O programa Minha Casa, Minha Vida turbinou o mercado imobiliário em 2023, segundo dados de entidade de incorporadoras. Em outra frente, o índice que mede a valorização de ações do setor lidera a alta na Bolsa de São Paulo.
As vendas de imóveis residenciais nos primeiros dez meses do ano passado cresceram 23,5% na comparação com o mesmo período do ano anterior, em grande medida impulsionadas pelo programa federal.
Dos 126.774 empreendimentos comercializados, 70,3% fazem parte do novo Minha Casa, Minha Vida. O dado faz parte do último levantamento do indicador Abrainc-Fipe, obtido pela Folha.
De janeiro a outubro, o volume de unidades comercializadas dentro do programa social, que foi relançado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), subiu 27,3%. Ao todo, foram 89.126 imóveis. Já o volume de lançamentos cresceu 10,7%.
A alta de empreendimentos lançados dentro do Minha Casa, Minha Vida no período analisado amenizou a queda total nos lançamentos de imóveis no Brasil, que foi de 7,7%. O levantamento foi realizado com 20 empresas associadas à Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) em parceria com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Segundo o presidente da associação, Luiz França, o bom desempenho no Minha Casa, Minha Vida é reflexo das medidas de ajuste implementadas para ampliar o acesso à moradia para as famílias de menor renda.
"Houve um grande impulso no mercado de baixa renda por todo o trabalho que o governo vem desempenhando com o programa social", diz.
Criado em 2009 e substituído na gestão Jair Bolsonaro (PL) pelo programa Casa Verde e Amarela, o Minha Casa, Minha Vida voltou em meados de 2023 com um teto maior para financiar os imóveis, mais subsídios e juros mais baixos.
O programa ampliou o número de beneficiários e estimulou o mercado imobiliário, que conseguiu se manter resiliente mesmo com a alta taxa do financiamento habitacional, impulsionada pelos juros básicos, a Selic, ainda em nível elevado.
Na Bolsa de Valores, o Índice Imobiliário foi o que mais avançou entre os índices da B3 em 2023. A alta foi de cerca de 53%, segundo Einar Rivero, diretor da Elos Ayta Consultoria. Enquanto isso, o Ibovespa, principal índice da Bolsa, subiu 20%.
Em análise recente sobre o setor, o Itaú BBA destacou o fortalecimento que o programa federal trouxe para as vendas do segmento de baixa renda e a boa execução orçamentária do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), principal fonte de recursos para o crédito imobiliário destinado à população de menor poder aquisitivo.
Além disso, o banco também citou o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), que se manteve em nível baixo controlado, e a aceleração do segmento de médio padrão como pontos positivos para o setor.
Segundo o levantamento da Abrainc, além do Minha Casa, Minha Vida, o segmento de médio e alto padrão, que é mais resiliente aos juros altos, também ajudou a impulsionar o mercado imobiliário em 2023.
Nos dez primeiros meses, a alta no volume de unidades comercializadas foi de 12,5% nesse segmento, somando 34.103 imóveis, e o valor das vendas cresceu 8,7%. França atribui o desempenho positivo à percepção de que, no Brasil, o imóvel está barato se comparado aos preços praticados em outros países.
"As pessoas estão percebendo que, no médio prazo, vai haver uma correção de preços, com uma valorização para que o mercado esteja adequado aos padrões internacionais", afirma.
O volume e o valor total dos lançamentos de médio e alto padrão, contudo, caíram nos dez primeiros meses do ano passado, 39,7% e 10,1%, respectivamente. Ainda assim, a Abrainc vê sinais claros de uma readequação gradual nos níveis de estoque desse segmento.
Atualmente, a duração da oferta, ou seja, o tanto de tempo que os empreendimentos ficam parados sem vender, está em 17 meses, contra os 24 meses registrados no início de 2023.
Para Leonardo Mesquita, vice-presidente comercial da Cury —uma das incorporadoras da Bolsa que é centrada no Minha Casa, Minha Vida—, poucas vezes o setor imobiliário iniciou o ano com um conjunto de condições tão animadoras como em 2024.
"O orçamento do FGTS já está estabelecido, o teto e as condições do Minha Casa, Minha Vida já estão definidos, temos legislações municipais para habitação positivas para o setor e a taxa Selic está em processo de queda", diz.
Hoje, 65% dos empreendimentos comercializados pela Cury são voltados ao programa social. Mesquita diz que a expectativa é de aumentar esse percentual em 2024.
Para França, da Abrainc, a continuidade do processo de queda da taxa Selic neste ano é essencial para que o setor de incorporação desempenhe "papel de destaque no crescimento econômico e na geração de empregos".
Ele diz que o mercado imobiliário também depende da manutenção de regras estáveis para o FGTS. O fundo rende hoje 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial). Mas uma ação em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) discute a mudança da rentabilidade.
Uma eventual alteração, contudo, pode afetar o financiamento do Minha Casa, Minha Vida, já que trará uma carga maior aos cofres públicos para arcar com o aumento da rentabilidade do FGTS. O setor imobiliário diz que essa mudança acabará elevando os juros habitacionais e prejudicando os mais pobres.
PROGRAMA ESTIMULA COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO
Antes de o Minha Casa, Minha Vida ser reformulado no ano passado, as vendas de imóveis da incorporadora de pequeno porte REV³, que atua apenas no estado de São Paulo, estavam divididas em 40% para classe média e 60% para o programa habitacional.
Agora, 90% das unidades comercializadas pela empresa estão direcionadas ao Minha Casa, Minha Vida.
Para o CEO da companhia, Romeu Braga Neto, o programa social tem se pulverizado por todo o setor imobiliário, beneficiando não apenas as incorporadoras maiores. "Isso beneficia os consumidores e traz saúde para o mercado imobiliário como um todo, que está cada vez mais inovando, inclusive com projetos e concepções mais limpas e positivas para o meio ambiente", diz.
Para Jardel Couto, CEO da VCA, incorporadora de pequeno porte que atua no Nordeste, o programa federal tem incentivado novos núcleos urbanísticos nas cidades, com o comércio se desenvolvendo no entorno.
O empresário também cita os benefícios do programa social na oferta de bem-estar também para a população com menor poder aquisitivo. Todos os empreendimentos desenvolvidos pela empresa para o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, têm academia, piscina semiolímpica, jardins e alguns até possuem casas inteligentes.
"Nós somos mais focados em produtos de entrada, ou seja, no público que procura o seu primeiro imóvel. Mas são habitações dignas. E são projetos que têm potencial alto de valorização, o que também colabora para que essas pessoas comecem a pensar em imóveis como investimento", diz Couto.