Notícias

02/03/2023

Nexpe enfrentou crise de oito anos antes de RJ (Valor Econômico)

Em recuperação judicial, a ex-Brasil Brokers apresentou último resultado positivo no 3º tri de 2014

Por Victoria Netto 

A Nexpe, que até hoje ainda é mais conhecida como Brasil Brokers, acumulou cerca de R$ 700 milhões de prejuízo até setembro do ano passado, numa crise de quase uma década que culminou com o pedido de recuperação judicial no começo de fevereiro.

O último resultado positivo da corretora de imóveis aconteceu no terceiro trimestre de 2014.

Depois disso, só vermelho. Em consequência, o patrimônio líquido, que era de R$ 783 milhões em 2013, chegou a ficar negativo e, em setembro de 2021, estava em R$ 20 milhões. O valor da empresa na bolsa refletiu a deterioração: passou do patamar de R$ 260 no começo de 2020 para R$ 4,80 depois do pedido de recuperação.

A recuperação judicial, deferida pela Justiça de São Paulo dois dias depois da petição, que inclui a empresa e outras sete controladas, cita dificuldades financeiras causadas por um passivo trabalhista de R$ 70 milhões e impactos mais recentes da pandemia, levando a um passivo total de R$ 94,18 milhões. No pedido, a Nexpe relata 249 reclamações trabalhistas.

Nas demonstrações financeiras do terceiro trimestre de 2022, o mais recente documento divulgado ao mercado, havia 144 processos trabalhistas, uma redução de 45% ante o mesmo período de 2021 e de 18% em relação ao segundo trimestre de 2022.

A recessão levou à redução nas vendas, e os corretores buscaram o reconhecimento de vínculo trabalhista

As ações trabalhistas, movidas entre 2015 e 2016, são atribuídas pela empresa à recessão que o Brasil enfrentou naquele período e ao desaquecimento do mercado imobiliário, uma combinação de fatores que formou uma tempestade perfeita para o setor.

Retração econômica, falta de crédito e juros altos, em um momento com muitas entregas de projetos, foram os gatilhos da crise, disse o professor de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental. Com a demanda elevada, o cliente não conseguia o financiamento e tinha de devolver o empreendimento para a incorporadora, na chamada crise dos distratos.

As companhias ficaram com estoques altos e posteriormente adotaram, em grande parte, o modelo “in-house”, com um setor de vendas interno e sem usar intermediárias como a Nexpe, diz um analista de investimentos em ações do setor do varejo que prefere não ser identificado.

Desde 2018, com o Marco Legal do Distrato, a taxa de devolução caiu de mais de 50%, para cerca de 8%, que é o patamar atual, de acordo com dados da Associação Brasileira de Incorporadas (Abrainc), e muitas empresas conseguiram se recuperar.

No caso da Nexpe, a recessão levou à redução nas vendas, e os corretores, que atuavam de forma autônoma, passaram a buscar o reconhecimento de vínculo trabalhista. Com uma série de condenações, as empresas do grupo tiveram de arcar com salários, INSS, férias e décimo terceiro dos ex-corretores.

Um ex-sócio da BR Brokers, que ficou na empresa entre 2008 e 2015, disse ao Valor em condição de anonimato que a queda da companhia foi resultado de uma combinação de problemas. Além do cenário econômico e da insegurança jurídica do país, ele apontou alguns erros que seriam estratégicos, como a rápida expansão sem considerar o ciclo do mercado, a gestão centralizada em um território muito extenso e a saída de antigos sócios. Segundo ele, a companhia não mostrou interesse em manter os sócios, que foram deixando a empresa.

O passivo trabalhista não foi um desafio exclusivo da Nexpe. “Outras imobiliárias também sofreram com processos. Todas passaram pelos menos problemas de insegurança jurídica em relação aos corretores autônomos”, disse. “No pico, chegamos a ter 17 mil corretores, mas no Brasil o cenário é desorganizado.”

A Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI), o sindicato do mercado imobiliário de São Paulo (Secovi-SP) e a Abrainc disseram que não dispõem de informações sobre processos trabalhistas envolvendo incorporadoras e imobiliárias.

Entre 2017 e 2018, a Brasil Brokers tentou conter o passivo trabalhista com aportes financeiros e com o auxílio de uma auditoria independente. Em 2019, captou R$ 120 milhões com uma emissão de debêntures, que em 2021 foi usada para aumento de capital, via capitalização de créditos. O objetivo era usar o valor para saldar as dívidas trabalhistas, mas com a pandemia, parte do recurso foi usada para manter as operações.

“Durante esse período, as requerentes chegaram a não gerar receita por quase três meses, impactando de forma avassaladora seu caixa”, segundo o pedido de recuperação judicial. Com a queda de lançamentos imobiliários no início da pandemia, a receita que vinha das vendas dos imóveis novos, então sua principal fonte de renda, chegou a cair 95%.

A empresa buscou novos recursos com financiamento bancário. Também foi feito o aumento de capital social de R$ 55 milhões no início de 2022, além de novas operações de mútuo junto aos acionistas.

A empresa tinha uma dívida líquida de R$ 28 milhões no acumulado dos primeiros nove meses de 2022, comparado a caixa líquido de R$ 25,4 milhões no mesmo intervalo de 2021.

As dificuldades se refletiram na liquidez das ações da companhia. Em 2013, a média anual do volume financeiro da B3 atingiu o pico de R$ 8,54 milhões, despencou para R$ 683 mil em 2022 e passou para R$ 161 mil nos dois primeiros meses de 2023, até o dia 23 de fevereiro, de acordo com levantamento do Valor Data.

(Matéria publicada em 02/03/2023) 

FONTE: VALOR ECONôMICO