Pesquisar dezenas de imóveis na internet, selecionar os mais interessantes e, depois, gastar sola de sapato para visitar um a um. Essa longa jornada de compra, que podia durar meses, mudou completamente durante a pandemia de Covid-19.
Com estandes e apartamentos decorados fechados para visitas presenciais a partir do fim de março, as incorporadoras e imobiliárias que negociam imóveis novos foram obrigadas a oferecer novos recursos para que os clientes pudessem conhecer as unidades à venda.
Para Guilherme Sawaya, diretor de transformação digital da Cyrela, esse foi o empurrão que o setor precisava.
"A pandemia desligou o mundo offline, o que foi bom para nós, porque precisávamos deixar a experiência online mais interessante", diz ele. "O consumidor já queria fazer muita coisa sem sair de casa, mas a busca era meio bagunçada. Agora, removemos os obstáculos e criamos uma experiência bacana do começo ao fim", completa.
Entre os recursos mais recentes lançados pela Cyrela está a telecorretagem. Em horário previamente agendado, corretor e cliente se conectam de maneira remota e fazem uma visita online guiada pelo apartamento decorado.
Filmagens aéreas do terreno, feitas com drones, permitem que o cliente veja como será a incidência de sol nas áreas comuns e qual será a vista de cada apartamento, andar por andar.
"Antes, só era possível ver essas imagens depois que o prédio ficava pronto. Acreditamos que os novos recursos vão ajudar bastante na decisão de compra", diz Sawaya.
A incorporadora Trisul, que reservava os tours virtuais aos empreendimentos de alto padrão, também mudou a estratégia durante a quarentena.
Construções do segmento popular, como o Elev Brás (na região central de São Paulo) e o Elev Vila Prudente (zona leste), também já podem ser conhecidas de forma remota.
"Em prédios que entram no programa Minha Casa Minha Vida, a visita física sempre foi muito importante.
Os consumidores faziam questão de conhecer o local pessoalmente, com a família. Com os estandes fechados, corremos para produzir tours virtuais para todos", afirma Lucas Carvalho, 35, superintendente de marketing da Trisul.
Para que os novos recursos online cumpram o papel de conquistar o cliente, é preciso investir em tecnologia de ponta. Essa é a opinião de Alex Frachetta, fundador da Apto, que conecta incorporadoras a pessoas interessadas em comprar imóveis novos.
Durante a pandemia, a plataforma investiu R$ 72 mil para contratar uma empresa especializada em produzir visitas online de alta tecnologia.
"Os mais simples são uma mera colagem de fotos e você percebe as emendas. Os nossos não. A pessoa se sente dentro do imóvel e, em cada ambiente, encontra legendas que chamam a atenção para os detalhes importantes."
Segundo Frachetta, incorporadoras que não dispõem de recursos para produzir os materiais por conta própria pagam R$ 1.400 pelos vídeos —e adquirem o direito de compartilhar as imagens com corretores e clientes.
"Contratamos uma produtora com grande capilaridade, assim podemos fazer vídeos de empreendimentos em diversas cidades do país."
Imobiliárias que negociam imóveis usados também passaram a recorrer aos recursos online. E eles custam cada vez menos.
Renato Rodrigues, 47, fundador da Banib Conecta, produz visitas virtuais desde 2010. No início, o serviço, ele lembra, era caro e lento: "Eu usava um equipamento que custava R$ 7.000. Precisava fazer 11 cliques para produzir uma única foto 360 graus, que custava R$ 700".
Hoje, o foco da empresa mudou. A Banib virou uma plataforma onde as imobiliárias podem hospedar seus materiais.
Cada empresa compra ou aluga a câmera —cujo preço caiu para R$ 2.900—, baixa o aplicativo da Banib e fotografa o ambiente. Depois é só descarregar as imagens na plataforma e "costurar" as fotos.
Rodrigues cobra R$ 0,29 por foto hospedada, mais uma taxa de adesão de R$ 300, que dá direito a suporte e métricas sobre os acessos --ele exige pacote mínimo de 50 imóveis.
"Eu forneço informações sobre a origem dos cliques e digo quanto tempo cada visitante ficou em cada ambiente. Durante a pandemia, por exemplo, o tempo de permanência nos jardins e na varandas aumentou", diz.
Cliente da Banib Conecta, Alexandre Rodrigues, fundador da imobiliária JD Brokers, em Jundiaí (interior de São Paulo), passou a produzir visitas remotas para os clientes que colocam o imóvel à venda apenas em sua empresa. Sua especialidade são unidades de alto padrão, que custam em torno de R$ 2,5 milhões.
O investimento na produção e hospedagem dos tours representa cerca de R$ 300 mensais —e vale a pena, diz.
"O processo de decisão, que chegava a levar um ano e meio, caiu para 90 dias. Agora, o cliente só visita aqueles imóveis que já passaram pelo funil, o que facilita até para os corretores. É uma tendência que veio para ficar, as pessoas têm cada vez menos tempo."
Embora os recursos digitais estejam se popularizando no setor de compra e venda, Leo Paz, 40, presidente do portal Imovelweb, estima que as ferramentas devem demorar para desembarcar com força no segmento de locação.
"Quem dispõe de um imóvel para alugar dificilmente vai querer bancar a produção de um tour virtual. Mas há exceções. Pode ser interessante para aluguéis de alto padrão, que custam acima de R$ 8.000 mensais, e de imóveis comerciais. A pandemia deixou muitos deles vagos, e a perspectiva é que continuem vazios por um bom tempo."