Cota de solidariedade determina que construtoras com empreendimentos maiores do que 20 mil metros quadrados destinem 10% da área a habitações de interesse social. Mas apenas um imóvel foi criado na cidade para famílias com até três salários mínimos de renda mensal.
Apenas sete condomínios para população de baixa renda foram construídos por meio da chamada cota de solidariedade, um dispositivo previsto no Plano Diretor Estratégico (PDE), criado em 2014 e que deve passar por uma revisão neste ano. Desses imóveis, apenas um deles é para a faixa 1, para famílias com até três salários mínimos de renda mensal.
A cota de solidariedade determina que as construtoras com empreendimentos maiores do que 20 mil metros quadrados destinem 10% da área equivalente para habitações de interesse social (HIS), no mesmo terreno ou em outra área.
O construtor, porém, pode optar por depositar o valor no Fundo Municipal de Urbanismo, o Fundurb.
Além de ser usado em habitação, o fundo também pode ser usado para obras de infraestrutura e viárias, como recapeamento de avenidas, neste último caso graças a uma mudança na lei feita em 2019, ano anterior às eleições municipais.
O uso muito variado do fundo é criticado por alguns urbanistas, porque, segundo eles, acaba sendo usado em ações que não resultam diretamente em ampliação de moradias populares ou em reurbanização de favelas.
A cota é um dos pontos que a atual gestão avalia como pouco aproveitada. E quer tentar aprimorar o dispositivo na revisão do PDE.
O primeiro dos prédios levantados pela cota deve ser entregue em setembro na rua Visconde de Parnaíba, no Brás, região central. Os demais estão em construção.
Protestos
Nesta terça-feira, integrantes de grupos de moradia protestaram na frente da Prefeitura de São Paulo para pedir o adiamento da revisão do plano.
Diversas entidades argumentam que a pandemia inviabilizou as discussões, já que muitas comunidades não têm acesso adequado à internet para participar das audiências online.
O Ministério Público Estadual (MPE) recomendou o adiamento da revisão neste ano. A prefeitura defende que é possível fazer a revisão e considera louvável a preocupação da sociedade. Também afirma que irá responder a todas as solicitações da Promotoria.
No parecer do MP, cinco promotores de Habitação e Urbanismo da capital apontam que a Prefeitura de São Paulo deixou de cumprir uma série de requisitos para que a revisão pudesse acontecer de forma acessível a todos os paulistanos.
Embora a lei que determinou a revisão intermediária do plano ordene que ela aconteça neste ano, o Ministério Público afirma que a excepcionalidade da pandemia justifica o adiamento da revisão até que as recomendações sejam atendidas.
“A situação excepcional decorrente da pandemia da Covid-19 torna razoável que os trabalhos de revisão ultrapassem o termo final previsto no par. 1º, do art. 4º, da Lei nº 16.050/14. Nenhum agente público será pessoalmente responsabilizado pelo adiamento da mencionada revisão, justamente devido a situação absolutamente atípica e imprevisível que, não apenas o município de São Paulo, mas o mundo inteiro está vivenciando”, diz o parecer.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que "considera legítima e elogiável a preocupação da sociedade com a revisão intermediária do Plano Diretor de São Paulo e vai responder a recomendação do Ministério Público dentro do prazo solicitado, assim como permanecer à disposição do órgão para esclarecer todo o processo participativo de revisão".Quatro recomendações
O documento encaminhado ao prefeito recomenda o cumprimento de quatro normas para que as audiências possam começar na cidade.
A primeira delas: os promotores pedem que a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) invalide administrativamente a resolução aprovada na 64ª reunião do Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) “por manifesta ilegalidade (inexistência de construção conjunta com o Conselho Municipal de Política Urbana e aprovação do documento sem prévia inserção na pauta”.
Segundo o MP, “a atual gestão municipal, de forma deliberada, optou por desrespeitar as atribuições do CMPU, deixando de construir com aquele Órgão a metodologia do processo de revisão”.
“Os conselheiros que o integram e que representam a sociedade civil foram privados de estudar e de propor diretrizes antes que o poder público – por razões até esse momento desconhecidas – deflagrasse diversos atos concretos rumo à precipitada revisão. (...) Até o presente momento, o CMPU não participou ativamente da construção da revisão do PDE. E o que é mais grave, na oportunidade em que o Órgão foi apenas ‘comunicado’ sobre a revisão do Plano e do seu cronograma ele não estava integrado por todos os seus representantes eleitos. Estava desfalcado e contando tão somente com 18 (dezoito) dos seus 34 (trinta e quatro) conselheiros”, disse o parecer.
A segunda norma que deve ser cumprida: que a secretaria apresente à sociedade civil “a metodologia de trabalho a ser empregada nas fases do processo de revisão do Plano, bem como, o cronograma de ações, a serem construídos de forma colaborativa com o CMPU e aprovados pelo Colegiado, em reuniões pautadas e previamente agendadas”.
A terceira exigência dos promotores é a divulgação pública de todos os estudos técnicos já elaborados, ou que venham a ser realizados, para inclusão digital da população carente no processo de revisão intermediária do plano, “explicitando as regras da participação e todas as iniciativas (meios e equipamentos) que serão implementadas nos diferentes cenários possíveis da pandemia da Covid-19, após regular deliberação e aprovação pelo CMPU em reuniões pautadas e previamente agendadas”.
E a quarta recomendação é que a gestão Ricardo Nunes promova a divulgação das audiências públicas presenciais e virtuais através de todos os meios de comunicação “notadamente os não digitais (a exemplo de jornais e televisão), justamente para que seja efetivo o acesso à informação pela camada da população digitalmente excluída – com a necessária antecedência, transparência e devidas informações sobre o conteúdo das discussões e regras de participação”.
Para o Ministério Público, não existe urgência na revisão intermediária do Plano Diretor e, portanto, as audiências podem ser adiadas sem prazo determinado em 2021, até que o município cumpra todas as exigências legais necessárias para o processo.
“O município de São Paulo ao longo dos últimos anos encaminhou, nos casos que reputou mais urgentes, diversos projetos de lei à Câmara Municipal para tratar de instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor de forma dissociada da atual revisão intermediária. A situação excepcional da pandemia da Covid-19 torna razoável que os trabalhos de revisão ultrapassem o termo final”, afirmaram os promotores.
O parecer enviado ao prefeito é assinado pelos seguintes promotores: Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Arthur Antonio Tavares Moreira Barbosa, Patrícia Bastos Domingues Passos, Camila Mansour Magalhães da Silveira e Roberto Luís de Oliveira Pimentel.
A vereadora Silvia Ferraro, do mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal, afirma que a recomendação do Ministério Público pode gerar uma judicialização caso Nunes não siga as normas sugeridas pelos promotores.
“A pressa que a Prefeitura de SP tem em revisar o plano ainda neste ano, no meio da pandemia, só favorece os interesses das grandes empreiteiras. Desde o início da pandemia, nós, do PSOL, estamos reivindicando que a revisão do plano seja adiada para que as pessoas da periferia possam ter participação garantida, porque é do interesse delas também esse assunto, principalmente no que diz respeito às moradias populares. Essa recomendação do Ministério Público acolhe também esses argumentos e, se o prefeito não seguir, certamente pode gerar uma judicialização”, afirmou a covereadora.
O que diz a prefeitura
"A Prefeitura de São Paulo considera legítima e elogiável a preocupação da sociedade com a revisão intermediária do Plano Diretor de São Paulo e vai responder a recomendação do Ministério Público dentro do prazo solicitado, assim como permanecer à disposição do órgão para esclarecer todo o processo participativo de revisão.
O próprio Plano Diretor determina em seu artigo 4º que o Executivo faça uma revisão dos seus instrumentos urbanísticos em 2021 e o Município está executando um modelo híbrido de participação social (reuniões virtuais e presenciais), respeitando as recomendações do Plano São Paulo. Lembramos que o mesmo formato foi adotado em 2014, quando o Plano foi elaborado.
A gestão municipal assegura que todos os mecanismos para a participação social serão garantidos para o fortalecimento do debate sobre a cidade e reafirma seu compromisso com um debate amplo, democrático, transparente e participativo para a construção de uma cidade mais inclusiva e justa."