O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sancionou na sexta-feira, 19, a revisão da Lei de Zoneamento da cidade de São Paulo, com 58 vetos. Entre as mudanças que entram em vigor, estão a expansão com incentivos à verticalização nas vizinhanças de metrô, trem e corredor de ônibus, o freio à construção de microapartamentos e a liberação de megatemplos e shoppings de grande porte.
Entre os principais itens derrubados, como mostrou o Estadão, estão o aumento do limite de altura para prédios nos chamados “miolos” dos bairros e a transferência da decisão final sobre tombamentos para os vereadores.
Também foi vetada a flexibilização de regras para as zonas de proteção ambiental (Zepams), que poderiam receber moradias populares. Nunes era alvo de pressão de entidades e urbanistas para vetar esses trechos, parte deles incluídos no projeto nos últimos dias (e até horas) antes da votação.
Parte dos especialistas avalia que a nova lei tem mudanças significativas para a cidade, especialmente nas vizinhanças de transporte público que já passam por intensas transformações. Já o mercado imobiliário criticou a decisão de Nunes, especialmente quanto ao veto à liberação de prédios mais altos nos miolos de bairro, e defendeu que os vereadores derrubem a decisão do prefeito.
A Lei de Zoneamento reúne as principais regras urbanísticas da cidade. A classificação de um quarteirão interfere na altura, no perfil e até no valor de um imóvel. Barulho, incentivos fiscais para construtoras e outros elementos são delimitados dessa forma.
Entenda alguns dos principais pontos aprovados:
Prédios mais altos
A nova lei altera o alcance dos chamados eixos de transporte - áreas perto de estações de metrô, trem ou corredor de ônibus onde o mercado tem incentivos para construir prédios. A revisão do Zoneamento amplia o raio dos eixos para quadras que estejam ao menos pela metade seccionadas por um raio de 700 m dos acessos ao transporte. Até então, a norma permitia essa classificação só em quadras totalmente dentro de um raio de 600 m.
A expansão dos eixos no novo mapa de zoneamento, contudo, não foi uniforme em um raio de 700 m. Isso porque a nova lei veta esses estímulos em quadras com algumas características (como alta declividade, presença de cursos d’água etc). Há outras exceções, como a região do Bixiga, no centro, que conta com proteção especial
A expansão das áreas perto da rede de transporte que podem receber prédios altos foi usada como justificativa para barrar a liberação de prédios mais altos nos “miolos” ou centros dos bairros. Segundo a explicação da Prefeitura para o veto, essa permissão iria contrariar o objetivo do Plano Diretor, de levar mais moradores a áreas bem servidas de transporte
Megatemplos e shoppings
Nunes deu aval a megatemplos e shoppings de grande porte: novo trecho da lei coloca esse tipo de construção entre as exceções que não precisam obedecer ao tamanho máximo de terreno na área urbana da cidade, de 20 mil m², e de fachada, de 150 m.
Para os críticos da liberação, o aval permite surgirem novas “ilhas urbanas”. Segundo eles, empreendimentos do tipo são pouco sustentáveis e prejudicam a fruição da cidade por pedestres. Hoje, megatemplos e megashoppings são exceções na cidade, anteriores ao atual zoneamento, de 2016. Mesmo assim, a implementação de alguns desses empreendimentos no passado envolveu até judicializações.
Freio aos microapartamentos
A revisão da Lei do Zoneamento desestimula microapartamentos, ao excluir o incentivo que desencadeou o boom de studios, quitinetes e microapartamentos. O novo texto impede que empreendimentos que misturem unidades para hospedagem (Airbnb e afins) e moradia tenham acesso a incentivos públicos para o “uso misto” (imóveis que mesclam os usos residencial e comercial).
O boom de studios, quitinetes e novos microapartamentos está atrelado a um decreto de 2016 que permite o entendimento desse tipo de espaço como “não residencial”.
Como o Estadão mostrou, parte do mercado imobiliário tem lançado empreendimentos com unidades minúsculas a fim de configurar “uso misto”, pois são classificados como “serviços de hospedagem”. Só entre 2014 e 2020, foram lançados 250 imóveis compactos.
Proteção a vilas
A revisão da lei permite que vilas reconhecidas como tal mediante avaliação “caso a caso” de órgão municipal ganhem zoneamento mais restritivo, com construções de até 10 metros. Ao mesmo tempo, permite a demolição mediante aval de todos os donos e do poder público.
Na prática, os vetos do prefeito podem ser derrubados pela Câmara, porém não é procedimento adotado com frequência no Legislativo paulistano, cuja composição atual é majoritariamente apoiadora de Nunes. Eventual nova discussão será avaliada apenas após o retorno do recesso parlamentar, em 1º de fevereiro.
Procurado pelo Estadão, o relator da revisão, vereador Rodrigo Goulart (PSD), disse que “a sanção está sendo analisada e só poderá ser discutida entre os vereadores no retorno do recesso. “Defendo o texto relatado por mim e aprovado por 46 vereadores”, afirmou. Ele se reuniu com Nunes e secretários municipais nas últimas semanas sobre o zoneamento e estava presente no momento da sanção.
Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) criticou parte dos vetos feitos pelo prefeito, especialmente dos trechos que liberavam prédios mais altos nos miolos e centrinhos de bairros e que determinavam a revisão de áreas envoltórias de bens tombados (vizinhos de alguns imóveis considerados como patrimônio cultural que têm restrições de altura e afins). “Esperamos agora que os vereadores possam reverter a decisão e contribuir de forma decisiva para o avanço da oferta de habitação de qualidade para todos os paulistanos”, destacou em nota.
Mudança é significativa, diz especialista
Mesmo com os vetos, especialistas avaliam que a nova lei traz mudanças significativas e pode ter grande impacto na cidade, especialmente nos bairros mais valorizados, onde há intensa atuação do mercado imobiliário e poucos terrenos disponíveis para transformação.
“Continua sendo uma revisão substantiva, porque colocou os critérios para para expandir e não se tem um estudo de fato para tentar entender, qual será o impacto da ampliação das áreas das áreas de influência dos eixos dessa maneira”, diz Bianca Tavolari, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora da FGV.
Para ela, a nova lei amplia o “filé mignon do mercado” e não necessariamente resulta em maior transformação no entorno de estações mais distantes do centro expandido. “É uma revisão com impactos importantes na cidade para os próximos anos, mesmo com os vetos”, avalia.
Como o Estadão mostrou, o entorno de estações como Brooklin, Sumaré e Butantã são os preferidos do mercado. Os eixos concentram a maior parte dos novos apartamentos lançados na cidade, por causa dos incentivos atrativos ao mercado imobiliário e as restrições em outros tipos de zoneamento na cidade.
A pesquisadora avalia que os vetos foram “bem fundamentados”, com argumentos técnicos e que dificultam eventual contestação judicial do que não foi acatado por Nunes. Também analisa que a nova lei reúne basicamente propostas que foram levadas pelo Executivo à Câmara, com vetos às principais mudanças feitas pelos vereadores, parte delas na semana da votação. Para ela, os vetos foram uma vitória da mobilização de diferentes entidades nas últimas semanas.
“Mesmo que a Câmara possa derrubar os principais vetos, entendo que tem sim uma diferença significativa, especialmente do ponto de vista da judicialização. Quando é a própria Prefeitura que apresenta argumentos técnicos de recusa. Para o Judiciário, é muito mais importante ter um ator como o prefeito endossando as justificativas técnicas”, diz.
Bianca pondera, contudo, que eventual contestação judicial do prazo de discussão da proposta (o PL foi enviado à Câmara na 2ª quinzena de setembro) ainda é possível.