Governo quer retomar Minha casa, minha vida com foco na casa própria de famílias que não conseguem tomar crédito imobiliário sem subsídios Guilherme Pinto
O governo trabalha com duas possibilidades para ampliar o programa Minha Casa Minha Vida para a classe média. Segundo um integrante do alto escalão, uma alternativa seria ampliar a faixa 3 do programa, com renda familiar bruta entre R$ 4.400 e R$ 8 mil, para R$ 12 mil. Isso foi feito durante o governo do ex-presidente Michel Temer para atender famílias com renda de até R$ 9 mil. A outra seria o Conselho Curador do FGTS criar uma linha especial, em condições especiais, mas fora do programa.
Neste caso, bastaria uma resolução do Conselho Curador. No primeiro, a área jurídica do Ministério das Cidades avalia se bastaria uma portaria, edição de uma medida provisória (MP) ou aprovação de projeto de lei. O texto da MP que recria o Minha Casa Minha Vida, previsto para ser votado no Senado nesta terça-feira, autoriza a pasta a corrigir "anualmente" as faixas de renda.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta terça-feira, na estreia de um programa de transmissão ao vivo, o plano do governo para ampliar o programa para a classe média: "o cara que ganha R$ 12 mil também quer", disse Lula.
Além de melhorar a avaliação da classe média em relação ao seu governo, a medida seria uma alternativa ao funding da poupança, principal fonte de financiamento habitacional para o segmento, que está ficando cada vez mais escassa, com as retiradas superando os saques. A consequência foi a alta dos juros no crédito imobiliário.
Segundo interlocutores, antes da viagem ao Japão, Lula ligou para o ministro das Cidades, Jáder Filho, e disse a ele que a peça de publicidade do Minha Casa, Minha Vida destacava atendimento à população mais pobre, aos moradores de rua, mas não fazia referência à classe média. Os dois ficaram de conversar sobre as possibilidades de ampliar o programa, o que deve ocorrer nos próximos dias.
Atualmente, as taxas de juros do programa variam entre 4,25% ao ano e 7,16%, de acordo com a renda familiar. Há uma linha especial, Pró-Cotista, com juros de 8,16% ao ano, mais a Taxa Referencial para os trabalhadores que têm conta no FGTS. Quem se enquadra nas Faixa 1 (renda de até R$ 2.640) e Faixa 2 (R$ 4.400) tem ainda direito a um desconto na entrada que pode chegar a R$ 47,5 mil, dependendo da renda. O prazo de pagamento é de até 420 meses (35 anos).
Técnicos a par das discussões afirmam que a ampliação da renda familiar para até R$ 12 mil, com juros de 9,16% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR), por exemplo, como foi feito em 2017, ajudaria a reduzir o valor da entrada na compra de imóveis de R$ 350 mil, teto no programa Minha Casa Minha Vida. Representantes do setor da construção civil tem levado ao governo a dificuldade das famílias em dar a entrada nos financiamentos.
O orçamento do FGTS para habitação este ano é de R$ 68,1 bilhões, sendo R$ 66,1 bilhões para moradia popular e outros R$ 2 bilhões para a linha Pró-cotista. Somando saneamento, infraestrutura urbana e transporte, o volume de recursos do Fundo atinge R$ 85,6 bilhões.
Para integrantes do Conselho Curador, mantido o atual orçamento, é possível atender à classe média. Mas a medida pode incentivar o mercado a focar em construções de R$ 350 mil. O valor de imóvel no programa começa com R$ 190 mil.
Aumento do limite é visto como positivo por construtoras
Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins analisa que a ampliação da faixa de renda do Minha Casa, Minha Vida é essencial num cenário de alta na inflação do setor. O índice medido pelo Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) em maio pelo IBGE acumula alta de 6,13% nos últimos doze meses.
— A origem do problema é a inflação na construção, que aumentou absurdamente nos últimos anos, com as construtoras retraindo as operações. Do último trimestre do ano passado para o primeiro de 2023, os lançamentos caíram 44%, o que é uma sinalização de que as empresas estão com medo de não ter o financiamento lá na frente, no momento de entrega do empreendimento — afirma.
Agora, as construtoras aguardam que mais detalhes sejam divulgados pelo governo, mas têm boas expectativas sobre a ampliação. A MRV disse que como a medida ainda é “apenas uma possibilidade”, prefere aguardar para se posicionar. Já a Riviera Construtora, com empreendimentos em cidades da Baixada Fluminense, recebeu a possibilidade de ampliação da faixa de renda de maneira positiva e defendeu que um caminho seja uma linha de crédito específica para esse público, com juros menores.
— Enquanto um cliente atendido pelas condições atuais do programa tem juros de 5 a 7% hoje, o de classe média encontra até 12%. Com juros menores, você amplia o crédito e tem a chance de reduzir a entrada, que são os principais problemas enfrentados por esse público — diz Vitor Sales, supervisor de vendas da empresa.
Thiago Soares, diretor de Operações da incorporadora The Inc, conta que, num empreendimento da empresa em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, 65 das 168 unidades foram vendidas fora do MCMV. Desse número, 59 clientes têm renda entre R$ 8 e R$ 12 mil.
— Se essa possibilidade já estivesse valendo, teríamos praticamente só seis unidades vendidas fora do programa, que dá condições muito vantajosas para um público que precisa do financiamento para conquistar a casa própria.
Bruna Gomes, coordenadora de Repasse da CTV Construtora, que atua na Zona Norte do Rio, cita que as dificuldades enfrentadas pelas famílias na aprovação do crédito em função da taxa de juros:
— Isso seria um benefício muito grande, tanto para o cliente quando para as construtoras e incorporadoras. Temos perdido vendas de clientes que não estão integrados na faixa de renda do programa e que não têm fôlego financeiro para dar conta dos juros.