Notícias

22/07/2021

MRV vê edifícios com mais espaços de coworking e bem menos garagens

Construtora aposta na bandeira Luggo, de locação de imóveis, para atender novas gerações que não buscam a casa própria com tanta ansiedade

Eduardo Fischer está morando de aluguel. O engenheiro civil de 47 anos, que divide a presidência da MRV Engenharia com Rafael Menin, filho do fundador da companhia, Rubens Menin, vive um momento de transição: vendeu o seu apartamento e, enquanto o novo não fica pronto, alugou um imóvel.

Da experiência vivida durante a pandemia, retirou algumas lições. “Eu tinha preconceito com o home office, mas vi que funciona, dentro de certos limites”, diz o executivo, que acumula 28 anos de MRV, onde entrou como estagiário, aos 19.

“Mas acredito que o futuro do trabalho será híbrido, porque aquela força criativa das companhias, que a gente tem nas reuniões que mais parecem almoço de domingo, com muita gente falando ao mesmo tempo, se perde nos encontros virtuais”, afirma.

“Fora isso, preciso vir para o escritório com alguma frequência, pelo bem do meu casamento”, brinca. “E olha que eu tenho estrutura, a maior parte das pessoas não tem”.

O cliente da MRV tem renda média familiar de R$ 3.000. “Ele vem comprar o seu primeiro imóvel conosco, está saindo da locação ou de uma condição pior de moradia, às vezes com parentes”, diz Fischer.

Mas existe um outro consumidor para o qual a MRV passou a olhar: o jovem adulto dos grandes centros, que não está tão ansioso pela casa própria, quer um aluguel descomplicado, e várias facilidades no entorno. Tudo por um preço que caiba no bolso.

“Nós lançamos a Luggo há três anos, uma bandeira 100% voltada à locação de imóveis. Criamos quatro empreendimentos antes da pandemia e agora estamos erguendo mais dez”, afirma. “É uma experiência muito moderna. A pessoa resolve tudo pelo celular, inclusive a aprovação de crédito. Pode alugar a vaga de garagem, o carro e até os móveis do apartamento”.

Para Fischer, as novas gerações não vão abandonar o sonho da casa própria. Mas elas estão mais interessadas em usufruir do imóvel do que encará-lo como um patrimônio obrigatório. Mesma lógica aplicada ao automóvel, o que tende a mudar a cara dos condomínios nos próximos anos.

O que a MRV teve que fazer diferente durante a pandemia? Por mais que a gente tentasse fazer a venda ser cada vez mais virtual, mais remota, isso não era uma realidade antes da Covid. As pessoas queriam ir até o local e ver o apartamento decorado, conversar com o corretor, sentir o imóvel. Mas fazer compras no ambiente virtual foi algo incorporado pelo cliente. A nossa plataforma para venda, que é bastante sofisticada, começou a ser usada com frequência. As pessoas aprenderam a navegar no ambiente digital. Viram que a experiência pode ser até melhor que a presencial, pelo nível de detalhe.

Hoje, o cliente chega ao estande de vendas em um estágio muito mais avançado do que no passado. Muito da conversa com o corretor foi avançada, ele vem com crédito aprovado, sabe preço, condição de pagamento, tudo. Inclusive com tour virtual do apartamento. Isso vai ficar, mesmo com o fim da pandemia, porque melhora a experiência do cliente. Não existe compra para se fazer na vida mais dolorosa que a do imóvel.

Por quê? Você está se comprometendo com a maior dívida da sua vida. Você se esgoela todo financeiramente. Tem um processo de compra doloroso, longo, vai discutir termos que não conhece. Chega aquela hora em que você está em frente ao corretor e o cara começa a cuspir papel, taxas, burocracias. E a pessoa fica naquela tensão, sem saber o que está acontecendo direito.

Mas agora ele passa pelo site, onde recebe essas informações muito mais mastigadas. Fizemos um esforço para deixar o nosso contrato mais humanizado, explicar o mais claramente possível o que significa aquele monte de letrinhas.

Qual o perfil do cliente da MRV? Nosso cliente padrão tem renda familiar de R$ 3.000. É um cara que está perto da base da pirâmide, tem uma limitação muito grande de capacidade de crédito. Então, um apartamento maior, com espaço para home office, por exemplo, não existe, ele não tem capacidade financeira para sonhar com isso agora. É o primeiro imóvel que ele está comprando, às vezes acabou de se casar, está saindo da casa dos pais, ou de uma condição pior de moradia.

O que estamos fazendo é, dentro do espaço público, comum, do condomínio, em vez de algum item de lazer, criar um espaço de coworking. É algo que começa a fazer sentido, porque parte dessas pessoas também vai estar no esquema híbrido de trabalho. A gente não tinha isso. Nosso cliente era assalariado ou autônomo, que ia para a rua todo dia de manhã e voltava à noite. A demanda dele era uma piscina, uma quadra, um espaço para as crianças brincarem. Hoje eles querem um espaço em que possam trabalhar parte do dia.

As novas gerações têm se mostrado mais dispostas a usufruir de um bem do que comprar –e temos visto este comportamento quanto aos carros e à moradia. O sonho da casa própria deve deixar de existir? Esse comportamento tem mudado, sim. Eu tenho um filho de 20 anos, que cursa engenharia mecânica, é completamente apaixonado por carro, desde pequeno. Quando ele fez 18 anos, eu e minha esposa quisemos dar um carro para ele. E ele disse não. Perguntou: ‘O que vou fazer com isso? Se eu for para a faculdade, vai ficar parado. Vou pagar uma fortuna de estacionamento, documentação, seguro, combustível’. E ele não tem carro até hoje. Quando quer sair de fim de semana, chama um Uber.

Aí eu pensei: ele tem 18 anos. Daqui 10 anos, vai ter 28, a idade média do meu cliente. Ele vai querer pagar um financiamento de 30 anos? A casa própria ainda tem um poder muito forte. Além de um sonho, é uma forma der criar patrimônio. Mas o estágio de vida dessa decisão está mudando. A vida começa um pouco mais tarde, em termos de família. A casa própria pode vir mais tarde, com 30 e poucos anos, quando houver um marco importante, como o casamento ou a chegada dos filhos.

O que a MRV tem feito para atender essa nova geração de consumidores? Temos uma bandeira, a Luggo, lançada há três anos. É 100% voltada à locação de imóveis. A MRV compra o terreno, constrói o edifício, aluga todas as unidades. Depois vendemos esse ativo para um fundo imobiliário, que passa a ser dono da propriedade, enquanto a Luggo fica responsável pela gestão. A Luggo foi o primeiro fundo imobiliário residencial do Brasil, um negócio que cresce com a Selic em queda.

Para o cliente, é uma experiência muito moderna. A pessoa faz tudo pelo celular, inclusive a aprovação de crédito. Já fizemos quatro empreendimentos como esse –dois em Curitiba, um em Belo Horizonte e um em Campinas. Agora estamos construindo mais dez.

É um jeito novo de morar. Tem uma série de facilidades: o cliente escolhe alugar ou não a garagem, pode alugar um carro, que está disponível para os moradores, pode alugar até os móveis do apartamento, tem espaço de coworking, tem um mercadinho 24 horas self-service, tem eventos de confraternização para os moradores, como uma pizza na sexta à noite. Acho que isso vai ganhar peso, tem um aspecto comportamental importante, ao mesmo tempo que serve de opção para quem não tem condições de crédito neste momento para compra do imóvel.

Qual o perfil do público da Luggo? O público tem a renda um pouco mais alta: paga cerca de R$ 1.400 de aluguel, por um apartamento, em média, de 55 metros quadrados. Na MRV, a prestação média para compra do apartamento está em R$ 800, um imóvel de 42 metros quadrados. E tem outro aspecto: os apartamentos da Luggo estão melhor localizados, em pontos mais centrais.

A maior parte dos clientes da Luggo não tem vaga de garagem alugada. Mas eles têm à disposição um carro para locação, em parceria. Os aluguéis da Luggo esgotam muito rapidamente, porque as pessoas percebem valor. Aluguel ainda é uma coisa muito artesanal, muito um a um, muito varejão. Quando você traz uma experiência otimizada, padronizada, rápida, as pessoas aderem fácil.

Não vai roubar espaço da casa própria, mas vai ser um complemento para uma fase da vida diferente. Isso também serve de experiência para dentro da MRV.

Se tem menos gente comprando carro, como ficam as garagens nos novos empreendimentos? É algo que vai mudar a cara dos empreendimentos ao longo do tempo, assim como o espaço de coworking. Mas no caso da garagem é mais demorado, por conta da legislação, que precisa ser modernizada. Na maior parte das cidades em que a gente opera, o Plano Diretor exige que se construa uma vaga por apartamento. O de São Paulo já não é assim, o que nos dá mais flexibilidade. Mas em Indaiatuba (SP), por exemplo, são exigidas duas vagas por apartamento.

Você poderia oferecer muito mais lazer ou mais apartamentos com o espaço dedicado às garagens. Imagina daqui 10 ou 15 anos, o que vai ser de condomínios inteiros, com 7.000 vagas? Vão ser uma estrutura semiabandonada, porque não dá para reaproveitar. Fica tão caro, que não é viável tentar transformar isso.

Tenho uma irmã que mora em um apartamento antigo nos Jardins, em São Paulo, com uns 200 metros quadrados e uma vaga. No passado, um apartamento de alto padrão com uma vaga era um problema, mas agora é um pênalti. Apartamento em São Paulo já chegou a ser vendido com quatro vagas.

As construções modulares, especialidades das startups do setor, as construtechs, estão ganhando espaço no mercado. Como você vê esta tendência? A construção civil é uma indústria meio arcaica, no mundo inteiro. Muito artesanal, por mais que a gente industrialize. Esta é uma das grandes revoluções que estão por vir, nenhum lugar do mundo conseguiu resolver. Alguns pensam que o mercado imobiliário dos Estados Unidos é muito mais sofisticado, mas não é. Para imóveis de baixa renda, lá é até pior.

Nós criamos uma área de inovação dentro da MRV só para manter contato direto com as construtechs. No ano passado, criamos um centro de pesquisa em BH, dentro do Senai. Em algum momento, vai aparecer alguém com um processo revolucionário e mudar a forma com que se constrói.

Hoje adotamos uma construção padrão, que não é a modular, mas que é muito mais rápida, barata e que oferece mais qualidade. Fazemos como se fosse o molde de um andar inteiro, com concreto líquido, autoadensável. No dia seguinte, passamos para o andar de cima.

Como uma empresa aberta, com ações em Bolsa, qual tem sido o caminho da MRV na adoção dos conceitos de governança ambiental, social e corporativa (ESG)? O ESG tem diferentes pegadas em diferentes países. Na Europa, o cara fala de “E” (environmental), é ambiental o tempo inteiro. O nosso negócio no Brasil é “S”, social. Temos uma pancada de problemas: educação, saúde, transporte, todos urgentes.

Todo ano, 1% do nosso lucro líquido é direcionado a causas sociais. Gostamos muito de educação, seja de adultos ou de crianças, é assim que a gente vai virar a realidade deste país. Temos escolas de alfabetização e aprimoramento dentro das obras, em parceria com os municípios, é a Escola Nota 10. Eles estudam dentro do horário de trabalho. Isso é superbacana. Resolve o problema? Não, mas você resgata a cidadania do trabalhador.

Hoje temos uma plataforma com 3.000 voluntários da MRV. Eles têm 44 horas por ano para usar da forma que acharem mais adequada, para a iniciativa que acharem mais legal.

Muitos falam que o ESG é importante, porque os bancos só vão financiar empresas que adotam esses conceitos. Mas para mim o grande indutor disso são os nossos colaboradores. Apesar dos 15 milhões de desempregados, achar talentos no Brasil é muito difícil. As pessoas hoje não querem só um salário, uma perspectiva de carreira, elas querem um lugar onde possam exercitar o propósito de vida delas. O ESG é isso: a conexão do propósito da companhia com o propósito dos seus colaboradores e clientes.

Qual o sonho do Eduardo Fischer? Meu filho mais velho foi fazer faculdade fora, no Canadá. Ficou seis meses e pediu para voltar, não queria ficar lá. E por quê? 'Vou acabar arranjando uma namorada, vou me casar, vou me estabelecer aqui, e não é o que eu quero. Eu quero crescer e criar minha família no Brasil', ele me disse. Eu falei: 'Volta'.

Fiquei meio injuriado na hora, mas depois pensei: ele está certo. Ele está me fazendo um favor. Imagina eu e minha esposa, tendo um filho casado com uma canadense, netos canadenses, que não sabem quem é o avô, que não conhecem o Brasil, não falam português, não vão torcer para o Galo –o problema mais grave de todos! (risos). Eu tenho que mudar o jeito que eu vejo o Brasil, esse lugar que eu decidi viver. Viajar é bacana, mas a minha vida é aqui, a vida dos meus filhos, dos meus futuros netos. Isso muda as suas perspectivas.

Meu sonho, de fato, é que a gente consiga construir um país melhor. Porque, senão, eu estou ferrado –ou os meus filhos, ou os meus netos. Não existe vida boa em meio a uma nação desfeita. Aí temos muito a fazer. O meu papel como presidente de uma grande companhia, como membro ativo da sociedade, é fazer mais. Meu sonho é fazer mais.

FONTE: FOLHA DE S.PAULO