Após um acordo para correr com a pauta econômica, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que dita as normas para o comprador de imóvel na planta desistir do negócio. Para fazer o distrato com a construtora, a melhor opção é o próprio cliente achar outro interessado na unidade para fugir de pagar multa que pode chegar a 50% de tudo o que pagou. O projeto de distrato, que ainda tem de passar pelo Senado, é tido pela equipe econômica como o que faltava para destravar o setor da construção e diminuir os juros para quem quer a casa própria.
O texto é um substitutivo proposto pelo deputado José Stédile (PSB/RS) ao projeto de lei 1.220/2015, de autoria do deputado Celso Russomanno (PRB/SP), que defendia que a fatia do valor já pago pelo comprador do imóvel pela incorporadora em caso de rompimento de contrato ainda durante a obra seria de apenas 10%.
A votação foi simbólica. Segundo o texto acordado, a pessoa que desistir do imóvel pode se livrar das multas se encontrar um interessado em fechar negócio, mas o novo comprador tem de ter o cadastro aprovado pela construtora. Se não achar um comprador para passar seu imóvel adiante, terá de arcar com uma taxa de corretagem, que normalmente é de 5% do valor total do imóvel, que pode ser abatida do que foi pago. Há ainda multa. Ela varia de acordo com o tipo de imóvel comprado.
Se for uma unidade adquirida de um empreendimento que está sob regime de patrimônio de afetação, ou seja, quanto a obra em questão tem uma contabilidade completamente separada das contas da construtora, o cliente que desistir terá de arcar com uma multa que pode ser de até 50% do valor já pago pelo comprador, já descontada a taxa de corretagem. Contabilidade separada foi uma medida criada depois da falência da Encol nos anos 90. A regra evita que a quebra de uma construtora contamine vários empreendimentos e várias famílias fiquem sem casa. O problema é que a pessoa só receberá o dinheiro depois do Habite-se do prédio.
Já no caso de a contabilidade da obra não estar separada, a multa é menor: no máximo 25% do valor que o cliente já desembolsou, já descontada a taxa de corretagem.
As construtoras consideram a alta taxa de distratos no país desde o início da recessão como uma das causas para a crise que atingiu as empresas do setor. No terceiro trimestre de 2016, o percentual de imóveis distratados chegou a 46,3% do total vendido. Em março último, a taxa recuou a 20%, segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
— Quando o consumidor compra um imóvel na planta por R$ 4 mil o metro quadrado e recebe, três anos depois, valendo R$ 7 mil o metro quadrado, ele ganha essa valorização. Se acontece o contrário, ele decide devolver o imóvel? Isso cria um desequilíbrio no mercado. É preciso haver uma regra para isso. Todas as incorporadoras do país tiveram destruição de valor, algumas pediram recuperação judicial, outras fecharam — diz Luiz França, presidente da Abrainc.
'Consumidor Pode Ter Mais Medo De Comprar Imóveis' - Patrícia Cardoso, coordenadora Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, sustenta que é preciso diferenciar investidores de mutuários. Ela pondera que a crise financeira das incorporadoras vem do freio na demanda por imóveis e na oferta de crédito para as companhias.
— É um absurdo (o que passou na Câmara) e completamente dissonante com a jurisprudência construída no STJ (Superior Tribunal de Justiça) nos últimos anos, que estabelecia percentuais entre 25% e 30% a serem retidos pela incorporadora — diz Patrícia.
Para ela, a atual proposta pode acabar, mais adiante, tendo impacto negativo na demanda por imóveis:
— Toda legislação que é formulada para resolver uma crise pontual do país se mostra, posteriormente, nociva para a sociedade e para o próprio mercado. Na prática, as pessoas vão ter mais medo de comprar um imóvel, temendo perder metade do valor pago caso deixem de ter condição de pagar. Na recessão, muita gente perdeu renda, ficou desempregada.
França da Abrainc, de outro lado, defende que a definição de regras claras para o distrato irá trazer segurança jurídica para as incorporadoras, estimulando novos investimentos. Sem isso, diz ele, poderia haver uma explosão de preços de imóveis em caso de aumento da demanda à frente da oferta de novos projetos nos próximos anos.
— Se a demanda estiver forte e não tiver estoque novo para venda, o preço sobe — sustenta França.
Pelo projeto que recebeu aval no plenário da Câmara, fica estabelecido em contrato que construtoras que atrasarem as obras em até 180 dias além da data de conclusão prevista em contrato não terão de pagar multas. A partir disso, devem arcar com um valor a título de aluguel para o cliente. Quem comprar imóvel em stand de vendas poderá desistir do negócio em até sete dias sem custos.
Se após esse prazo de tolerância de 180 dias o imóvel não for entregue, o comprador pode pedir o distrato, recebendo integralmente o valor já pago à incorporadora, além de equivalente à multa estabelecida em contrato, num prazo de até 60 dias após decidida a resolução da compra. Se o consumidor não quiser distratar, ele deve receber uma indenização de 1% do total dos pagamentos já feitos à construtora a cada mês de atraso, com correção por índice também estabelecido em contrato.
Para os técnicos da equipe econômica que acompanham as votações dos temas na Câmara, o texto é bom para o ambiente de negócios e deve favorecer a queda dos juros. A justificativa é que a facilidade de desfazer o negócio é importante para dar garantias que a obra não será interrompida por falta de recursos, principalmente, quando a contabilidade for separada e a construção depender exclusivamente dos recursos pagos apenas pelos futuros moradores.
— Não tenho a menor dúvida de que esse projeto era o que faltava para destravar o setor. A obra não pode ficar sem dinheiro para ser tocada — diz um técnico que justifica que o projeto brasileiro ainda foi muito favorável ao consumidor. — Em outros países, além de não receber nada de volta, quem desistir tem de pagar uma multa.
França destaca que o mercado de incorporação imobiliária depende do alinhamento de três pilares para avançar:
— É preciso ter um marco regulatório adequado, confiança do consumidor aliada a baixo desemprego, além de taxa de juros para financiamento abaixo de dois dígitos. Falta um pilar para termos este alinhamento — diz ele, se referindo à falta de confiança do consumidor e à alta taxa de desemprego no país.