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28/06/2023

Mesmo modificado, Plano Diretor de SP não é unanimidade (Valor Econômico)

Entre urbanistas e empresários do setor imobiliário, há consenso sobre necessidade de adensamento da cidade, mas maneiras de chegar a isso divergem

A revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo foi aprovada na terça-feira (26) com um texto que havia sido amenizado nas últimas semanas de tramitação. Ficou menos atrativo para as empresas, mas mesmo assim agradou. Já os urbanistas ainda têm críticas.

A medida mais polêmica, o aumento das zonas de eixo de transporte - onde há mais incentivos para se construir - quase foi de 600 metros no entorno das estações de metrô para um quilômetro, mas o texto aprovado reduziu o raio para 700 metros.

 

No entanto, há uma “pegadinha”: se antes uma quadra precisava estar toda nos 600 metros para ser contabilizada como eixo, agora basta que um pedaço esteja na zona dos 700 metros.

Entre os urbanistas e empresários ouvidos pelo Valor, há consenso sobre a necessidade de se adensar a cidade onde já existe infraestrutura, mas há discordância sobre como fazer isso.

 

Philip Yang, fundador do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (Urbem), diz ser necessário ter uma gradação dessas áreas de eixo, o que pode ocorrer na Lei de Uso e Ocupação do Solo, (ou Lei de Zoneamento), que também passa por revisão.

 

O urbanista critica um trecho da revisão do PDE que diz que o executivo poderá subsidiar a aplicação dos eixos na revisão do zoneamento, o que ele vê como transferência de responsabilidade do poder Executivo para o Legislativo nas políticas de planejamento da cidade. Não deveria ser possibilidade, mas imposição. “O Executivo é quem tem equipe, tem diagnóstico da cidade, o Legislativo não tem a mesma potência analítica.”

O preço não vai cair necessariamente, a terra não é commodity” — Philip Yang

 

Um ponto levantado pelo especialista é o aumento sem teto para a cota parte (quantidade de unidades habitacionais de acordo com o tamanho do terreno), que pode resultar em unidades maiores nas zonas de eixo, o que vai no sentido contrário de trazer mais pessoas para morar na região.

 

A revisão perdeu a oportunidade de mudar algo que também vai contra o ideal do PDE, segundo Victor Carvalho Pinto, coordenador do núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper, que no geral considera o texto como algo positivo: acabar com os incentivos para vagas de garagem nos eixos.

A revisão inclusive facilita que unidades maiores tenham mais de uma vaga. O PDE não obriga nem proíbe vagas, mas considera algumas como área não-computável. Se não existisse esse incentivo, o empreendedor teria de pagar mais para construí-las, já que entrariam no cálculo de outorga onerosa (valor pago à cidade para construir acima do limite do PDE). “O ideal é que não houvesse nenhum tipo de subsídio, a prefeitura não tem que dar vaga para ninguém.”

 

Um presidente de incorporadora de médio e alto padrão, que não quis se identificar, vê com bons olhos a mudança. Para ele, o PDE “engessava” demais o empresário e tolhia sua criatividade.

Por exemplo: é comum que, por causa do incentivo para se ter uma vaga por unidade, os prédios novos nos eixos misturem apartamentos grandes e pequenos apenas para que as vagas dos menores sejam destinadas aos maiores. Essa é uma das explicações do mercado para a proliferação de estúdios. “Obrigava a gente a fazer um produto que muitas vezes não era o melhor nem para a cidade nem para a incorporadora”, diz.

 

André Mazini, analista de mercado imobiliário do Citi, lembra que, “para desencanto do setor”, a ampliação da área dos eixos não começa a valer já e ainda precisa passar pela revisão do zoneamento. Algumas áreas podem ser excluídas da regra, nesse processo.

 

Para ele, a revisão é melhor do que o PDE atual, mas pior do que a primeira versão que foi proposta. Além da expansão do eixo para um quilômetro, o texto permitia que a outorga onerosa fosse paga, com desconto de 10%, em obras feitas pelas construtoras, e não em dinheiro para a prefeitura.

 

Mazini diz que, por mais que o adensamento permitido em área maior provoque mudanças na cidade, e que ela fique diferente da memória de moradores saudosos, é um “trade off” para que o espaço urbano continue economicamente viável. “Os ‘arrondissements’ em Paris são mantidos baixos, bucólicos, lindos e históricos, mas a contrapartida é que são caríssimos.”

 

Para Yang, porém, não é possível correlacionar mais potencial construtivo com queda no valor dos imóveis. “O efeito sobre a acessibilidade do preço é desconhecido, não vai cair necessariamente”, afirma. “A terra não é commodity”.

Outro problema apontado na revisão foram as punições mais fortes para quem vende unidades de Habitação de Interesse Social (HIS) para pessoas com renda acima do permitido, e o fato dessa fiscalização ficar a cargo das próprias empresas. “O setor privado não tem condição de fazer fiscalização”, afirma Yang. Para Pinto, a regra deverá ser ineficiente e gerar “contratos de gaveta”.

 

Em nota, a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) disse considerar a revisão positiva. “O comprador de imóvel passa a contar com mais opções de produtos e a cidade poderá melhorar o aproveitamento do território”, afirma.

Um executivo do setor, que pediu anonimato, avalia que a revisão não vai provocar “caos” ou obras sem controle. “Você precisa comprar o terreno, fazer a due diligence, ter alvará de demolição, tem todo o processo de aprovação, depois a construção e tudo é acompanhado pela prefeitura”.

FONTE: VALOR ECONôMICO