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21/02/2022

Mercado imobiliário do metaverso atrai investimentos com o avanço da realidade virtual

Terrenos e imóveis virtuais já movimentam milhões de dólares; empresas, artistas e pessoas físicas veem oportunidade de gerar renda com experiências digitais

Rentabilidade no universo digital já deixou faz tempo de ser um conceito futurista intangível. Criptomoedas e NFTs (tokens não fungíveis) se tornaram ativos financeiros valiosos e, com o avanço da tecnologia da realidade virtual, o metaverso também passou a ser visto como um espaço potencialmente lucrativo. Um estudo da Bloomberg Intelligence estima uma oportunidade de mercado de US$ 800 bilhões nesse mercado virtual. 

A ideia de adquirir NFTs como obras de arte digitais, objetos virtuais colecionáveis, músicas, avatares e skins – os trajes usados pelos personagens nos jogos de videogame -, entre tantas outras possibilidades, já foi internalizada por muitos. O que está chamando atenção agora é um novo movimento: o surgimento de um mercado imobiliário no metaverso com a compra de terrenos e imóveis virtuais. 

Para ter uma ideia, mais de US$ 86 milhões foram movimentados entre 22 e 28 de novembro do ano passado com a compra de terrenos no jogo The SandBox. De acordo com a NonFungible.com, plataforma de métricas do setor, mais de US$ 300 milhões foram transacionados em vendas de NFTs na primeira semana de dezembro, sendo que quase um quarto do valor foi destinado à compra de terrenos digitais no jogo. 

Para Robinson Silva, sócio da GRI Club, apesar de as experiências ainda serem muito embrionárias nesse segmento, inúmeras possibilidades devem surgir. “Isso começa principalmente com as empresas produtoras de jogos enxergando a oportunidade de fazer receita através de uma especulação imobiliária”, diz. 

Ele fala que ninguém sabe que proporção que isso terá, mas, fazendo uma correlação com o mercado físico, empresas e pessoas físicas já têm três oportunidades mais óbvias: especulação imobiliária baseada na valorização (entrar primeiro em um negócio pensando que ele vai valorizar no futuro); locação da terra virtual para uma empresa que não conseguiu comprar, mas tem interesse em alugar para desenvolver um negócio; e compra de um terreno virtual para criação de um negócio próprio. 

“No ano passado teve já alguns shows, como o do rapper americano Snoop Dog (que comprou um conjunto de terrenos no The SandBox e batizou-o de ‘Snoopverse’) e dos cantores Ariana Grande e Justin Bieber. Em dezembro inclusive circulou a notícia de que um usuário comprou um terreno para ser vizinho do Snoop Dog e pagou por volta de R$ 2,5 milhões na cotação da época”, exemplifica o especialista. 

Segundo ele, a Warner Music também comunicou, no último dia 27, que pretende levar experiências com grandes artistas, como Bruno Mars, Cardi B e Dua Lipa, para o metaverso – e na mesma semana o próprio The SandBox anunciou uma venda de terrenos próximos a esse espaço da Warner a partir de março, que serão uma espécie de camarote para que os fãs tenham uma experiência de tratamento mais próximo com os artistas. “Isso deve reverberar em dinheiro, mas a gente ainda não sabe em que proporção”, diz Silva. 

Escritórios e imobiliárias virtuais 

Outra movimentação que está começando a surgir é a participação do mundo corporativo, com empresas criando escritórios para reuniões virtuais. A Microsoft, por exemplo, anunciou que está estudando a criação de plataformas de reuniões através da base que já possui, o Microsoft Teams. 

“A ideia é oferecer espaços virtuais para reuniões de negócios, eventos e oportunidades de networking utilizando avatares. O Infinity Office anunciado pelo Facebook, que inclusive mudou o nome para Meta, também é um lugar de trabalho que terá em breve algumas salas virtuais em que os participantes poderão se encontrar através de seus computadores no mundo real, usando avatares nesse mundo virtual”, afirma o especialista. 

Se tem pessoas e empresas comprando terrenos e construindo imóveis, a tendência é que também tenha imobiliárias nascendo no metaverso para atender à demanda. Silva diz que a primeira delas já existe – a Metaverse Property, empresa do Metaverse Group que está dentro do jogo The Centraland e comprou terrenos por 2,43 milhões de dólares. “Ela foi pioneira nessa atuação com a especulação imobiliária no metaverso”, diz. 

Regulamentação e legislação dos imóveis virtuais 

A ideia de adquirir propriedades imobiliárias virtuais talvez ainda cause estranhamento, mas é comparável à compra de bitcoins, de acordo com o economista Fábio Tadeu Araújo, da Brain Inteligência Estratégica. 

“Envolve moeda virtual e o conceito de blockchain, que é uma transação fechada, controlada e garantida entre duas partes, que prescinde da necessidade de algum registro em bolsa, CVM ou cartório”, diz. “O investimento é similar porque, da mesma maneira que a pessoa compra qualquer moeda virtual e essa moeda pode ser valorizada ou desvalorizada de acordo com a procura, o preço de uma propriedade no metaverso vai valorizar ou desvalorizar de acordo com a procura de pessoas físicas, empresas e investidores. Já existem palácios, mansões e até casas de espetáculos. O valor vai flutuar de maneira similar às flutuações das moedas virtuais.” 

O economista acredita que o fenômeno esteja atrelado à compreensão e crença de que os seres humanos vão querer cada vez mais ter experiências no mundo virtual com avatares. “No mundo dos games essa ideia já é muito comum”, afirma. “Com o avanço da experiência sensorial, a ideia é que as empresas possam criar cidades e mundos virtuais. Imagine que a Lacoste, por exemplo, queira fazer um evento com Brad Pitt e Angelina Jolie em que pessoas do mundo todo possam se inscrever para que seus avatares interajam com os avatares deles, fazendo perguntas. Então você terá empresas e marcas promovendo eventos nesses espaços virtuais e outras que serão responsáveis pela construção da arquitetura desses mundos.” 

Araújo conta que já há inclusive alguns governos adotando iniciativas turísticas para atrair e interagir com usuários de outros países através do metaverso. Um exemplo é Barbados, que anunciou a abertura da primeira embaixada no metaverso no final de 2020. O espaço ficará no The Centraland.

 Como isso tudo ainda não está regulamentado, não se sabe para onde vai caminhar. Alguns investidores acreditam que será possível usar no futuro até como lastro para compra de imóveis físicos. Mas isso está muito distante ainda porque a maior parte dos países do mundo ainda não tem uma legislação totalmente definida para o controle de moedas virtuais e imóveis no metaverso. Envolve ainda muito risco”, diz. 

“Não existe uma legislação específica sobre compra e venda de terrenos no metaverso. O que existe é uma regulamentação do Código Civil para compra e venda de direitos – e o metaverso é um direito”, diz o advogado tributarista Fernando Silveti. 

Ele salienta que, no dia 23 de dezembro, a Receita Federal se manifestou sobre o que considera ganho de capital para alienação de criptoativos. “Mesmo que você troque criptoativo por criptoativo, o que vale é o que você ganha nessa alienação. Se eu ganho criptomoeda em troca do meu criptoativo, isso não é uma permuta. O que se considera é o preço de aquisição do criptoativo”, afirma.

“Por exemplo, comprei um terreno no metaverso por R$ 300 mil e vendi por R$ 40,3 milhões. O ganho de capital foi de R$ 40 milhões e vai incidir imposto de renda sobre esse valor. O IR de um bem no metaverso também incide na transferência desse direito aos herdeiros. Mas é claro que essa questão é bastante polêmica e ainda vai ser muito discutida”, diz. 


FOTO: Meta/Divulgação. Espaço para reuniões do grupo Meta; empresa vai lançar também o Infinity Office, para encontros profissionais.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO