Diante do pânico que tomou conta do mercado e que exige uma atuação firme das autoridades monetárias pelo mundo, uma redução de apenas 0,25 ponto percentual da Selic seria pouco eficiente. O momento exige que o orçamento seja maior e que seja aplicado rápido, na avaliação do sócio-fundador da Macro Capital, Nilson Teixeira. Para ele, a reação mais adequada para fazer frente ao ambiente de incerteza e aversão ao risco nos mercados seria um corte de 0,75 ponto percentual da Selic.
“Este momento exige cautela, sim. Mas cautela é evitar que a economia desacelere e que essa disfuncionalidade se amplie, o que exige cortes mais significativos”, diz Teixeira, fazendo menção ao comunicado do Banco Central, divulgado ontem, dizendo que “o atual estágio do ciclo econômico segue recomendando cautela na condução da política monetária”.
No cenário da Macro Capital, o PIB deve crescer perto de 1,5% este ano. E a inflação pode ficar entre 3% e 3,3%. Projeção que Teixeira chama de moderada, uma vez que o efeito da queda do petróleo no mundo pode trazer alívio adicional. Nas contas do economista, em um cenário em que o dólar se estabilize em R$ 5,00 e o petróleo fique em US$ 32, a inflação pode sofrer um impacto de queda de 0,5 ponto percentual no ano. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Estamos vendo os primeiros sinais de uma crise financeira?
Nilson Teixeira: Eu acho que não, porque os bancos estão muito sólidos e saudáveis. A exposição é muito menos significativa do que, por exemplo, em 2008. Mas é um evento importante. O Fed [Federal Reserve, o banco central americano] fala até que uma das razões para antecipar o afrouxamento monetário foi o aperto dessas condições financeiras, seja pela dificuldade de empresas pequenas e médias em tomar crédito seja pelo efeito riqueza negativo. Mas será que cortar 0,50 ponto resolveu o problema? Não, mas é um tratamento, quase um tratamento de choque. E virão outras medidas, provavelmente mais cortes e iniciativas de afrouxamento quantitativo. A Europa, por exemplo, já tem juro negativo e a expectativa é que fique ainda mais negativo na reunião do BCE [Banco Central Europeu] na quinta-feira. Além disso, tem expectativa de alguma contribuição para empresas, como um programa de financiamento de instituições em dificuldade. Aí você olha o Brasil falando de corte de 0,25 ponto percentual da Selic. Não me parece uma reação proporcional.
Valor: Qual deveria ser a resposta de política monetária do BC?
Teixeira: Uma resposta de política monetária com corte de 0,25 ponto percentual da Selic, mesmo que o BC diga que vai continuar cortando, seria uma reação equivocada. Não trata do problema de grande incerteza e quase pânico no mercado. O momento exige que o orçamento seja maior e aplicado de maneira rápida. Se você olha a atuação do Fed, o corte foi de 0,50 ponto percentual em uma reunião extraordinária, e há probabilidade imensa de dar outra de 0,50 na próxima reunião, mesmo com a economia americana mais sólida que a do Brasil. Se você for otimista, o Brasil pode crescer tanto quanto os EUA, mas a taxa de desemprego aqui é de 11,2% e nos EUA, de 3,5%.
Valor: O ajuste de comunicação do Banco Central, que agora fala em cautela na política monetária, gerou ruídos no mercado?
Teixeira: Este momento exige cautela, sim. Mas cautela é evitar que a economia desacelere e que essa disfuncionalidade se amplie, o que exige cortes mais significativos. Estou convicto disso. Esse comunicado foi divulgado na abertura do mercado e criou uma disfuncionalidade clara.
Valor: Qual seria o orçamento adequado?
Teixeira: Nosso orçamento é perto de 0,75 ponto percentual, e achamos que o correto é fazer o mais rápido possível para que tenha impacto ainda neste ano. Em um ambiente em que o mundo inteiro está reduzindo juros, não vejo razão para o Brasil cortar apenas 0,25 ponto. A atividade está desacelerando bem mais do que se imaginava em dezembro. Agora estamos falando de um crescimento de 1,5% a 2%, com risco de ser menor.
Valor: Como a questão do petróleo afeta o Brasil?
Teixeira: Como o Brasil é um importador líquido, em tese, deveria se beneficiar da queda de preços. Mas os outros canais me parecem muito mais relevantes neste momento. O canal de aversão ao risco, o canal da incerteza. No líquido, a inflação no Brasil vai cair bastante se os preços ficarem onde estão. Houve uma queda superior a 40% no preço de petróleo neste ano, saindo de cerca de US$ 60 para aproximadamente US$ 30. Isso tem impacto direto na inflação. Nosso cálculo é que você tem um declínio de mais de 0,50 ponto percentual na inflação do ano, se você assumir a taxa de câmbio a R$ 5 e o petróleo a US$ 32. O efeito direto do petróleo pode ser até maior. Assim, a inflação no fim do ano deve ficar entre 3% e 3,3% considerando outros fatores.
Valor: Mas o petróleo não será um problema para a Petrobras?
Teixeira: É um problema menos importante do que foi no passado, porque a empresa fez muitos ajustes, mas é um problema. É óbvio que a receita com preço de petróleo a US$ 60 é uma e, com petróleo a US$ 30, é outra. Fora isso, o endividamento como proporção do lucro estava diminuindo fortemente, mas agora pode dar um salto. Este foi o maior declínio do petróleo, tirando 2008, desde os anos 1980. Mas as ações da Petrobras estão caindo mais do que a empresa da Arábia Saudita. Alguma coisa está errada. É uma questão de disfuncionalidade. Tem uma incerteza grande que leva todo mundo a se desfazer dos ativos. Os fundamentos não justificam o declínio que estamos vendo.
Valor: A redução de receita da Petrobras será um problema também do ponto de vista fiscal?
Teixeira: A Petrobras é a maior empresa do Brasil e passará a ter menor arrecadação. Então, como percentual do PIB, a arrecadação vai cair. Mas parece que a sociedade, os participantes do mercado veem a questão fiscal como problema de curto prazo. Não veem nem como problema de médio prazo, e é um problema. O Brasil ainda vai ter déficit primário por dez anos seguidos. Parece muito. E, neste ano, nessas condições - menor atividade econômica, redução do preço do petróleo -, os problemas fiscais tendem a piorar mais do que se imaginava, por exemplo, no começo do ano. Mas isso é suficiente para tornar muito mais arriscadas as condições fiscais? Não me parece.
Valor: Em que medida as dúvidas sobre o avanço de reformas impacta os mercados?
Teixeira: Acho que, em janeiro, o mercado já precificava que a aprovação das reformas seria mais lenta, mais difícil. Somos mais céticos do que o pensamento médio sobre a capacidade de aprovação de reformas. A coordenação política do governo é frágil e nos parece que o Congresso, por si só, em medidas dessa natureza, tem maior dificuldade em evoluir na discussão das matérias. No caso da reforma tributária, ainda não é certo qual é a proposta do governo. O Legislativo anda, mas ainda assim precisa, dado o modelo brasileiro, que o Executivo se coloque e atue para aprovação das medidas. Tributária, administrativa, a gente atribui baixa probabilidade. Aprovar algo bem modesto da agenda é nosso cenário positivo.
Valor: Por que o crescimento está demorando a vir?
Teixeira: A economia está reagindo. Em 2015, o país contraía 3% ao ano e agora está crescendo a um ritmo de 1%. É esse crescimento que a gente tem: 1,5% ou 2%. A taxa de juro é bem menor, mas é menor em todo o mundo. A capacidade de crescimento do país é essa mesma.