Pouco mais de um ano após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ampliar o acesso para o brasileiro investir em ativos estrangeiros, os fundos criados especificamente para acolher esse tipo de estratégia ou que aplicam em recibos de ações de companhias internacionais (BDR) reúnem cerca de 4,5 mil cotistas e mais de R$ 4 bilhões, segundo estatísticas do próprio mercado.
É um tamanho pequeno se comparado a um setor que tinha ao fim de novembro mais de R$ 3,4 trilhões no conjunto. Mas a percepção dos gestores é que de lá para cá foram construídos os alicerces para tempos de juros mais amigáveis e que vão empurrar o aplicador para além da ladainha da renda fixa local.
"A taxa de juros é ainda o fator que faz com que o brasileiro evite ativos desconhecidos e permaneça na sua zona de conforto, sem apetite para tomar outros riscos", resume Giuliano De Marchi, responsável pela área comercial do J.P. Morgan no Brasil. "Mas olhando à frente, se pensar que a queda de juros no Brasil vai ganhar velocidade, vai ser uma diversificação relevante."
Conforme exemplifica, os multimercados lá fora têm uma meta de retorno equivalente à variação do dólar mais um prêmio de 5%, que, tirado o custo do hedge (proteção) cambial, resulta em algo próximo de 3% acima do CDI - ou 120% do indexador. "É interessante, mas não atrai tanto. Quando o CDI estiver a 10%, 11%, o diferencial de rentabilidade lá fora passa a ser de 130% a 140% do CDI, vai ser mais atraente."
Com cerca de 500 mil investidores brasileiros potenciais para acessar esses ativos, o executivo diz que há um longo caminho a percorrer, mas que já existe uma base importante para a disseminação dessa cultura. Há mais de cinco dezenas de carteiras disponíveis no mercado e, se os fundos não crescem em valor absoluto, têm mostrado um aumento importante na quantidade de investidores, que mais do que dobrou desde outubro de 2015, quando passaram a valer as novas regras.
O J.P. Morgan tem seis fundos globais, sendo um deles em parceria com o Banco do Brasil. Uma das carteiras, o Global Income, hoje exclusiva do Citi, passará a ser aberta ao mercado em geral a partir de janeiro.
A reforma na regulação de fundos trazida pela instrução nº 555, em vigor desde outubro do ano passado, derrubou a aplicação mínima obrigatória de R$ 1 milhão para fundos que investem mais de 67% no exterior, desde que obedeçam a certas condições, como demonstrações financeiras auditadas, cota mensal e limites de concentração por emissor. A troca de corte de tíquete mínimo para patrimônio total aumentou o alcance desses portfólios para quem queria colocar apenas um pé no exterior. No caso dos fundos de BDRs, a CVM autorizou a venda ao público de varejo.
As perdas em ativos locais, seja na bolsa, com o real ou na renda fixa, disparadas com a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, muniu os gestores de um argumento concreto em prol da diversificação, segundo o diretor-presidente da Franklin Templeton no Brasil, Marcus Vinicius Gonçalves. "Isso mostrou para os investidores que se eles tivessem um pé na canoa internacional, com diversificação de risco em mercados que não tinham nada a ver com isso, poderiam não sofrer esse baque. Abriu os olhos para a necessidade de buscar 'alfa' [retorno] em mercados diferentes."
O executivo exemplifica que o seu multimercado que compra cotas do fundo de renda fixa internacional da Franklin Templeton, com cerca de R$ 25 milhões, obteve retorno de 6,17% nos últimos três meses (até 8 de dezembro) e acumula em um ano 16,22%, justamente porque a carteira investida não tem amarras na alocação. Pode comprar dívida em moeda local ou em dólar nos Estados Unidos, Europa, Japão, qualquer país do mundo. "O mercado estava posicionado na tese de juros muito baixos, com iene e euro fortes, e nós na posição contrária, apostando que os EUA tinham que subir as taxas."
Já o fundo de ações no exterior da Franklin Templeton, administrado pela SulAmérica Investimentos, com cerca de R$ 100 milhões, começa a compensar agora os baixos retornos do primeiro semestre, apontando num único mês ganhos de 12,68%, com recuo de 7,5% em 12 meses.
A Western Asset Management também trouxe para o Brasil a proposta para o aplicador investir em renda fixa global para além do tema juro zero, em ativos de governos ou empresas em moeda estrangeira, em estruturas de juros de países dos mais diversos portes e estratégias compradas ou vendidas, diz o executivo-chefe da gestora no Brasil, Marc Foster.
"A conversa busca tirar o terror do investidor com a alta de juros nos EUA, de que dá para se posicionar e ganhar dinheiro com isso ou em outros países, que há uma liberdade de movimento importante", afirma. "Uma vez que entenda isso, uma das grandes vantagens é mudar de assunto, se libertar de Copom, da preocupação se a inflação vai sair do controle, com o governo Temer, sair do kit Brasil."
A casa reúne nos fundos disponíveis no mercado brasileiro cerca de R$ 450 milhões e deslocou Roberto Teperman, executivo com mais uma década na instituição, para reforçar a área comercial e ser o representante para portfólios da sua controladora, a Legg Mason, no Brasil. "Há um grande mercado lá fora de ativos para acessar com segurança, e muitos desses clientes não têm conhecimento mínimo para isso", diz Teperman.
O grande mérito da CVM foi baixar a régua para a aplicação no exterior, diz Luiz Felipe Santos, responsável pela área de produtos da BNP Paribas Asset Management, que já tinha na prateleira três fundos de ações globais para o investidor local. Quando o regulador redefiniu, na instrução nº 554, o perfil do qualificado como aquele que tem R$ 1 milhão em patrimônio financeiro e não mais tal volume como investimento necessário em determinado veículo, a instituição pôde reduzir a aplicação mínima de seus portfólios para R$ 25 mil e colocá-los nas plataformas de investimentos externas.
Ernesto Leme, diretor comercial da Claritas Investimentos, acredita que os veículos com ativos estrangeiros ganharão atratividade em 2017 porque a grade de alocação local é muito limitada. "O brasileiro tem pouquíssimos investimentos que não são correlacionados com a história de Brasil. Quando o Brasil vai mal, ele vê sua empresa sofrendo e seus próprios investimentos. A partir do momento em que o país tiver taxas de juros mais razoáveis, não tenho dúvida que ganharão apelo."
De Marchi, do J.P. Morgan, acrescenta que o programa de regularização de ativos no exterior também traz potencialmente um dinamismo extra para os fundos globais. "A anistia ajuda na medida em que o investidor não vai ter que pensar no dinheiro on-shore ou off-shore, vai pensar no objetivo de vida dele, como investidor global, e não pensar em pátria", afirma. "A recomendação para a carteira de um brasileiro tem que ser a mesma para um americano, asiático ou australiano. O dinheiro passa a não ter fronteiras, pode-se buscar o melhor retorno."