A pandemia foi o estopim para que Angela Lourenço das Dores, 57, e seu marido Milton Virgilino das Dores, 56, trocassem São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, pelo litoral do estado. Ela é funcionária pública e estava em home office, ele havia acabado de se aposentar.
"Ficamos um período da pandemia dentro de casa, chegou uma hora que estávamos muito ansiosos", diz Angela.
O primeiro destino do casal foi o Guarujá, onde alugaram um apartamento para os fins de semana. Após muitas caminhadas pela praia, eles decidiram tornar a experiência no litoral algo definitivo.
Em abril do ano passado, colocaram o imóvel de São Caetano para locação e compraram um apartamento em Santos —cidade escolhida por ter mais infraestrutura e segurança, segundo eles.
A trajetória do casal é um exemplo do movimento visto por empresários do setor da construção em todo o litoral paulista.
Desde que a pandemia começou, a procura por imóveis para locação e venda subiu em cidades com praia. Profissionais de outros municípios perceberam que poderiam trabalhar de qualquer lugar enquanto o home office permanecesse.
"Não tem estoque suficiente para atender a demanda alta por locações no litoral norte", afirma Alfredo Freitas, diretor da imobiliária Nova Freitas, que atende o litoral norte do estado e o Vale do Paraíba.
Ele afirma que a alta procura e os custos mais elevados para construir e reformar resultaram em um aumento de cerca de 15% no valor dos imóveis disponíveis na imobiliária para serem alugados na região praiana. Para venda, a alta ficou entre 10% e 15%.
Esse movimento ajudou a diminuir o estoque de imóveis que foram entregues há cerca de cinco anos, afirma Ricardo Beschizza, presidente da Assecob (Associação de Empresários da Construção Civil da Baixada Santista). Agora novos empreendimentos estão surgindo para atender a demanda que, apesar de não estar no auge, segue aquecida.
Mesmo depois do fim do home office, o trabalho não foi um problema para a mudança de Angela e seu marido. Ela, que antes trabalhava em São Paulo e pegava o trem para o Brás todos os dias, conseguiu ser transferida para Santos. "Antes só via prédio. Agora vejo a praia, traz uma sensação muito gostosa de paz", afirma.
Milton analisa a compra do imóvel como um investimento bem-sucedido. O casal comprou a unidade com porteira fechada, ou seja, totalmente mobiliada, e alugou rapidamente o apartamento em São Caetano, da mesma forma.
Ele acredita que o negócio foi realizado em um momento oportuno, já que, desde então, o valor dos imóveis subiu. "Fizemos uma pesquisa de mercado antes de comprar, e acho que já valorizou de 10% a 20%", afirma.
Além do retorno financeiro, eles ganharam mais qualidade de vida. Começaram a frequentar a academia e a fazer aulas de pilates, e ainda aproveitam a praia.
"A gente encontra as pessoas e elas comentam que têm o sonho de morar na praia, e eu penso que agora estou dentro desse sonho", diz Angela.
Ainda é cedo para dizer se esse movimento de migração será permanente, segundo Beschizza, da Assecob. "Às vezes a pessoa não se adapta e quer voltar a morar em São Paulo, que é mais cosmopolita", afirma ele.
Por enquanto, porém, o efeito rebote tem sido "muito pequeno", analisa Carlos Meschini, diretor do Secovi-SP (sindicato da habitação) na Baixada Santista. Os incorporadores estão animados mesmo em um momento de aumento das taxas de juros para o financiamento imobiliário.
A construtora Engeplus, de Santos, é uma das empresas de olho em quem veio de mudança com o home office. Ela está construindo o condomínio Mykonos, com unidades de 100 a 131 metros quadrados, que custam mais de R$ 1 milhão —já com 72% delas vendidas, segundo a empresa.
Entre março e abril, a Engeplus vai lançar o edifício Malta, com imóveis de 86 a 116 metros quadrados, também com preços que começam em quase R$ 1 milhão.
"O mercado imobiliário da Baixada Santista aqueceu e melhorou muito logo depois da crise da pandemia. Antes vendíamos de 15% a 20% das unidades para pessoas de São Paulo e do interior, e hoje esse número passa de 50%", afirma Roberto Barroso Filho, dono da construtora.
Santos é a cidade da Baixada Santista com os valores mais elevados por metro quadrado, segundo levantamento da consultoria Brain feito a pedido do Secovi-SP. O dado mais recente, do terceiro trimestre de 2021, aponta média de R$ 8.462 por metro quadrado, enquanto no município mais barato, o vizinho São Vicente, o custo é de R$ 5.000.
O preço mais elevado estava começando a espantar clientes da cidade, o que motivou a Engeplus a criar um braço com foco em médio padrão. Os primeiros empreendimentos somam 200 unidades, de um e dois dormitórios, que serão vendidas a cerca de R$ 7.500 o metro quadrado.
"As pessoas que moram em Santos estavam reclamando dos altos valores dos imóveis e se mudando para as cidades vizinhas", diz Barroso Filho.
Outra empresa que investe na Baixada Santista é a incorporadora Living, do grupo Cyrela, que vai entregar em 2023 as duas últimas das cinco torres do condomínio Way Orquidário, em Santos. São apartamentos de 62 a 84 metros quadrados.
Segundo a Living, todos os apartamentos prontos e 70% daqueles ainda em construção foram vendidos.
Entre as quatro cidades da Baixada analisadas pelo índice FipeZap, baseado em anúncios nos portais do grupo Zap, Praia Grande teve o maior aumento no valor de venda dos imóveis em 2021, com crescimento de 7,99%, enquanto Santos registrou perda de 2,07%.
Para Pedro Tenório, economista do DataZap+, pode haver relação com a característica dessas cidades.
"Praia Grande é um município mais de veraneio, com fluxo muito grande de turistas, e as vendas estão se refletindo nisso. Não sabemos se é migração ou as pessoas aproveitando essa demanda que a pandemia expressou para comprar imóveis de veraneio como investimento", afirma.
Já Santos, por ter menor dependência do turismo, teria sentido menos esses efeitos da pandemia. Enquanto o índice para vendas foi negativo, o de locação se manteve estável em 2021, com alta de 0,48% —Praia Grande teve aumento de 13,1% nos preços