Grazie, do Bradesco: "A LCI e a LCA roubam espaço dos fundos há tempos"
O ano de 2015 foi o quinto consecutivo de queda de captação em fundos de investimento. O saldo entre aportes e resgates no ano passado, positivo em R$ 477,6 milhões, foi o menor desde a crise de 2008. O patrimônio fechou o ano em R$ 2,98 trilhões, com um crescimento de 10,6% ante 2014 concentrado no retorno das carteiras, segundo os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Virou história o ritmo engatado entre 2010 e 2012, com captação líquida de R$ 100 bilhões por ano, nível 200 vezes maior do que o de 2015. As explicações para o freio na indústria de fundos são variadas. Falta dinheiro no bolso do brasileiro e no caixa das empresas para investir. Além disso, o pouco que resta tem sido disputado com produtos isentos de imposto de renda e, no ano que passou, até o investimento direto em títulos públicos fez sombra no negócio dos gestores de recursos.
Houve um incentivo especialmente dos serviços de private banking aos clientes de alto patrimônio para um investimento direto em NTN-Bs, títulos indexados à inflação, cujas taxas reais superaram os 7% nos últimos meses, mesmo para prazos curtos. "Vimos muitos clientes diminuindo posições em fundos para travar nas NTN-Bs taxas bastante atrativas, que há anos esses títulos não davam", conta Gustavo Pires, responsável pela plataforma de fundos da XP.
A oferta de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI), isentas de imposto de renda, ainda que não mais no ritmo de crescimento de um ano atrás, também foram um concorrente importante. Mesmo com prazos mais longos do que no passado - passando da liquidez diária a vencimentos em um, dois ou três anos - o produto capturou potenciais investidores de fundos de renda fixa e multimercados de baixa volatilidade, segundo Pires.
"A LCI e a LCA vêm roubando o espaço dos fundos há muito tempo. Difícil concorrer com taxa de retorno de 95% do CDI, sendo que o fundo é mais difícil de explicar, tem documentos para assinar, come-cotas [tributação semestral que incide sobre fundos renda fixa e multimercados]...", afirma Reinaldo Le Grazie, diretor-superintendente da gestora do Bradesco.
E, para completar, pessoas e companhias sofreram com orçamentos mais apertados. "As empresas diminuíram muito os volumes aplicados em fundos, caso de algumas que reduziram o volume em caixa para pagar dívidas", diz Le Grazie.
Pelo menos à primeira vista, a rentabilidade da indústria de fundos em 2015 não ajuda a entender a fraca atração de investidores. Os multimercados foram os fundos de pior captação líquida - os resgates superaram as entradas em R$ 32,8 bilhões - apesar de estarem entre os produtos mais rentáveis do ano. Com retorno médio de 21,82%, os multimercados macro, que apostam em uma tendência para os ativos, ficaram atrás somente dos fundos cambiais, que entregaram 50,86% em média. Os dois tiveram ganhos expressivos em estratégias que apostavam na alta do dólar contra outras moedas.
Os multimercados livres, com maior possibilidade de passear entre as estratégias, renderam 18,23%, também acima dos 13,2% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para aplicações conservadoras.
As médias, entretanto, não contam toda a história. O resultado foi puxado para cima por vários produtos fechados para a captação. É o caso do Raptor, da SPX, com ganho de 44,17% em 2015, ou do Verde, com 28,65%.
Além disso, quando considerados apenas os fundos oferecidos ao cliente de varejo, a média cai, destaca William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças (GVcef) da Fundação Getúlio Vargas. Para os multimercados de alta volatilidade, segundo o levantamento de Eid, a média ficou em 14,95% no ano até o começo de dezembro e, para os de baixa volatilidade, ainda menor, em 1,7%. "Quem é que quer correr risco para ganhar 103% ou 105% do CDI?", questiona o professor, lembrando que havia retornos similares em produtos de menor risco, como Certificados de Deposito Bancário (CDBs) de grandes bancos.
Até houve casos de fundos abertos para novas aplicações que se desempenharam bem, como das gestoras Gávea, Garde, Kondor e Absolute. Eles atraíram recursos, conta Pires, da XP, mas não o suficiente para salvar todo o grupo. "Pelo componente moeda, os multimercados macro ficaram quase como uma ilha de performance exagerada vis-à-vis o restante da categoria e minha impressão como distribuidor é que isso não serviu para fazer um movimento forte de realocação para a categoria", diz.
Além de disputar espaço com outros tipos de investimentos, os multimercados sofreram a concorrência de fundos mais conservadores. Desde a crise, o investidor não evitava tanto o risco. O percentual em fundos de renda fixa bateu 47,33%, o maior desde 2008. Na plataforma da XP, a maior não ligada a banco, 75% do crescimento de estoque veio por meio de fundos de renda fixa. E o restante, por multimercados.
Nem a renda fixa, entretanto, fechou o ano com captação líquida positiva quando considerada toda a indústria. Os resgates superaram os aportes em R$ 14,79 bilhões. O maior volume de saídas, R$ 21,68 bilhões, foi observado no tipo renda fixa duração livre grau de investimento, onde se concentram os fundos do BTG que mais sofreram com a crise no banco, pós prisão do presidente André Esteves no fim de novembro. No mesmo mês, R$ 12 bilhões foram resgatados das carteiras geridas pelo banco.
O conservadorismo refletiu-se de forma mais clara nas carteiras de ações, cuja fatia no valor total aplicado em fundos, caiu a 4,72%, a menor da série histórica da Anbima, iniciada em 2002.
Nesse caso, o retorno não ajudou. Todos os tipos de carteiras que investem em ações brasileiras tiveram prejuízos. Ao menos a maior parte delas, entretanto, fechou o ano melhor do que o principal índice da bolsa brasileira. O melhor desempenho foi do tipo ações livre, que, por não ficar atrelado a qualquer índice, teve prejuízo de 3,57%, menor do que os 13,3% de queda do Ibovespa.
Na renda variável, o destaque é das carteiras que investem no exterior, com ganho de 32,34%. O tipo, entretanto, também perdeu recursos, com captação líquida negativa em R$ 37,3 milhões.
Depois de três anos consecutivos de Ibovespa no vermelho, até os investidores institucionais, que em geral têm uma alocação estrutural em bolsa, reduziram bastante as posições, segundo Le Grazie, do Bradesco. Alguns recorreram à diversificação internacional, movimento mais positivo do ano na visão do gestor.
Para o futuro, há mais um fator que pode dificultar a captação em fundos. Se, por um lado, as mudanças tributárias em estudo acabam com a isenção de vários títulos privados, por outro lado aumentam a mordida do Leão sobre as carteiras. Preocupa a indústria especialmente a alíquota fixa de 22,5% para fundos que ultrapassem certos limites, vistos como baixos, investidos em operações compromissadas e títulos indexados ao CDI ou à Selic, previstos no relatório da comissão mista destinada a emitir um parecer sobre a MP 694.
"Difícil criar uma cultura de longo prazo, de alongamento, que está em pauta, antes de discutir a cultura de investir, de poupar e de planejamento financeiro", diz Carlos Massaru Takahashi, que deixou em novembro a presidência da BB DTVM, depois de seis anos no cargo.
Além de ser mais atraente do ponto de vista tributário, na opinião de Takahashi, a indústria de fundos brasileira precisa trabalhar para atrair a pessoa física, já que o investidor institucional tem mais capacidade para comprar papéis diretamente. "A indústria de fundos ainda passa uma imagem sofisticada, não amigável", diz.
Enquanto fundos de renda fixa, multimercado e ações sofriam mais resgates do que eram capazes de compensar via captações, os produtos de previdência conseguiram atrair o investidor. É deles a maior captação líquida no ano, de R$ 38,97 bilhões, o que contribuiu para evitar um resultado negativo para toda a indústria. Em seguida, vêm os Fundos de Investimento em Participações (FIPs), com saldo de R$ 23,64 bilhões.