Notícias

12/08/2016

Juros e câmbio devem sofrer forte queda no Brasil

Para 2016, o realinhamento de preços administrados terá um papel bem menos relevante.

Qual seria hoje o nível de Selic consistente com um crescimento (não inflacionário) do PIB entre 2% e 3%? Qual seria a taxa "neutra" de juros de curto prazo que não produz pressão inflacionária na economia brasileira vinda de pressões de demanda? Para responder a essas perguntas, é fundamental entender o macro contexto brasileiro dos últimos anos.

Em todos os episódios de queda da Selic desde os anos 2000, a capacidade de crescimento da demanda na economia brasileira era grande. Saímos de um ambiente de baixíssima alavancagem interna, com a economia do mundo crescendo bem e o "boom" de commodities. Era bem mais fácil crescer nesse cenário, no qual faltava oferta e sobrava demanda. E hoje, como estamos? O país tem uma situação de excesso de oferta generalizado nas indústrias, no setor imobiliário, no varejo e no mercado de trabalho, e o mundo cresce a taxas bem menores.

Os salários reais estão caindo em vários setores, os aluguéis nominais e os preços de imóveis também. O boom do crédito brasileiro dos últimos dez anos produziu grande capacidade de oferta que não consegue ser absorvida agora. No contexto atual, é razoável imaginar que o nível de Selic necessário para estabilizar a demanda em um grau compatível com a oferta e capacidade produtiva é bem menor do que no passado, talvez até o menor das últimas décadas.

Por que a inflação não cai? Basicamente, graças a dois vetores. O primeiro é a desvalorização cambial observada em 2015 e no início de 2016 por conta do aumento dos prêmios de risco, temores com a dinâmica da dívida pública e a incapacidade do governo em reequilibrar suas contas no curto prazo. O outro canal inflacionário de 2015 foi o reposicionamento dos preços administrados. Esses dois movimentos, em um ambiente de indexação, acabaram dificultando muito a tarefa do Banco Central de trazer a inflação de volta para o centro da meta. Esses movimentos passaram. Para 2016, o realinhamento de preços administrados terá um papel bem menos relevante. Os efeitos deflacionários da recessão seguirão com força e a mera perspectiva de o governo conseguir equacionar a questão fiscal já derrubou os prêmios de risco, tirando a pressão do câmbio. Sem a pressão cambial, a inflação voltará a convergir para a meta e a Selic poderá cair para seu nível de equilíbrio, agora muito mais baixo do que no passado, graças ao novo contexto generalizado de relativa estagnação e excesso de oferta da economia brasileira.

Quanto à dinâmica cambial, o ajuste de contas externas e a desvalorização das taxas nominal e real na direção do equilíbrio vieram finalmente em 2015, após um soluço em 2008. Feito o ajuste externo, que trouxe nosso déficit em conta corrente de -4% do PIB para próximo de -2%, os mercados começam a dar sinais de nova euforia adiante, repetindo um movimento visto por aqui entre 2003 e 2013. É importante notar que, em um ambiente de conta de capital aberta e na presença de mercados de derivativos com altíssima liquidez, a determinação da cotação da taxa de câmbio depende da tradicional dinâmica minskyana de "boom" e "bust". Com a transformação do país em grau de investimento em 2008 e o elevado apetite dos investidores por investimentos em países emergentes, houve uma verdadeira enxurrada de capitais para o Brasil no período de 2005 a 2013, que trouxe a taxa nominal próxima a R$ 1,50. Aplicações em bolsa, títulos e derivativos motivaram uma apreciação crescente da moeda brasileira que parecia mais e mais barata aos olhos do mercado financeiro. Esse tipo de movimento tende a se repetir nos próximos anos, até que o país "consuma" novamente seu ajuste de contas correntes e volte a uma posição deficitária. A volta da confiança agravará esse movimento, por mais paradoxal que isso possa parecer.

Se o BC brasileiro não reagir com uma agressiva redução da taxa Selic para um dígito em um curto espaço de tempo, entraremos novamente na zona de sobrevalorização cambial com as já sabidas consequências negativas para o crescimento econômico de longo prazo. Vale ressaltar aqui as consequências da chamada sobrevalorização cambial no longo prazo: como preço relativo entre bens transacionáveis e não transacionáveis, o câmbio afeta fortemente a dinâmica tecnológica do país, pois influencia decisões de investimento, produção e inovações. Ao influir na especialização setorial da economia, o impacto do nível do câmbio real na dinâmica de produtividade é elevado. Sobrevalorizações cambiais são especialmente nocivas para processos de desenvolvimento econômico, pois reduzem substancialmente a lucratividade da produção e investimento nos setores de bens comercializáveis manufatureiros. Ao realocar recursos produtivos para os setores não manufatureiros, especialmente para a produção de commodities (com retornos decrescentes de escala e baixa elasticidade de emprego) e para setores não comercializáveis, as sobrevalorizações cambiais acabam por afetar negativamente toda a dinâmica tecnológica da economia, algo que ficou bastante claro no Brasil entre 2005 e 2013.

Tudo leva a crer que entraremos em mais um ciclo deste tipo no país. 

FONTE: VALOR ONLINE