A recente elevação da taxa básica de juros da economia (Selic) deixará os financiamentos imobiliários mais caros? Ainda valerá a pena financiar um imóvel para morar ou investir? Os interessados precisam correr para o banco antes de novas altas? Para especialistas ouvidos pelo UOL, o cenário atual não motiva pressa.
Isso porque, entre as justificativas citadas, a Selic representa os juros de curto prazo e, para os financiamentos, o ideal é olhar para as taxas de longo prazo.
Maiores juros desde o ano passado
Na quarta (16), o Banco Central (BC) elevou os juros básicos de 3,5% para 4,25% ao ano. É o maior nível desde fevereiro de 2020, quando a taxa estava em 4,5% ao ano.
Ainda que não seja o referencial oficial dos financiamentos imobiliários, a Selic possui uma ligação com essas operações financeiras. É que parte do dinheiro que o banco concede para quem pede um financiamento vem da poupança, e o rendimento dela está atrelado à Selic.
Preste atenção quando chegar a 8,5% de juros
Para Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, se a Selic chegar a 8,5%, é um alerta para quem quer fazer um financiamento.
"Acima desse valor, o que é muito pouco provável neste ou no próximo ano, a poupança volta a render a TR (taxa referencial) mais 0,5% ao mês, o que dá 6,17% ao ano", diz Rocha.
Caso esse fosse o rendimento que o banco pagaria aos seus poupadores, os juros sobre os recursos emprestados nos financiamentos iriam para cerca de 9% ou 10%, conforme as estimativas do professor do Insper.
Taxas de longo prazo
Embora haja uma relação indireta entre a Selic e os financiamentos, Johnny Mendes, professor de economia e finanças da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), diz que o ideal para quem vai buscar financiamento é acompanhar as taxas de longo prazo.
"A Selic é pontual e pode mudar a cada 40 dias. Quem financia normalmente faz isso em prazos que até superam os 30 anos. É para esse período que tem que ver como estão as taxas", afirma Mendes.
Para o final deste ano, por exemplo, a previsão da Selic é de 6,25%, segundo o último relatório Focus.
Uma sugestão de Mendes é olhar taxas do Tesouro Direto indexadas ao IPCA. Esse título com vencimento em 2055 está pagando atualmente uma taxa fixa de 4,31% mais a inflação. Esse nível de juros é considerado bom para fazer um financiamento, diz o professor.
"O valor da Selic no futuro já está computado nos produtos financeiros, sejam de financiamento, empréstimo ou cheque especial, porque as instituições financeiras não estão enxergando só o hoje, mas sim o futuro", afirma Mendes.
Como a alta da Selic impacta os financiamentos?
Entre agosto de 2015 e setembro de 2016, a Selic estava em 14,25%. Nesse período, o CET (Custo Efetivo Total) dos financiamentos estava na faixa de 13,5%, afirma Alberto Ajzental, coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas).
O CET é a taxa que vai definir a parcela mensal do financiamento, e inclui os custos além dos juros. Ou seja, ela representa o valor real que o consumidor pagará aos bancos, que são obrigados a informá-la.
No período em que a Selic chegou ao menor valor, de 2%, entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021, Ajzental afirma que o CET caiu para cerca de 8,5%. O professor da FGV destaca que isso mostra a relação entre os financiamentos e os juros básicos. Contudo, ele também não vê as recentes altas como um risco de encarecimento desse tipo de crédito.
Considerando um financiamento a uma taxa fixa de 4% ao ano mais o rendimento da poupança, Ajzental calcula que os juros totais do financiamento seriam de cerca de:
5,4% (Selic em 2%)
6,9% (Selic em 4,25%)
8,3% (Selic em 6,25%)
"Algo próximo de 7% ainda é uma boa taxa. Então o financiamento ainda seria apropriado para quem reúne condições de compra", diz o professor da FGV.
Alta não tira otimismo do setor imobiliário
Apesar de mais uma alta da Selic, a Abecip (Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) mantém a previsão de crescimento de 34% no volume de financiamentos imobiliários em 2021.
"Essa subida já estava considerada no nosso modelo de previsão e na sondagem que fazemos sempre com os nossos associados", diz Cristiane Portella, presidente da Abecip.
Para Portella, o mercado imobiliário vive um bom momento, com patamares de juros atrativos e que ajustes nas linhas de crédito dependerão da estratégia de cada banco. "O preço dos imóveis têm se recuperado, mas ainda não totalmente. Então é possível encontrar imóveis em condições bastante atrativas", afirma Portella.
A Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) também considera que as taxas de crédito imobiliário seguem em níveis baixos e que o setor se mantém atrativo para quem busca investir em renda, como adquirir a casa própria.
"O ambiente de negócios continua propício, com grande atratividade para investimentos em imóveis em comparação com as aplicações financeiras tradicionais", diz Luiz França, presidente da Abrainc.