Diante do diagnóstico de que é o alto endividamento de famílias e empresas que está travando a recuperação da atividade econômica, o governo acertou ao liberar o saque das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) depositado até o dia 31 de dezembro de 2015, avaliam economistas. A percepção é que a medida melhora a eficiência da alocação de recursos e permite aos trabalhadores trocar dívidas caras por uma poupança remunerada por juro real negativo. O efeito sobre a atividade econômica, porém, deve ser pequeno, já que boa parte dos recursos tende a ser usado para quitar dívida ou aumentar a poupança, em um momento de incerteza ainda elevada.
Nas contas da coordenadora de economia e sócia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, o saque das contas inativas, que não recebem mais depósitos, poderia adicionar até 0,3 ponto percentual ao Produto Interno Bruto (PIB) de 2017.
A economista parte do potencial de injeção de recursos na economia estimados pelo governo, de R$ 27 bilhões a R$ 30 bilhões. Ainda segundo o Ministério do Planejamento, 86% das contas têm saldo inferior a um salário mínimo (que é, atualmente, de R$ 880). Os detalhes da medida, porém, ainda não tinham sido divulgados ontem à noite.
Devido aos baixos valores disponíveis, diz Alessandra, o mais provável é que boa parte desses recursos sejam usados para pagamento de dívidas ou para consumo. Uma parte menos relevante deve ser destinada à poupança. Se cerca de R$ 15 bilhões forem direcionados para consumo, diz a economista, o efeito sobre o PIB pode ser de até 0,3 ponto percentual, considerando o efeito multiplicador do gasto sobre a atividade. "O prazo para que isso aconteça vai depender do escalonamento do pagamento", diz.
Segundo afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, o cronograma de saques deve ser divulgado no começo de fevereiro do ano que vem e dependerá da data de aniversário do titular da conta.
A economista afirma, porém, que não vai mudar sua estimativa de crescimento do PIB para 2017, de 0,7%. "Mas a medida torna esse número mais provável", diz ela. Antes, considerava o número mais desafiador.
"É uma medida bem positiva, pois dá espaço para quem está com essa conta parada decidir o que quer fazer com ela, o que certamente não inclui ficar em um rendimento tão baixo como o do FGTS", afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Para ele, o mais provável é que o impacto sobre o setor real da economia se dê ao longo do ano, e não já no primeiro trimestre. De qualquer forma, diz ele, o anúncio reforça a expectativa de crescimento de 1% no ano que vem.
"A linha do pacote segue a tendência do governo de apresentar medidas de mais longo prazo e residualmente medidas de curto prazo que façam sentido econômico, como essa do FGTS", afirmou.
Embora positiva, o efeito imediato da medida tende a ser pequeno, pondera Marcio Garcia, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). "Assim como está acontecendo com o pagamento do 13º salário, boa parte deve ser usado para pagar dívida ou poupar, não acredito que vá ser usado para novos gastos", diz.
No entanto, afirma, como essa é uma poupança forçada, faz muito mais sentido que os recursos sejam direcionados para dívidas do que fiquem parados em uma conta a qual os trabalhadores não têm acesso, em sua avaliação.
Raphael Ornellas, economista do banco Brasil Plural, afirma que a liberação de saque das contas inativas tende a melhorar a alocação de recursos na economia, já que o trabalhador poderá trocar uma dívida bastante cara por uma poupança forçada que rende menos do que a inflação.
"O governo parece ter identificado o que poderia estar travando a recuperação e está tentando se movimentar, o que é bem-vindo", disse ele, para quem, somadas, as medidas anunciadas ontem e na semana passada tendem a melhorar o ambiente de negócios.
Ainda assim, Ornellas não acredita que o impacto seja suficiente para alterar sua estimativa de PIB para o ano que vem, de 1,2%. Ele ressalta, porém, que projeção já é superior ao que prevê a média do mercado, de alta 0,6% da atividade em 2017.
A maioria também não considera que é isso que vai tirar a atividade do atoleiro. "Trouxemos uma herança muito grande do passado e o governo está sendo pressionado a mostrar serviço, mas não adianta, vai ter que esperar [a recuperação]", diz Garcia, da PUC.
O risco, afirma, é que a equipe econômica passe a priorizar a agenda de curto prazo, enquanto o que importa de verdade são as reformas estruturais. Nesse sentido, a derrota sofrida pelo governo nesta semana, quando o Congresso aprovou a renegociação da dívida dos Estados sem as contrapartidas, acende um alerta perigoso, principalmente com a reforma da Previdência em tramitação. "É preocupante porque mostra que o Congresso não entendeu direito a urgência da situação".
Alessandra, da Tendências, também afirma que a retomada requer calma, principalmente porque a recuperação da atividade é uma questão de ciclo econômico. Ou seja, só haverá melhora de fato quando os fundamentos avançarem, com redução da inflação, mais espaço para queda de juros e aprovação das reformas, abrindo espaço para investimentos e consumo.