Uma área específica no condomínio para receber encomendas, eliminando aquelas caixas amontoadas que tumultuam a portaria. Em outro espaço, banheiras e secadores recriam um pet shop a apenas uma viagem de elevador de casa. Na área comum, o minimercado salva o ingrediente da receita que falta na última hora.
Mudanças de comportamento e imóveis cada vez menores estão alterando as prioridades das famílias que buscam um novo lar, impondo novas tendências ao mercado imobiliário. Comodidade e conveniência nos condomínios são os novos sonhos de consumo, deixando velhos conhecidos como piscina e salão de festa em segundo plano.
É o que mostra um estudo de tendências de moradia do DataZAP, área de inteligência de dados do grupo OLX. A pesquisa analisou, neste mês, as buscas por locação, mas dá um termômetro do que quer o cliente do setor e no que as construtoras e incorporadoras estão mirando na hora de desenvolver novos lançamentos.
O levantamento aponta que o interesse dos locatários se concentra principalmente em itens como mensageria (área reservada para compras on-line que chegam) e minimercado (39%), seguido por espaço pet (34%), que superaram churrasqueira (32%), academia (31%) e piscina (22%).
Segundo Gabriela Domingos, especialista em Inteligência de Mercado da OLX, é a primeira vez que soluções não tradicionais passam à frente das tradicionais. A facilidade de ter um mercadinho à disposição no próprio prédio é o principal destaque: o interesse por este tipo de conveniência — geralmente de autoatendimento — saltou de 28% em 2023 para 39% na edição deste ano da pesquisa.
— Não é um impacto apenas em locação, mas no mercado inteiro, e é um insight para construtoras e incorporadoras. Além disso, muitas pessoas compram para investir, então o mercado precisa olhar para as tendências (de locação), entender os comportamentos e pensar nos projetos — diz Gabriela.
Com o mercado imobiliário aquecido, empresas do setor buscam se alinhar a outras demandas dos consumidores nos novos residenciais, como lavanderias autônomas, carros compartilhados e até “espaço beleza”, que pode ser usado tanto por moradores para fazer cabelo, unha, maquiagem ou barba quanto alugado a algum prestador de serviço.
Em São Paulo, a construtora Vinx criou um em um empreendimento, entregue com espelhos, luzes e mobiliário de salão. Outra aposta é um “espaço youtuber”, com fundos instagramáveis e boa iluminação para crianças e adolescentes que gostam de gravar vídeos para redes sociais.
Os mimos variam de acordo com o perfil de renda e o tamanho do empreendimento, já que alguns fazem mais sentido só em residenciais com alto fluxo de moradores.
— A oferta de empreendimentos é alta, então é nestes diferenciais que você traz segurança e valorização para o investimento, seja para quem vai morar quanto para quem compra para investir — diz André Mesquita Britto, gerente geral da Cyrela.
‘Shoppings de soluções’
Estruturas como o espaço para cuidados com o pet e mensagerias são tendências que dialogam com mudanças no comportamento e no perfil das famílias brasileiras. O país já tem cerca de 160,9 milhões de animais domésticos, principalmente cachorros, segundo a estimativa mais recente do Instituto Pet Brasil, em parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
O e-commerce é outro elemento cada vez mais presente na rotina dos lares. Em 2023, foram 395,1 milhões de pedidos, num faturamento de R$ 185,7 bilhões. Para 2024, a expectativa é atingir R$ 205,11 bilhões com um total de 418,6 milhões de vendas on-line, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).
— Tudo isso influencia diretamente na incorporação imobiliária. Há verdadeiros shoppings de soluções nos condomínios: minimercado, farmácia, lavanderia, bicicleta e carro compartilhados. Os consumidores não compram mais metro quadrado, mas “tempo ao quadrado”. A comodidade é um fator decisivo — avalia Edson Mendes Araújo, professor da FGV e especialista em mercado imobiliário.
Conforto e praticidade foram decisivos para a psicopedagoga Thayná Mattos, de 30 anos, e o marido, Renato Witts, de 48, na escolha do novo apartamento na Barra Funda, em São Paulo. Isso porque, além do casal, também vai morar no apartamento a mãe dela, Cecília Mattos, 71, diagnosticada com Alzheimer, sem falar no cão Petit.
— Ela já não pode sair sozinha, mas sempre quer ir ao mercado, então o mercadinho dentro do condomínio foi um diferencial que me chamou atenção. E ainda tem o Petit, que faz companhia a ela. Antes um rapaz vinha buscá-lo para o banho, agora é só ir no pet place do prédio — diz Thayná.
Em todas as faixas
Mais comuns em projetos de média e alta renda, esses serviços atraem também famílias de baixa renda, inclusive as do Minha Casa, Minha Vida.
— Esse cliente está mais exigente. Independente da faixa de renda, as famílias valorizam a conveniência — conta Leonardo Tocci, diretor comercial no Rio da MRV&Co.
Para Araújo, da FGV, apesar da busca por mais conveniência, consumidores não descartam itens como academia, piscina e churrasqueira nos projetos, diferenciais já considerados básicos por famílias.
Sócio da Vinx, Rafael Sevieri explica que os novos atrativos só são instalados quando “o básico” já está incluído no projeto. A construtora é focada na terceira faixa do programa Minha Casa, Minha Vida, para famílias com renda mensal entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil.
— Tentamos sempre ter piscina, academia, salão de festas e churrasqueira, o kit padrão dos condomínios, mas os diferenciais são muito buscados. O grande interesse tem sido quadras de areia, para beach tenis e futevôlei, mas a falta de espaço nos terrenos é um entrave — diz. — As pessoas querem ter nos imóveis mais baratos os mesmos produtos do médio e alto padrão. É o conjunto lazer, conforto, comodidade.
Antigos se atualizam
Gabriela, da OLX, observa ainda que o maior interesse das famílias por estas soluções acontece principalmente nas regiões Sudeste, com alta concentração de condomínios de edifícios, e Centro-Oeste. Goiânia vive um boom de verticalização, com preços em alta.
Atuando principalmente em Goiás e no Distrito Federal, com foco em média e alta renda, a Terral passou a incluir conveniências nos empreendimentos nos últimos dois anos. Além do básico de lazer, como piscina e churrasqueira, a incorporadora também entrega área de cuidados com pets e mensageria com armários com senha e até geladeira para encomendas perecíveis.
Em alguns projetos, há até carros elétricos compartilhados.
— Antes olhávamos apenas a estrutura do prédio, mas agora damos atenção a uma interface mais ampliada, com a simplificação do dia a dia dos moradores. Ter esses serviços é um fator de decisão na hora da compra — diz o superintendente de Incorporação da Terral, Marcus Vinícius Viana.
Condomínios mais antigos também correm para se modernizar. Em Botafogo, na Zona Sul do Rio, um prédio da década de 1960 com 296 apartamentos investiu na criação de uma área específica para encomendas e correspondências numa tentativa de desafogar o fluxo de caixas na portaria.
A sala tem armários e um controle de protocolo do que chega e sai, com dois funcionários dedicado à organização. Além disso, o condomínio abriu um espaço no térreo para um mercadinho de autosserviço.
— A recepção foi ótima. A mensageria organizou a portaria, e o minimercado teve uma boa adesão. E não temos custos, já que a empresa (que presta o serviço) fez toda a infraestrutura e paga o consumo mensal de energia e internet — conta o síndico Silvio Cesar Lima Gonçalves.
“Os consumidores não compram mais metro quadrado, mas ‘tempo ao quadrado", diz Edson Mendes Araújo, professor da FGV e especialista em mercado imobiliário
Em Copacabana, também na Zona Sul do Rio, o predinho do antigo Hotel Santa Clara, no Bairro Peixoto, passou por um retrofit para se tornar residencial com 19 apartamentos de 27 a 68 metros quadrados. No projeto da Imóvel Vazio, a antiga cozinha do hotel virou uma lavanderia e a rouparia se tornou um minimercado.
— São soluções que trazem mais praticidade a quem vai comprar e instigam o investidor que compra para alugar — diz Alexandre Greco, diretor-presidente da incorporadora.
As comodidades em alta nos condomínios
Espaço ‘pet care’
Com apartamentos cada vez menores e animais de estimação mais presentes nos lares, uma área com banheiras, água quente e bancada com secador para dar um trato no pelo do cachorro dispensa a ida ao pet shop.
Minimercado
As novas tecnologias do varejo e da indústria de pagamentos facilitaram a instalação de pequenos mercadinhos nos condomínios, onde o sistema que predomina é o autosserviço. Salva quem não teve tempo de ir ao supermercado.
Área para limpar carro
Nem sempre residenciais têm área ao ar livre para lavar veículos, mas as garagens podem ter espaço para limpeza, calibragem de pneus e tomada para carregar carros elétricos, que são compartilhados em alguns projetos.