A Letra Imobiliária Garantida (LIG), instrumento de captação dos bancos para financiar o crédito imobiliário, tem progressivamente ocupado espaço na carteira do investidor individual. No segmento de private banking, o estoque cresceu 55,6% neste ano até setembro, e já soma R$ 66,3 bilhões. No varejo há quase R$ 10 bilhões. Os dados constam nas últimas estatísticas de distribuição da Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos.
Desconsiderando-se os depósitos a prazo, a LIG já representa o segundo maior estoque no bolo de crédito privado entre as famílias mais endinheiradas, só perdendo para as Letras de Crédito Agrícola (LCA), com R$ 105,5 bilhões. Já supera as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) ou os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Só que a LIG é um mecanismo bem mais novo, regulamentado apenas no fim de 2019.
Assim como as letras e certificados de crédito, a LIG é isenta de imposto de renda para a pessoa física e, de alguma forma, representou uma competição pelo bolso do investidor. Apesar de ser um título de emissão bancária, o destino dos recursos captados não é o patrimônio da instituição, mas o financiamento à habitação. Os grandes grupos financeiros de varejo, que têm essa atividade e também o maior canal de distribuição, acabaram estimulando a oferta. Não é um produto que se encontre nas plataformas de investimentos.
“A LIG foi incorporada ao universo de captação, compõe bem o portfólio da pessoa física por causa do benefício tributário. E, para os bancos é um instrumento de funding de longo prazo, que tende a melhorar o casamento entre o ativo e o passivo”, afirma Renan Rego, sócio do multi-family office da G5 Partners.
Como é um ativo relativamente novo e com um pouco mais de prazo, as taxas podem ser interessantes, mas sempre vale comparar com as letras financeiras, por exemplo. A rentabilidade depende da negociação, e quanto maior o volume, melhor tende ser a taxa. “Se o cliente quer aplicar na curva de juro real e ficar investido, quando compra uma NTN-B [título do Tesouro atrelado ao IPCA] vai sofrer incidência de IR, enquanto a LIG tem isenção e um risco de crédito ‘AAA’, ou seja, é muito baixo”, diz Rego.
Num ano em que a renda fixa é a classe preferida dos investidores e há muita incerteza no ambiente internacional, a LIG foi uma grande oportunidade colocada na mesa, diz José Augusto Ramalho de Miranda, diretor do private banking do Bradesco. Com alternativas com prazo de sete a oito anos assegurando retorno de IPCA mais 6%, “sabe-se lá quando vai ter essa janela de novo”, afirma.
Esses papéis, continua, acabaram competindo com as emissões corporativas ou fundos de crédito, pois é muito difícil o investidor querer uma carteira mais alavancada com travas de resgate de 30 dias ou até 180 dias, quando tem à disposição um papel que é “risco Bradesco”. “E o segredo é que algumas [emissões] são customizáveis”, afirma.
O executivo conta que muitos clientes que já tinham o dinheiro na mão para comprar imóveis, investiram em LIG por dez anos e na outra ponta tomaram um financiamento imobiliário. Como no perfil private os custos são melhores, a remuneração mensal da LIG atrelada ao IPCA dá uma “rentabilidade fantástica, acima do preço do crédito”.
Quem compra a LIG puramente para investimento tem que estar ciente de que se trata de um papel de longo prazo, que só vai ter liquidez após um ano, conforme a regra de secundário do Banco Central (BC). Uma saída fora de hora pode causar “um grande pênalti”. Mas para o cliente que fica incomodado, o fluxo de rendimentos pode ser calibrado para ser mensal, trimestral, semestral ou anual, explica Miranda.
No movimento que se viu de “flight to quality”, com a saída dos investidores de alternativas mais voláteis para a renda fixa, os títulos de emissão bancária ganharam visibilidade, diz Vitor Ohtsuki, diretor do private banking do Santander. “Os retornos podem ser em alguns casos até semelhantes, mas quando o investidor compara o risco bancário de Santander e outros grandes bancos, em relação ao corporativo, privilegia os bancos.”
Operações atreladas ao CDI podem sair a 103%, 104% do indexador, e nas indexadas ao IPCA os prêmios oscilam entre 6% e 6,5%.
Principalmente durante o primeiro semestre, o Itaú Unibanco saiu na frente na captação via LIG e agora a oferta desses títulos é menor porque o volume necessário para lastrear operações de financiamento imobiliário já foi tomado, disse Fernando Beyruti, CEO global do private banking, em entrevista recente. Outros instrumentos como letras e certificados de crédito vêm compondo a carteira de clientes, a exemplo de uma emissão de CRI da Brookfield, com classificação “AAA”, citou Felipe Nabuco, que lidera as equipes comercial e de recomendação de investimentos do banco.
Alguns bancos que pactuam a recompra da LIG antes do prazo do vencimento asseguram apenas o CDI líquido e nessa hipótese o investidor pode deixar dinheiro na mesa, alerta Manoel Campos, sócio da gestora de fortunas SWM. “O secundário de títulos corporativos cresceu, foi-se o tempo em que se comprava um lote de debêntures e tinha que ficar com os papéis até a morte, hoje o mercado é tomador principalmente de títulos isentos”, afirma. “Daí, se sair em qualquer janela antes do vencimento, o título de dívida privada tende a ser melhor do que a LIG”, diz.
Matéria publicada em 14/11/2022