Uma liminar do ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional da Justiça, suspendeu a obrigatoriedade de formalização por escritura pública de contratos de alienação fiduciária de imóveis realizados por entidades não integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A exigência está prevista no Provimento nº 172/2024, editado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A decisão foi pedida pela União, que se baseou em estudo realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (Aelo) e Secovi-SP, o sindicato das empresas imobiliárias. Segundo o levantamento, com o Provimento nº 172/2024, haveria aumento dos custos das operações de crédito imobiliário entre R$ 2,1 bilhões e R$ 5,2 bilhões para os tomadores, considerando custos com emolumentos entre 0,8% e 2% do valor do imóvel.
No estudo, consta uma simulação que mostra que o custo total de formalização de uma unidade imobiliária de R$ 360 mil no Estado de São Paulo subiria de 3,9% para 5,8% do valor do imóvel. Antes da exigência prevista no provimento, o custo para a unidade da simulação era de R$ 13.860,03. Com a norma, chegaria a R$ 20.969,53 devido à inclusão de despesas com escritura pública, que não são financiáveis e demandam desembolso imediato pelo comprador.
Com a liminar, a orientação da Abrainc é que essas alienações fiduciárias sejam lavradas por instrumento particular, como acontecia antes da edição do provimento pelo CNJ. As escrituras lavradas durante o período de vigência da portaria serão consideradas válidas.
Para Luiz França, presidente da entidade, a liminar é de extrema importância para proteger os consumidores e o mercado. “Nossa atuação foi fundamental para evitar um aumento substancial e desnecessário nos custos de aquisição de imóveis e um possível e consequente desaquecimento do setor. Muitos compradores já enfrentam dificuldades para financiar devido às altas taxas de juros e outros entraves econômicos. Essa decisão alivia o peso financeiro sobre os consumidores e fortalece a competitividade do setor.”
Caso o corregedor emita uma decisão final confirmando a liminar, as pessoas que pagaram as taxas adicionais poderão ser ressarcidas, segundo o advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, contratado pelas entidades para atuar no caso. “A decisão reconhece o caráter desastroso daquele provimento sobre todo o sistema de garantia por alienação fiduciária”, afirma.
A advogada Rochelle Ricci considera que, além de reduzir os custos das operações, “a decisão traz mais equilíbrio entre as entidades que são parte do SFI e do SFH e as que não são”. Essa desvantagem competitiva para as entidades não integrantes do SFI e SFH, acrescenta, foi um dos pontos abordados pela União no processo, que considera que a limitação à concorrência eleva os custos para os consumidores finais.
Em sua decisão, Campbell Marques afirma que “a medida [Provimento 172], na prática, dificulta o acesso ao financiamento imobiliário, afetando consumidores e incorporadoras, e aumenta o risco de superendividamento”.
Na opinião de Marcelo Roitman do PLKC Advogados, a decisão beneficia todo o mercado de crédito nacional. “A garantia imobiliária é uma das preferidas no mercado de crédito. Com a decisão, o custo da tomada de crédito é reduzido e, por consequência, fomenta o setor e o mercado em geral.”
Amanda Faria, sócia do escritório Simões Pires Advogados, destaca que o Provimento nº 172/2024 nasceu com o intuito de trazer segurança jurídica às operações fiduciárias imobiliárias, “mas, na verdade, criou uma burocratização adicional na contratação de crédito imobiliário e mexeu com o mercado”.
A advogada Rochelle Ricci, da área de direito imobiliário do escritório Machado Associados, alerta para o fato de a decisão ainda não ser definitiva. “Seria recomendável analisar com cuidado a conveniência de fazer novas contratações por instrumento particular com força de escritura”, afirma. “Ou mesmo a necessidade de já se estabelecer entre as partes mecanismos para regularizar a situação caso prevaleça a impossibilidade de aplicação do contrato particular para entidades que não integram o SFI ou o SFH”, acrescenta.
A suspensão vigorará até que o plenário do Conselho Nacional de Justiça delibere sobre o mérito da questão. O advogado Marcelo Roitman considera que há apenas dois meios para a decisão ser alterada. Primeiramente, pode haver um pedido de reconsideração ao próprio relator, o ministro Mauro Campbell Marques, nos termos do artigo 99, parágrafo 1º do Regimento Interno do CNJ. Outro caminho seria um recurso ao Plenário da entidade, nos termos do artigo 99, parágrafo 2º, do regimento interno.