Facilitação do uso de garantias para acesso ao crédito e aprimoramento nos procedimentos de constituição e de execução de ônus, foram os principais objetivos do Marco de Garantias, sancionado em 30 de outubro.
É um movimento legislativo importante no sentido de melhorar o ambiente de negócios no Brasil, conferindo segurança jurídica para as relações de crédito privado e, consequentemente, destravar empréstimo de recursos (até, possivelmente, com taxas de juros mais atrativas aos tomadores).
Contemporaneamente, vale destaque para o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Recurso Extraordinário nº 860.631, que definiu, também no fim de outubro, a viabilidade da execução extrajudicial (isto é, sem passar pelo Judiciário) da alienação fiduciária de imóvel oferecida em garantia de crédito imobiliário, culminando na fixação da seguinte tese em matéria de repercussão geral: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.
A Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 (Marco de Garantias), acompanhado do entendimento atual do STF, confere forte base jurídica para o avanço sustentável do crédito privado no Brasil.
O Marco traz novidades importantes como a possibilidade de constituição de alienação fiduciária superveniente, condicionada e subordinada a outro ônus já existente, que se torna eficaz após o cancelamento da alienação fiduciária já existente (por quitação ou liberação), a execução extrajudicial da hipoteca (exceto nos casos de operações de financiamento da atividade agropecuária, cuja via extrajudicial foi expressamente afastada na forma do parágrafo 13º do artigo 9º), bem como trouxe diversos aprimoramentos no procedimento de intimação do devedor e pagamento extrajudicial da dívida.
A proposta inicial do Marco de Garantias incluía um capítulo específico prevendo a criação das Instituições Gestoras de Garantia (IGC) para prestação de serviço de gestão especializada de garantias, com o objetivo de facilitar a constituição, a utilização, a gestão, a complementação e o compartilhamento de garantias, em operações de crédito contratadas com uma ou mais instituições financeiras. Estas IGC seriam regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional e supervisionadas pelo Banco Central do Brasil.
Durante o processo legislativo, em revisão pelo Senado foi suprimido todo o capítulo que tratava das IGC, por entender que a inclusão dessa figura poderia trazer burocratização ao sistema de garantias, uma vez que as instituições de crédito já constituídas possuem total capacidade para atender à população.
Por outro lado, o sancionado Marco das Garantias positivou de forma importante a figura do agente de garantias, que, paralelamente, possui competência para atuar na formalização das garantias e na execução destas em nome do credor ou credores. Esse agente ganha relevância em operações de crédito sindicalizadas (nas quais participam diversos credores), na medida em que centraliza a fiscalização da regularidade jurídica das garantias e torna ágil a iniciativa de execução destas, em casos de inadimplemento, em favor do sindicato ou do conjunto de diferentes credores com garantias compartilhadas em operações individualizadas.
O mercado já vinha utilizando prestadores de serviço dessa natureza, mediante a construção de redes contratuais estabelecendo mandato e obrigações específicas em linha com o, agora tipificado, “Contrato de Administração Fiduciária de Garantias”, previsto no artigo 853-A do Código Civil.
O avanço trazido pelo Marco está na definição da afetação do patrimônio decorrente do produto da realização das garantais em relação ao patrimônio total do agente de garantias (parágrafo 5º do artigo 853-A do Código Civil).
Essa disposição é de extrema relevância, uma vez que ela blinda o fluxo de recursos proveniente da liquidação de garantias contra potenciais credores do próprio agente de garantias. Isto é, o risco de crédito desse prestador de serviço não interfere diretamente na operação entre o credor e o devedor (como, de fato, deve ser).
Anteriormente, observando apenas o aspecto prático e racional da operação de crédito, essa preocupação ou risco poderia ser encarada como meramente paralela ou até passar despercebida. Porém, no aspecto jurídico, é valioso o trabalho do legislador, uma vez que predomina no ordenamento jurídico brasileiro a teoria subjetiva do patrimônio, de modo que a segregação de parcela patrimonial (tornando-a indisponível para satisfação de obrigações e responsabilidades do seu titular direto) é uma exceção, eficaz apenas quando amparada por dispositivo legal.
Isso porque, ainda que bem construída contratualmente, a afetação patrimonial não positivada não se prova sustentável judicialmente, conforme se verificou em julgamento de contrato de trust pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.438.142/SP), que reforçou entendimento pela necessidade de previsão legal específica para se estabelecer patrimônios de afetação, além de indicar a ausência de amparo legal para atribuição de efeitos reais ao contrato de trust no ordenamento jurídico brasileiro.
Com todas as alterações apresentadas pelo Marco, fica a cargo do mercado adotar os novos procedimentos, conforme avaliações individuais das suas aplicabilidades, para verificar em que medida o Marco das Garantias efetivamente irá impactar a disponibilidade de crédito privado.