Por Circe Bonatelli
As mudanças que vêm sendo feitas no Minha Casa, Minha Vida (MCMV) desde o ano passado abriram espaço para as construtoras ampliarem as vendas de imóveis com preços mais altos. O resultado foi uma expansão significativa de receita, margem e lucro em 2023, com a tendência de os balanços continuarem a engordar ao longo de 2024 e 2025, segundo estimativas de analistas.
A receita líquida das cinco construtoras do setor listadas na Bolsa (Cury, Direcional, MRV, Plano & Plano e Tenda) somou R$ 4,7 bilhões no quarto trimestre de 2023. O montante foi 26% maior do que o registrado no mesmo período de 2022. O lucro líquido das cinco totalizou R$ 313 milhões no quarto trimestre de 2023. Já um ano antes, o resultado líquido total ficou perto de zero.
Grande vitrine do governo Lula, o MCMV foi reformulado para turbinar os lançamentos e as vendas. Desde a metade de 2023, houve aumento do subsídio dado às famílias para aquisição de imóveis (de R$ 47,5 mil para R$ 55 mil), corte dos juros em 0,25 ponto porcentual para o financiamento das famílias de menor renda (para o patamar de 4,0% a 4,25% ao ano) e elevação do teto de preços dos imóveis de R$ 265 mil para até R$ 350 mil em todo o País, permitindo que mais moradias sejam enquadradas no programa.
“Todas as cinco empresas (listadas na Bolsa) melhoraram seus resultados, e muito disso foi efeito do Minha Casa, Minha Vida. As empresas estão ganhando bastante dinheiro depois dos ajustes no programa”, afirmou o analista de construção civil do BTG Pactual, Gustavo Cambaúva. Em média, a margem bruta (que mede o lucro das operações antes dos impostos e dos juros das dívidas) aumentou de 28% para 32%. Já a margem de lucro líquido foi de 7%.
O subsídio maior do programa continua permitindo que as empresas elevem os preços. Foi realmente muito bom para os resultados”, destacou o analista do Citi, André Mazini.
Os resultados mais fortes foram de Cury, Direcional e Plano & Plano, segundo os analistas. Já a MRV e a Tenda também estão em um ciclo de melhora, mas ainda carregam números fracos devido à reestruturação dos negócios para compensar estouros de orçamentos do passado.
Tendências
Neste mês, passou a valer o corte de 4% para 1% na alíquota do Regime Especial de Tributação (RET) para projetos residenciais do grupo 1 do MCMV (para famílias que ganham até R$ 2,6 mil, o segmento de menor renda). Isso representará mais um aumento na margem de lucro para as empresas.
A ideia do governo foi estimular mais lançamentos. Além disso, logo passará a valer o “FGTS Futuro”, permitindo que os compradores de imóveis no grupo 1 complementem as parcelas do financiamento com os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a serem feitos pela fonte pagadora. Ou seja, aumentará o poder de compra.
Tudo isso vai ajudar as construtoras a melhorar seus números. Os balanços devem seguir no campo positivo ao longo de 2024 e 2025, como resultado do reconhecimento contábil das vendas já feitas com preços maiores. Isso acontece porque as empresas de construção apuram a receita das vendas de modo proporcional ao andamento das obras. Portanto, as vendas feitas ao longo do ano passado só vão compor os balanços ao longo deste ano e do próximo, quando os imóveis vendidos na planta estiverem prontos.
“A receita não sobe de maneira imediata. Isso vai bater lá na frente e vai ser muito bom para a receita e para as margens das empresas por mais de um ano”, estimou Mazini, do Citi. “As empresas ‘engravidaram’ de um resultado bom. Com tudo correndo normalmente, sem disparada de custos das obras, devemos ver resultados bons nos próximos trimestres”, completou Cambaúva.
Este movimento foi citado pelo presidente da Direcional, Ricardo Gontijo, em teleconferência. “Existe a perspectiva de continuidade no crescimento da receita nos próximos trimestres”, disse, destacando que há uma diferença relevante entre o valor dos lançamentos e vendas já realizados, e a receita apurada no balanço.
Lançamentos, vendas e preços avançaram
As cinco construtoras ampliaram os lançamentos em 20% no quarto trimestre na comparação anual, chegando a R$ 6,8 bilhões. As vendas líquidas subiram 54%, para R$ 6,3 bilhões.
Na MRV, o valor dos apartamentos subiu 18% em um ano, saindo de R$ 208 mil para R$ 246 mil. Na Cury, houve alta de 15%, para R$ 283 mil; na Plano & Plano, aumentou 4%, para R$ 209 mil; e na Tenda o aumento foi de 9%, para R$ 206 mil.
Vale destacar que a subida dos preços ocorreu sem queda na velocidade das vendas. Isso foi possível justamente por conta das novas regras do MCMV, que ampliaram o poder de compra da população, explicaram os analistas. “Mesmo tendo subindo o preço, a conta ainda fecha para o consumidor, dados os novos subsídios para o programa”, disse Cambaúva.
O copresidente da MRV, Rafael Menin, disse que o MCMV está em um dos seus melhores momentos em termos de atratividade para as empresas. “Não me lembro de ter um programa tão favorável para o segmento econômico quanto o atual”, afirmou, em entrevista recente ao Estadão/Broadcast.
Pontos de atenção
Diante do aumento expressivo nas vendas de residências no MCMV, emergiu o risco de uma eventual falta de recursos do FGTS para abastecer os financiamentos no segundo semestre. “Se o ritmo de contratação se mantiver nos próximos meses, o orçamento não vai durar. Vai precisar ser complementado”, enfatizou Cambaúva, do BTG Pactual. Com base no volume de empréstimos de janeiro e fevereiro, seria necessário um adendo na ordem de 20%.
Paralelamente, o setor da construção está pressionando o governo a reduzir os subsídios e a oferta de crédito para a compra de imóveis usados na linha atrelada aos recursos do FGTS. Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), cerca de 50% das unidades financiadas pelo MCMV têm sido de imóveis usados. O setor defende que o porcentual do programa seja reduzido para 10%, como forma de priorizar os recursos para o financiamento de unidades novas, das construtoras.
“Inevitavelmente, o governo terá de se debruçar sobre o FGTS. Tem muitos imóveis usados na categoria. Se for para fomentar a construção de novas moradias e movimentar a economia, o FGTS vai precisar de algum ajuste. É um sinal de que o programa está bem sucedido”, comentou o diretor financeiro da Tenda, Luiz Maurício Garcia, em entrevista.