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08/04/2016

Letras de crédito estão mais escassas e menos rentáveis

A festa dos títulos isentos, que fez a alegria do investidor nos últimos anos, perdeu vigor no começo deste ano. A oferta de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) está mais escassa e os prêmios encolheram.

Luciana Seabra

A festa dos títulos isentos, que fez a alegria do investidor nos últimos anos, perdeu vigor no começo deste ano. A oferta de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) está mais escassa e os prêmios encolheram.

"Todos os dias têm vencimentos que não conseguimos renovar", diz João Albino, presidente do comitê de private banking da Anbima, associação que representa o setor, e diretor do segmento no Bradesco. 

A Cetip ainda não tem dados para março, mas em janeiro e fevereiro as novas emissões de LCIs somaram R$ 26,81 bilhões, R$ 10 bilhões a menos do que no primeiro bimestre de 2015. E as de LCAs ficaram em R$ 10,42 bilhões, uma redução de R$ 6 bilhões em relação a um ano atrás. Na BM&FBovespa, que registra a maior parte das operações de agronegócio, o estoque de LCAs ontem era de R$ 137,98 bilhões, R$ 423 milhões menor do que no último dia de 2015.

A desaceleração da atividade econômica e da concessão de crédito reduziu as operações que servem de base à emissão dos papéis e os próprios distribuidores se questionam se o lastro não chegou ao nível máximo, afirma Albino. A consequência, conta, é uma redução nos prêmios, pressionados pela demanda crescente. "Arriscaria dizer que se a indústria emitisse hoje mais R$ 1 bilhão, acabaria em 24 horas."

Além da menor demanda por recursos para financiar operações de crédito por parte dos bancos, a exigência regulatória mais forte sobre o lastro pesou para a redução na oferta, segundo Sylvio Castro, responsável pela gestão de fundos restritos e estruturados do private banking da Credit Suisse Hedging-Griffo. Em junho do ano passado, o governo impôs prazo mínimo de 90 dias para os papéis e apertou as regras para que a captação com LCAs fosse usada apenas em operações de crédito rural. 

Os títulos isentos de baixo risco, emitidos por grandes bancos, que até o fim do ano passado chegavam aos clientes de alto patrimônio com taxa de até 98% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), hoje pagam perto de 93%, segundo uma fonte que preferiu não ser identificada. Outro executivo de grande banco afirma que até o ano passado remunerava as letras sempre em percentuais acima de 90% do CDI. Hoje, o que era piso virou o teto de remuneração nas emissões do banco.

Também no varejo, os prêmios foram espremidos. Na plataforma on-line da Guide Investimentos, o gerente de renda fixa Bruno Carvalho conta que os prêmios foram "comidos" em três a cinco pontos percentuais do CDI neste ano. Hoje na prateleira, que reúne bancos de diferentes portes, os papéis com vencimentos em seis meses pagam entre 89% e 95% do CDI.

De acordo com o diretor responsável pelos produtos de captação em uma grande instituição financeira de varejo, a piora na remuneração está mais relacionada ao fraco desempenho do crédito que à falta de lastro. Ele afirma que os bancos já estão muito líquidos e, no crédito, além da falta de operações novas, empréstimos antigos estão sendo quitados sem que haja renovação, pressionando ainda mais a liquidez. 

De acordo com esse executivo, a redução nas taxas das letras de crédito visa induzir os clientes a optarem por fundos. "O crédito está ainda mais parado do que esperávamos. Então prefiro baixar a remuneração das letras para que o dinheiro vá para fundos", diz. "Nos fundos, eu ganho com a taxa de administração, já que sem crédito, não há previsão de ganhar com intermediação financeira", completa.

Marcos Daré, presidente do comitê de varejo da Anbima, vê os fundos como a promessa de 2016. "Apostamos que os fundos vão cair cada vez mais na predileção dos clientes. Temos feito um trabalho muito grande de convencimento." 

Na Guide, os consultores também tentam convencer o investidor a olhar para os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). Nesse caso, há a isenção, mas não a proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), existente para LCIs e LCAs em aplicações de até R$ 250 mil por emissor. O prazo dos CRAs é maior, mas o argumento de Carvalho, da Guide, é que há um mercado secundário mais desenvolvido para vender os papéis, caso necessário, antes do vencimento.

Albino, do Bradesco, diz que tem sido difícil convencer os clientes do private banking de comprar títulos com vencimento distante. "Hoje o cliente prefere abrir mão de rentabilidade do que de liquidez. Ele diz: não vou sair, mas quero enxergar a porta aberta", conta. 

O dinheiro que não encontra mais amparo em LCIs e LCAs tem ido, segundo o executivo do Bradesco, para produtos conservadores, como títulos públicos e fundos de renda fixa. 

Os títulos isentos desbancaram todas as formas de aplicações tradicionais para o público de alta renda nos últimos anos, segundo mostra o mapa dos investimentos no Brasil, divulgado ontem pela Anbima. 

As LCAs e LCIs detidas pelos clientes de varejo cresceram 37% somente em 2015, para R$ 226,38 bilhões. Com isso, chegaram perto dos fundos de renda fixa, que somam R$ 292,73 bilhões, e já ultrapassam o montante aplicado em ações, Tesouro Direto, Certificados de Depósito Bancário (CDB) e operações compromissadas somados. 

Os títulos isentos estão concentrados nos portfólios dos clientes do varejo de alta renda, atendidos pelo bancos por meio de bandeiras como Prime, Personnalité, Van Gogh, Premier e Estilo, com corte de renda que varia de um banco para o outro, mas fica por volta de R$ 10 mil. Ao fim de 2015, 21,4% do patrimônio investido por esses clientes estavam em LCIs e LCAs. No primeiro nível do varejo, essa fatia era de 12,7%.

No private banking - com corte de patrimônio investido entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões -, a fatia em ativos com lastro agrícola e imobiliário chegou a 22,6% em 2015. Em 2012, essa fatia era de 13,2%. A concentração destoa em meio à diversificação do portfólio, ficando atrás apenas dos 24,8% em multimercados. Para se ter uma ideia, os fundos de renda fixa e renda variável somados são 23,2% da carteira.

FONTE: VALOR ONLINE