Mesmo com uma crise que assola diversos segmentos da economia, o mercado imobiliário vive um de seus melhores anos em muito tempo. Com a queda da taxa de juros, no menor patamar histórico, comprar um imóvel ficou mais barato. Os brasileiros que podem buscam imóveis maiores e estão dispostos a se afastar do centro e dos locais de trabalho graças à opção do trabalho remoto. E começam a pagar mais caro na compra, ainda que economizem com o crédito mais barato.
Um estudo exclusivo preparado pelo Grupo Zap para a EXAME revela a dimensão do momento de transformação do mercado de imóveis residenciais no país.
As taxas de juro do crédito imobiliário caíram pela metade em quatro anos, passando de 15,6% ao ano em 2016 para 7,6% em 2020. Para as construtoras, a queda da taxa de juros significa uma chegada massiva de novos consumidores em potencial: pessoas com uma renda mais baixa, que não conseguiriam pagar por um imóvel, passam a ter acesso ao mercado. “O mercado potencial para nossos produtos mais do que triplicou”, afirma Fabrício Mitre, presidente da construtora e incorporadora Mitre. A construtora paulistana está com a maior velocidade de vendas de sua história, com vendas de 113 milhões de reais no ano. “O consumidor percebe que o preço está defasado e que tem acesso a linhas de financiamento mais baratas. Além disso, a poupança das famílias cresceu, em seis meses as pessoas não foram jantar fora ou viajar”, diz o presidente.
A MRV, maior construtora brasileira em receitas com 3,16 bilhões em receitas no primeiro semestre do ano, tem batido recordes de vendas. Se no início da pandemia a previsão era encolher 50%, nos nove primeiros meses do ano a situação foi a inversa, com alta de 40% nas vendas. “Já estávamos com a empresa preparada para vendas digitais há algum tempo. Entramos em abril com uma agressividade ainda maior em preços e investimentos no digital”, diz Rafael Menin, presidente da MRV.
O aquecimento do mercado impulsionou até a Gafisa, que estava sem lançar nenhum empreendimento novo desde 2018. Depois da saída do coreano Mu Hak You, que havia trocado toda a diretoria e conselho e abalado a empresa, em janeiro de 2019 e a venda de uma participação para a Planner Corretora, a Gafisa se reestruturou e volta a lançar. “A nova gestão entrou no ano passado para revisitar todos os projetos e melhorar cada produto, dos apartamentos à área comum”, diz Guilherme Benevides, vice-presidente de Operações da Gafisa.
Este ano, a empresa já lançou dois empreendimentos em São Paulo e um em Curitiba. A empresa também está comprando terrenos em São Paulo, Rio de Janeiro – sua cidade natal – e em outras capitais de forma pontual. A Gafisa também está de olho em aquisições. Em fevereiro a empresa comprou a Upcon Incorporadora e em agosto propôs uma fusão com a Tecnisa.
IPOs em alta e muito capital no bolso
Depois de tantos anos de seca no mercado imobiliário, as empresas voltaram a captar recursos e abrir capital na bolsa de valores. Grande parte dos recursos captados no mercado de ações pelas construtoras e incorporadoras será usada na compra de terrenos. As primeiras a estrear na bolsa, mesmo antes da pandemia, foram a Mitre, que arrecadou 1,2 bilhão de reais e inaugurou a janela de aberturas de capital do ano, e a Moura Dubeux, que levantou 1,25 bilhão de reais. A gaúcha Melnick Even, subsidiária da Even, captou 620 milhões de reais em setembro.
Um dos exemplos mais fortes de capitalização do mercado imobiliário é a Cyrela. Desde o começo do ano, a construtora realizou o IPO de três de suas subsidiárias: a Plano & Plano, que levantou 690 milhões de reais, a Cury, com 977,5 milhões de reais, ambas para a baixa renda, e a Lavvi, que movimentou 1,1 bilhão de reais e tem foco na alta renda. “Estamos a todo vapor, vamos lançar tudo o que tínhamos previsto. O landbank está saudável e estamos abertos a todas as oportunidades”, diz Orlando Barbosa Pereira, diretor comercial da Cyrela Realty.
Com tantas ofertas, algumas decidiram cancelar sua abertura de capital, como a Construtora Pacaembu e a You.
Depois da crise, o crescimento
A crise econômica de 2014 a 2018 abalou profundamente o mercado imobiliário e, por muitos anos, as construtoras e incorporadoras seguraram lançamentos. O tempo de venda dos estoques, de 7,1 meses em 2013, chegou a 17,9 meses em 2016 na cidade de São Paulo, por exemplo. Há uma demanda reprimida e as construtoras e incorporadoras aceleraram os lançamentos. Em certas regiões da cidade de São Paulo, maior não é possível olhar para o horizonte sem ver alguns prédios se erguendo.
A velocidade de compra também se acelerou. O tempo médio de venda do estoque na cidade de São Paulo, que chegou ao pico de quase 18 meses no auge da crise em 2016, hoje está em 7,7 meses, segundo levantamento da Mitre. A competição fica mais acirrada, principalmente na cidade de São Paulo – que concentra mais de metade do mercado total. “Em algumas regiões ou nichos da cidade, corremos o risco de ter uma sobreoferta”, diz Menin, da MRV, que tem imóveis em 162 cidades em todo o país, onde a competição é muito menor, para se proteger dessa competição.
Imóveis mais caros?
Assim, apesar do aumento da oferta de imóveis novos, os preços só tendem a subir. Se de 2015 até hoje os preços dos imóveis se mantiveram praticamente estáveis, essa situação está prestes a mudar. Não só porque os preços estão defasados, mas também porque alguns custos essenciais, como os terrenos, estão maiores.
“Com muitas empresas capitalizadas, vemos uma dificuldade de comprar terreno no mercado”, diz Abrão Muszkat, presidente e fundador da You,inc. Segundo ele, a construtora já tem em seu estoque os terrenos necessários para lançamentos até 2022, mas continua olhando para oportunidades.
Outra pressão nos custos são as matérias-primas – ou a falta delas. Com essa explosão nos lançamentos em algumas capitais, têm faltado aço e cimento para erguer os prédios. “As indústrias não estavam preparadas e falta item até para os apartamentos decorados”, diz Muszkat, que espera que essa situação esteja sob controle até o primeiro semestre do ano que vem.