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04/12/2023

Mulheres têm menos acesso a imóveis em SP (Valor Econômico)

Barreiras no trabalho e no crédito comprometem aquisições do público feminino

A cidade de São Paulo enfrenta uma “grande lacuna” de gênero em seu mercado imobiliário: as mulheres são donas de apenas um terço dos imóveis na capital paulista. Barreiras no mercado de trabalho e no acesso a crédito, além da persistência de normas sociais desiguais, explicam a disparidade, segundo um estudo recente do Banco Mundial.

 

As propriedades pertencentes exclusivamente a homens representam metade de todos os imóveis em São Paulo, uma porcentagem 20 pontos percentuais superior à das propriedades exclusivamente de mulheres. Essa disparidade é ainda maior (26 pontos percentuais) para imóveis comerciais. Imóveis de propriedade conjunta entre os sexos representam menos de 10% do total. O restante são propriedades de empresas públicas e privadas.

 

Os pesquisadores Thiago Scot, Tatiana Flores, Davi Moura, Javier Feinmann e Roberto Hsu Rocha analisaram dados cadastrais administrativos da cidade de São Paulo de 2008 a 2018.

 

Não só as mulheres são menos donas de propriedades em geral em São Paulo, como a diferença é particularmente grande para imóveis mais caros: entre o 1% das propriedades de maior valor, aproximadamente 20% pertencem a mulheres. Esses padrões são replicados geograficamente pela cidade, mas são ainda maiores nas áreas mais ricas da capital, observam.

 

 

As propriedades exclusivamente de mulheres são também 9% menos valiosas do que aquelas exclusivamente de homens.

 

“Existe uma heterogeneidade grande em São Paulo em relação ao tipo de propriedade, localização, tamanho, valor do metro quadrado. Tudo isso faz com que existam também fatores que podem ajudar a explicar a diferença em termos de distribuição de gênero”, diz Janaína Feijó, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), ao comentar o estudo. “As propriedades em nome de homens tendem a estar em bairros com melhor localização e, consequentemente, têm metro quadrado mais valorizado. Tendem a ser também maiores.”

 

As mulheres pagam, proporcionalmente, menos impostos sobre propriedades, segundo os pesquisadores. Os imóveis exclusivamente de mulheres pagam 14% de todas as receitas do imposto sobre propriedade, enquanto os imóveis dos homens pagam 32% - a grande maioria dos impostos restantes é paga por propriedades pertencentes a empresas privadas. As mulheres são mais propensas, por exemplo, a possuir apenas propriedades isentas - um terço de seus imóveis é isento, ante 27% para os homens, observa o estudo.

 

Considerando as propriedades de homens e as de mulheres com características equivalentes, é possível observar que não existe discriminação no pagamento do imposto, o que, segundo Feijó, reforça que o desbalanço de gênero no mercado imobiliário está relacionado a outras características. “O imposto não é discriminatório. O que acontece é que as mulheres não estão tendo condições de acessar esse mercado”, diz.

 

Desde 2002, lembra o estudo do Banco Mundial, o Código Civil garante ampla proteção legal para as mulheres em relação à propriedade - homens e mulheres têm direitos iguais sobre imóveis em um relacionamento com partilha de bens, por exemplo. Antes disso, a lei que organizava as propriedades datava de 1916 e responsabilizava os maridos pela “gestão dos bens comuns”.

 

Apesar de essa mudança legal ser crucial, segundo os pesquisadores, ela é relativamente recente, observa Feijó. Além disso, todos apontam que a lei mudou, mas normais sociais ainda podem atribuir papéis diferentes a homens e mulheres na gestão dos bens e da vida familiar. “Normas sociais e culturais mudam muito mais lentamente”, afirma Feijó.

 

O estudo do Banco Mundial observa também que as mulheres sofrem mais barreiras no mercado de trabalho - recebem menos por cargos iguais aos dos homens ou encontram maiores dificuldades para entrar em certas profissões - e também no processo de obtenção de crédito, inclusive o imobiliário.

 

“Para adquirir um imóvel, é preciso ter certo poder aquisitivo. Mas temos uma baixa proporção de mulheres na força de trabalho empregada. As mulheres também ganham menos, muitas estão na informalidade ou trabalhando menos horas do que gostariam. Isso gera uma remuneração mais baixa e a menor possibilidade de adquirir ou tomar empréstimo para comprar imóveis”, diz Feijó.

 

“As mulheres têm menos acesso a crédito imobiliário, tem menos acesso a crédito para empreender também, ou então têm acesso a crédito menor. Tudo isso vai tornando a vida das mulheres mais difícil”, diz Lorena Hakak, presidente da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (GeFam) e professora da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV RI).

 

Os pesquisadores do Banco Mundial citam também estudos apontando que mulheres que passam por situações de violência doméstica não conhecem seus direitos sobre a propriedade em um relacionamento. E, mesmo quando elas conhecem, para muitas, lutar por esses direitos após uma separação poderia agravar traumas.

 

“Às vezes, o imóvel está no nome do homem, e a mulher não tem a clara noção de que, se está em uma união com partilha de bens, aquela propriedade também é um direito dela. Isso pode reduzir, inclusive, o poder de ‘barganha’ da mulher dentro do relacionamento”, diz Hakak.

 

Nesse sentido, embora as leis garantam direitos de propriedade aos cônjuges, ter o nome direto das mulheres nos cadastros de imóveis é importante, sugere o estudo do Banco Mundial.

 

Desde 2009, o principal programa habitacional para pessoas de baixa renda no Brasil, o Minha Casa, Minha Vida, incentiva o registro dos imóveis no nome das mulheres, lembram os pesquisadores. Lei similar existe também no Estado de São Paulo. Os pesquisadores apontam, no entanto, que ainda é preciso compreender melhor os mecanismos que funcionam e as magnitudes de impacto de tais políticas.

 

Ainda que medidas do tipo se esforcem para colocar no nome de mulheres os imóveis financiados, muitas dessas propriedades, nota Feijó, são mais baratas e distantes de centros urbanos, por exemplo. “Incentiva-se um aumento das mulheres enquanto proprietárias, mas não necessariamente contribui para a distribuição mais igualitária das propriedades”, diz. Para Feijó, combater a disparidade de gênero no mercado imobiliário passa, por exemplo, por atacar as desigualdades no mercado de trabalho.

 

FONTE: VALOR ECONôMICO