Por Ana Luiza Tieghi
O volume de lançamentos realizados em São Paulo no ano passado foi recorde, segundo o Secovi-SP, sindicato que representa o setor imobiliário. Chegaram ao mercado 104,4 mil novas unidades habitacionais, 43% mais do que em 2023 e 28% acima de 2021, ano recorde até então.
Para a entidade, essa é a “foto” do momento do setor imobiliário, com lançamentos impulsionados pelo Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que respondeu por 63% do total, ante 50% em 2023.
O “filme” aponta para um cenário mais incerto, com a influência dos juros altos e a previsão da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) de que as concessões de crédito imobiliário devem cair 10% em 2025, após um 2024 com alta de 25%, para R$ 312 bilhões.
“Esperamos estabilidade, não creio que vai haver crescimento, pelo estrago que a taxa de juros vai fazer na economia”, afirma Ely Wertheim, presidente-executivo do Secovi-SP. O custo da construção é outra preocupação - o indicador de inflação setorial, o INCC, dobrou de patamar nos últimos 12 meses.
Por ora, as vendas seguem o ritmo dos lançamentos. O Secovi-SP ainda não fechou esse dado, mas projeta registrar por volta de 100 mil unidades vendidas, alta de 31% sobre 2023 e também recorde.
Os lançamentos do MCMV cresceram 79% na cidade em 2024, enquanto nos demais padrões subiram 6%. Para Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP, além da demonstração de força do programa habitacional, houve empecilhos aos lançamentos de médio e alto padrão, como atrasos em aprovações e mudanças no Zoneamento e Plano Diretor, que fizeram as incorporadoras optarem por rever os projetos, em busca de maior potencial construtivo. “Não é por falta de demanda”, afirma.
O tamanho dos lançamentos caiu. Dos imóveis novos postos no mercado, 22% tinham menos de 30 m2 e 83% tinham menos de 45 m2. Em 2023, a proporção com menos de 45 m2 era de 75%. Praticamente todos os lançamentos do MCMV estão nessa faixa. Mesmo entre os lançamentos de médio e alto padrão, 54% tinham menos de 45 m2.
Para Laisa Stroher, professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da UFRJ e pesquisadora do LabCidade-USP, a instabilidade econômica e o receio de não ter aposentadoria tornam o investimento em imóveis mais atrativo, o que também aumenta a demanda por apartamentos pequenos, que são os mais baratos.
Ela destaca que há uma abundância de recursos no MCMV, mas para as faixas 2 e 3, para famílias com renda entre R$ 2.640 e R$ 8 mil, e onde não há parâmetros mínimos para as unidades. Esses imóveis se financiam com recursos do FGTS, e não têm metragem mínima. Dos lançamentos do MCMV em São Paulo, no ano passado, 17% tinham menos de 30 m2.
Os imóveis da faixa 1, financiados pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) precisam ter ao menos 40 metros quadrados e dois quartos. São voltados para famílias com renda de até R$ 2.640.
Em sites de incorporadoras, é fácil encontrar lançamentos ofertados pelo MCMV com dois quartos e 32 ou 33 m2. Em evento para investidores, em dezembro, executivos da Tenda afirmaram que a empresa conseguiu aumentar em 8,5% o preço médio do metro quadrado ao reduzir o tamanho médio das unidades, que são lançadas no MCMV, de 39 para 37,6 m2.
Em coletiva de imprensa após o evento, o CEO da companhia, Rodrigo Osmo, afirmou ao Valor que não havia mais como ganhar preço ao reduzir o tamanho das unidades, porque a empresa está no limite inferior do que a legislação permite. “Localização e conseguir sair do aluguel é o mais importante para o cliente”, ponderou.
Para Petrucci, unidades com dois quartos e pouco mais de 30 m2 podem ser apertadas para uma família com filhos, mas o perfil de parte dos moradores é de pessoas que vivem sozinhas ou jovens casais. Segundo Wertheim, a oferta de áreas comuns, como sala de home office, churrasqueira e academia, reduz o problema da falta de espaço. Ele lembra, também, que a compra do imóvel do MCMV pode significar o fim da coabitação com parentes ou da moradia em áreas de risco. “São passos, primeiro tem que dar dignidade para as pessoas”.
Segundo Stroher, para além do tamanho, há outras características que restringem o uso dessas unidades menores como moradia. Em empreendimentos assim, é comum não haver gás encanado, nem lavanderia na unidade. “Já vai denunciando a formatação de produto imobiliário que mira mesmo o investidor, um hóspede temporário”, diz.
Pesquisa do LabCidade, com lançamentos de 2008 a 2019, em São Paulo, constatou que os apartamentos perto do centro e de transporte público são os que mais diminuíram e encareceram.
Há uma concentração geográfica dos novos empreendimentos, o que reforça a sensação de que alguns bairros estão sendo transformados pela atividade imobiliária. No médio e alto padrão, cinco distritos concentram 36% dos lançamentos, com destaque para Vila Mariana e Itaim Bibi, que reúnem 21% do total. No MCMV, cinco distritos têm 25% dos lançamentos. Belém, Campo Grande e Ermelino Matarazzo reúnem o maior número de unidades lançadas.
Barra Funda e Santo Amaro aparecem entre os 15 com mais lançamentos tanto no MCMV quanto nos demais padrões.