Entre os cinco maiores bancos do País, há uma quase unanimidade de que o crédito imobiliário vai desacelerar neste ano, dado que as concessões já caíram. O "quase" se dá por causa da postura do líder no segmento: a Caixa Econômica Federal (CEF), única dos cinco grandes que tem capital fechado, quer crescer mais em 2022 que no ano passado, e lançou um amplo pacote de facilidades para o setor já no segundo trimestre.
No ano passado, o financiamento imobiliário cresceu 46% no País, para R$ 255 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Embora tenha avançado, a Caixa não conseguiu acompanhar o ritmo, e teve sua participação reduzida de 69,3% para 66,5% do mercado.
Neste ano, a instituição pública quer crescer 20% no segmento. No primeiro trimestre, pôs o pé no acelerador e fechou um recorde de R$ 34,4 bilhões em contratações, 17,8% a mais que no mesmo período do ano passado. "O imobiliário continuará sendo a principal carteira da Caixa. Não faltarão recursos, e vamos continuar crescendo com recursos próprios", disse o presidente do banco estatal, Pedro Guimarães, na semana passada.
No final de abril, a CEF anunciou um pacote de facilidades para o financiamento à construção, com a reformulação do Plano Empresário, além de medidas destinadas aos compradores de imóveis, como uma carência em financiamentos. O setor tem ajudado a puxar para cima o PIB brasileiro, e é uma importante base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
A qualidade do crédito tem deteriorado. A inadimplência do imobiliário da Caixa subiu 0,55 ponto porcentual em um ano, para 2,35%, e ajudou a elevar a inadimplência consolidada do banco a 2,33% no primeiro trimestre. Segundo Guimarães, esse aumento não é um motivo de preocupação por enquanto, e o banco ainda não tem retomado imóveis a todo vapor. A prioridade é ajudar clientes, afirmou.
Anticíclico
Este é um cenário que contrasta com o que os bancos privados têm demonstrado. O Bradesco, por exemplo, reduziu à metade a originação do crédito imobiliário entre o primeiro trimestre do ano passado e o mesmo período deste ano. "80% da queda da originação se dá pela queda no imobiliário. Estávamos originando R$ 3 bilhões por mês, e estamos originando R$ 1,5 bilhão", disse o presidente do banco, Octavio de Lazari Junior.
Com os juros mais altos, os modelos de crédito dos bancos exigem uma comprovação de renda mais elevada para aprovar financiamentos imobiliários, o que torna natural a desaceleração quando os juros sobem.
Segundo Guilherme Machado, diretor responsável por entidades financeiras da S&P Global Ratings no Brasil, a Caixa historicamente nada contra a maré do crédito imobiliário quando o mercado dá sinais de desacelerar. Neste ano, o banco público busca ainda recuperar mercado.
"Se por um lado, a Caixa foi a entidade que mais perdeu espaço durante 2020 e 2021, quando os bancos privados tiveram uma atuação muito grande, agora, ela volta a ter um protagonismo maior", diz ele. "Essa retomada passa também pela competitividade do produto. A Caixa usa menos as taxas de referência ou tende a ser a última fazer mudanças, e ganha competitividade quando as taxas de juros aumentam."
O pulo do gato
Além de encarecer as parcelas e aumentar os custos de captação, a Selic mais alta reverbera nas perspectivas econômicas, fundamentais para o imobiliário. "O apetite para a tomada de empréstimo de longo prazo está menor, justamente porque a Selic saltou de 2% para 12,75%. É um cenário de incerteza, desemprego alto", diz Carlos Daltozo, analista da Eleven Financial.
No último ano, os grandes bancos elevaram as taxas cobradas no financiamento imobiliário para repassar o maior custo de financiamento ao consumidor. A Caixa vinha fazendo o mesmo, mas em março, reduziu a taxa da linha atrelada à poupança para no máximo 8,97% ao ano - nos demais bancos, a taxa fica entre 9% e 10% ao ano. A atualização do saldo devedor é pela taxa referencial (TR).
Como a maior parte do crédito imobiliário é financiada com recursos da poupança, o pulo do gato está no custo de financiamento. Com a Selic acima de 8,5% ao ano, a remuneração das cadernetas é travada em 0,5% ao mês mais TR. Ou seja: mesmo que a taxa básica de juros suba mais neste ano, os bancos devem ver uma estabilização nos custos de captação. A Caixa é líder em poupança, com cerca de 36% dos depósitos no País.
Nos bancos privados o custo também cairá, mas a prioridade, neste momento, é ganhar margens, o que será possível em linhas de crédito de menor prazo, como os cartões, em que a Caixa tem uma atuação menos representativa
Matéria publicada no dia 17/05/2022