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17/02/2021

Novas linhas de financiamento e juros baixos ampliam crédito imobiliário, que deve bater novo recorde em 2021

Em 2020, R$ 124 bilhões de recursos da poupança financiaram imóveis novos e usados, alta de 57% em relação ao ano anterior

Depois de bater recorde no ano passado, o financiamento imobiliário deve continuar crescendo em 2021 mesmo sem forte recuperação da economia e com uma possível alta nos juros.

A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) projeta alta de 27% na concessão de crédito para a casa própria este ano.

Apesar da crise gerada pela pandemia, a quarentena aumentou o interesse das famílias por imóveis mais confortáveis. Dar esse passo ficou mais fácil com os juros em queda livre e o surgimento de novos tipos de financiamento, que ampliaram o acesso ao crédito.

Em 2020, foram R$ 124 bilhões de recursos da poupança financiando imóveis novos e usados, alta de 57% em relação ao ano anterior.

Cristiane Portela, presidente da Abecip, avalia que a expansão se deve principalmente à queda do custo financeiro a reboque da taxa básica de juros (Selic), atualmente no seu patamar mais baixo: 2% ao ano.

Mesmo que se confirme a expectativa dos economistas de que o Banco Central volte a subir a Selic este ano, a depender da inflação e da recuperação da economia, ela acredita que os financiamentos continuarão atraentes, impulsionando o mercado imobiliário.

— A taxa de juros, sem dúvida, está na melhor condição que já tivemos. Uma queda de 11% para 7%, em média, significa uma prestação de R$ 500 a R$ 400 mais barata. O custo se aproximou do aluguel — diz Portela.

 

Mudança de comportamento na pandemia

 

A mudança de comportamento das famílias, que passaram a ficar mais tempo em casa, move a busca por imóveis mais amplos, com sonhos de consumo como home office e áreas de lazer para crianças.

A diversificação criou linhas de crédito com custo financeiro mais baixo, ampliando o acesso de quem conseguiu manter emprego, renda e capacidade de poupança na pandemia.

Mas aumentou a necessidade de se informar e se planejar para identificar a melhor opção para cada perfil de renda, contexto familiar ou estratégia, no caso de quem compra imóvel para investir.

Novos tipos de correção

Se antes o comprador tinha à disposição só o financiamento com juros fixos mais a Taxa Referencial (TR) com opções de amortização SAC ou Price, hoje os bancos oferecem opções que vão das taxas pré-fixadas às linhas indexadas à inflação medida pelo IPCA ou ao rendimento da poupança, que embutem mais risco.

São quatro as principais bases de correção de contratos de financiamento de imóveis disponíveis atualmente. Uma das mais antigas é a que usa taxa fixa com ou sem correção pela Taxa Referencial (TR), atualmente zerada.

A vantagem é que as prestações praticamente não mudam, mas, os juros são mais altos: 8% em média.

As outras opções têm taxas mais baixas e correção com índices flutuantes, o que pode ser arriscado em financiamentos longos. Na que corrige a dívida pela inflação, as taxas são a partir de 2,95% mais o IPCA (4,52% em 2020).

A modalidade mais recente é a que tem correção atrelada ao rendimento da caderneta de poupança. A taxa para o comprador parte de 3,99% mais a variação da poupança.

A queda nos juros foi decisiva para o autônomo Paulo Cezar, de 55 anos, assinar o contrato de compra de um apartamento na planta na Zona Oeste do Rio.

Com uma entrada de 30%, ele financiou o restante em 30 anos, com juros de 6,5% anuais. Preferiu ser conservador e ficar com a taxa fixa mais TR, um pouco mais alta que as disponíveis:

— Bati o martelo para a compra quando soube qual seria a taxa de juros. Já tenho um imóvel e sei que qualquer 0,5% nos juros representa uma grande diferença no valor final, mas previsibilidade é importante.

Antes de fazer uma dívida de longo prazo como essa, tentar olhar para o futuro pode ser a chave do sucesso. Myriam Lund, professora de Finanças da FGV, frisa que é preciso levar em consideração a previsibilidade da taxa fixas mais TR, que ela recomenda:

— Trazem menos risco. As que oferecem correção pela inflação ou poupança podem parecer mais vantajosas, mas se os índices subirem, como há sinalização no mercado agora, pode haver um descolamento da capacidade de pagamento.

O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, concorda que as linhas com juros mais TR são as mais seguras para uma dívida longa, mesmo com prestações mais altas.

 

Chance de curto prazo

 

Correr algum risco para pagar menos, no entanto, pode valer a pena se o financiamento for de curto prazo. Foi o que pensaram o engenheiro Thiago Pereira, de 40 anos, e a mulher dele, a empresária Alessandra Pereira, de 38.

Com a pandemia, ele passou a trabalhar em casa, dividindo a mesa de jantar com a filha Isabela, de 8, que faz aulas on-line.

Dona de uma clínica estética, Alessandra voltou a sair para trabalhar, mas concordou com o marido de que era necessário uma casa maior, com espaço para hóspedes e escritório.

Decidiram trocar o apartamento atual de dois quartos na Zona Norte de São Paulo por outro com três e o dobro do tamanho na Zona Oeste, com direito a varanda gourmet — um velho sonho — e área de lazer no condomínio.

Optaram pelo contrato com correção pela poupança, mesmo sabendo do risco. A diferença na taxa pesou por permitir financiar um imóvel de padrão mais alto enquanto não vendem o atual.

— Contratamos juros de 5,3%. A outra opção com taxa fixa mais TR seria de 6,9%. Calculamos o risco e a ideia é terminar de pagar tudo em até cinco anos para mitigar um eventual aumento de juros e correção. Se a intenção fosse pagar em 30 anos, optaríamos pela taxa fixa — conta Thiago.

Foco na prestação

O professor da FGV e especialista em mercado imobiliário Paulo Pôrto avalia que financiamento com IPCA seria indicado para prazos curtos e, de preferência, para imóveis de até R$ 500 mil.

Para Gilson Oliveira, professor do MBA em Finanças do Ibmec RJ, a decisão deve contemplar uma avaliação sobre renda e despesas da família no longo prazo:

— Um financiamento pode caber no bolso agora, mas não lá na frente. Ainda mais com as perspectivas de aumento dos juros futuros e da taxa Selic.

André Barros, da Morar Mais Imobiliária, tem observado que muito compradores não olham para os riscos das taxas variáveis. O foco fica na vantagem de pagar uma prestação que cabe no bolso:

— A correção pelo IPCA foi uma grande novidade. O cliente consegue comprar um imóvel mais caro ou reduzir a parcela. Mas, se houver uma reversão no cenário, ele pode sentir o aumento mais tarde.

Além dos cálculos com os juros nominais e as taxas cobradas pelo banco, a compra da casa própria também envolve outros custos significativos, que podem representar até 10% do negócio, somando taxas, documentação, seguros, impostos e encargos.

— Comprar um imóvel significa uma dívida de longo prazo. Antes de assinar o contrato é preciso calcular o chamado Custo Efetivo Total (CET) do negócio, que inclui impostos, avaliações, registros e seguro habitacional obrigatório, entre outros — ressalta Carlos Heitor Campani, professor de Finanças da Coppead/UFRJ.

Construtoras oferecem financiamento direto

Com mais agilidade e menos burocracia, cooperativas, fintechs e as próprias construtoras oferecem alternativas de financiamento fora do arsenal convencional dos bancos.

Diante das exigências e da demora na concessão de crédito bancário, construtoras têm ampliado opções de financiamento direto para facilitar as vendas de lançamentos. No alvo, clientes de renda alta ou investidores, que podem dar entrada maior e precisam de financiamento de curto prazo.

Na Riviera Construtora, por exemplo, é possível parcelar em até dois anos sem juros o saldo devedor de uma compra com entrada superior a 30%.

— Muitas vezes o cliente é autônomo e não tem comprovação de renda. São empreendedores sem carteira assinada, que não têm FGTS — diz Jamille Dias, diretora de Vendas e Marketing da empresa.

Na Construtora Fernandes Araújo, clientes podem financiar até 75% de um terreno diretamente com a empresa, pagando em até 120 meses.

— Tivemos alta de 85% na venda de terrenos em 2020. A maioria dos compradores é de pequenos construtores para investimento — conta a gerente de Marketing, Flavia Katz.

As cooperativas de crédito também avançam no setor imobiliário. A Sicoob, cuja concessão de empréstimos para a casa própria aumentou 190% no último ano, tem como meta quadruplicar a carteira imobiliária este ano. Para isso, cria este mês novas linhas de financiamento.

Haverá opções com condições específicas para a compra de terrenos, construção e de imóveis comerciais. Também amplia o leque de indexadores para correção dos contratos introduzindo taxas de juros atreladas ao rendimento da poupança e à variação da inflação pelo IPCA.

 

Nas operações dessa modalidade para construção e reformas, a referência será o Índice Nacional de Custo de Construção (INCC).

— A demanda por crédito aumentou para terrenos e pessoas jurídicas, mas nosso carro-chefe ainda são as pessoas físicas. Nas regiões metropolitanas, vemos mais procura por imóveis maiores, comportamento muito comum na pandemia. No interior, a busca é pelo primeiro imóvel — diz o superintendente de Negócios da Sicoob, Luciano Ribeiro.

Entre as fintechs, o banco digital Inter é uma das primeiras a atuar na área imobiliária. Além das modalidades indexadas à TR e IPCA, lançou recentemente uma linha com correção pela poupança.

FONTE: O GLOBO