certo pânico, mas no nosso fundo isto não ocorreu porque o prazo de resgate é mais longo, de 60 dias”, comenta Diego Siqueira, CEO da TG Core. “Os mais curtos venderam ativos para pagar cotistas e foram reprecificados.” A estratégia diferenciada de atuação da TG Core também explica a resiliência do produto. Após subir 12,76% em 2019, até 3 de agosto estava no zero a zero. O fundo atua diretamente no mercado imobiliário, comprando imóveis à vista e vendendo a prazo, e com home equity (HE), empréstimos em que há garantia real. “A originação por HE, que hoje responde por 16% da carteira, cresceu na crise”, comenta Siqueira. O restante é 60% arbitragem e uma exposição menor em FIIs, que derrubaram em março o desempenho, o único mês em que o Safira ficou negativo (-2,97%).

No fundo de crédito privado Icatu Vanguarda RF o que deu resultado foi uma estratégia defensiva iniciada em 2019, com redução da duration dos papéis e aumento da diversificação. “No momento em que os spreads de crédito começaram a fechar muito, compramos títulos de bancos, LFs e CDBs, e reduzimos os papéis corporativos”, diz Antônio Correa, gestor de portfólio da Icatu Vanguarda.

O esforço de diversificação deu resultado: o percentual por operação caiu de 2,5% do PL para 0,40%. Entre fevereiro de 2019 e julho deste ano, o número de emissores no fundo passou de 94 para 128. Neste ano, passado o momento de maior estresse, o gestor voltou a fazer uma pequena concentração. “Fazia sentido, porque tinha papel pagando CDI mais 6% ou 7%”, diz Alan Correa, também gestor de portfólio da Icatu. Até julho, o fundo acumulava retorno de 1,82%.

Com dois fundos de crédito privado entre os de melhor retorno no ranking do Valor, o Orion e o Panorama, na Captalys os principais efeitos da pandemia foram uma maior inadimplência, compensada com provisões, e um pequeno aumento dos resgates no Panorama, que tem um número maior de pessoas físicas e ficou em 3%. “Nossa proposta é resiliência e consistência, termos que mudam de valor dependendo das condições de mercado”, comenta a CEO Margot Greenman.

A carteira de crédito da Captalys, empresa de base tecnológica que financia pequenas e médias empresas, abastece a estrutura de ativos dos fundos. A gestão de risco é baseada em três eixos: baixa concentração dos ativos, com no máximo até 2% do PL; de setores, são 74, e tipo de produto.

Sobre a montagem do pipeline de negócios de crédito construído em 2019 e ao longo de 2020, Douglas Shibayama, chief investment officer da Captalys, lembra que havia negociações com bons credores que foram mantidas. “A pulverização da carteira em número de investidores é enorme e prosseguiu neste ano”, diz Shibayama, acrescentando que a parcela originada em 2020 tem prazo e risco menores. O Panorama, após subir 9,25% em 2019, acumula neste ano, até 3 de agosto, 3,54% de retorno; o Orion subiu 12,33% no ano passado e, em 2020, está positivo em 5,71%.

Na carteira de outro fundo destacados no ranking do Valor, o Capitânia Premium, o portfólio inclui debêntures, CRIs, Fidcs e FIIs, além de títulos públicos. É um fundo D+45 em que o crédito privado chega a 2/3 da carteira. No pior momento da crise, a venda de papéis isentos com bom resultado, lembra Arturo Profili, sócio da Capitânia, permitiu “navegar em tempos difíceis”. A participação das debêntures de infraestrutura e dos CRIs na carteira chegaram a cair 50%. Com recursos em caixa, a Capitânia foi ao mercado secundário e “garimpou boas oportunidades”. Na Capitânia, houve apenas um inadimplente, a Restoque (dona de marcas como Le Lis Blanc e Dudalina) que renegociou dívidas de R$ 1,5 bilhão. “A debandada no mercado foi menor do que no passado, o que mostra um investidor mais consciente. Claro que a Selic tão baixa colaborou.” Até o final de julho, o Capitânia Premium caía 0,27%, após uma valorização de 7,67% no ano passado.

O sócio da Ouro Preto Gestão de Recursos reforça a visão de que 2020 pode ser um ano transformador no mercado de investimentos. “O cenário deste ano só confirma a necessidade de olhar para ações e crédito privado como alternativas de investimento”, diz João Peixoto. O fundo em destaque da gestora, o Ouro Preto Real, até julho sobe 2,09% com uma carteira defensiva. “Nosso fundo é conservador, busca o retorno que o diferencia com aportes em Fidcs (25% da carteira), o restante é título público.”  

FONTE: VALOR ECONôMICO