Notícias

17/03/2016

Novas regras deixam fundos imobiliários mais transparentes

A análise fria de qualquer lei não é muito elucidativa e, sendo assim, não teria como ser diferente nas instruções da CVM. Para que isso seja feito, portanto, é necessário analisar as mudanças em perspectiva, entendendo o contexto e os objetivos da regulamentação.

Augusto Martins 

A análise fria de qualquer lei não é muito elucidativa e, sendo assim, não teria como ser diferente nas instruções da CVM. Para que isso seja feito, portanto, é necessário analisar as mudanças em perspectiva, entendendo o contexto e os objetivos da regulamentação.

No passado, os fundos de investimentos imobiliários, os FIIs, eram regulamentados pela instrução 205. Naquela época, o mercado era muito menor e menos sofisticado. O mercado clamava por crescimento e desenvolvimento, o ambiente econômico era cada vez mais favorável e os FIIs precisavam se modernizar para aproveitar o momento. Sempre atenta ao mercado, a CVM publicou em 2008 a Instrução 472 por motivos claros: a indústria de FIIs precisava se desenvolver e o arcabouço regulatório antigo estava defasado. As carteiras dos fundos precisavam ter uma diversidade maior e as regras precisavam ficar mais claras. O mercado estava ávido pelas mudanças e, ainda que existissem aperfeiçoamentos, a instrução foi recebida pelo mercado de braços abertos.

A 472 foi um divisor de águas e a partir de sua publicação surgiram produtos mais dinâmicos como os fundos de gestão ativa, fundos de CRI e fundos de fundos.

Já mais recentemente, em novembro de 2015, a CVM publicou uma nova instrução para regulamentar os FIIs, a Instrução 571. Mas, antes de fazer qualquer detalhamento, é preciso esclarecer: existe uma grande diferença entre as duas instruções. Enquanto a 472 foi uma ruptura, um choque, a 571 está muito longe de ter este impacto.

Trata-se, na realidade, de um aperfeiçoamento, em continuidade às discussões que permeiam a indústria desde 2008. Não à toa, a 472 revogou a instrução anterior, já a 571 apenas introduziu alterações.

Mas assim como a 472 tinha como pano de fundo os anseios da indústria, a 571 também está inserida em um contexto. 

Até 2012 o retorno dos FIIs tinha sido muito bom, proporcionando uma grande expansão, com novos players e investidores. Mas o cenário mudou e, em 2013, os fundos tiveram o primeiro ano de performance negativa. A partir daí, as captações ficaram mais escassas e em menor volume. 

É neste contexto que diversos investidores aumentaram a demanda por mais informações e os gestores e administradores, por sua vez, tiveram a tarefa inglória de explicar-lhes por diversas vezes que o mandato de gestão não era dos investidores. Some-se a isso o fato de que a indústria tinha deixado de ser irrelevante, e o terreno ficou fértil para que diversas discussões aflorassem nos FIIs.

Ainda antes da 571 ocorreram os ofícios-circulares. Os informes precisavam ser melhorados, existiam discussões sobre quóruns de decisão e conflito de interesses, e a CVM emitiu um ofício-circular sobre isso. Pairava no ar uma dúvida sobre como apurar a distribuição de rendimentos? Outro ofício. Permaneceu a dúvida na distribuição? Ofício. 

Com o aumento das discussões, retornos menos generosos e baixo número de novos fundos, o ambiente ficou muito propício para uma nova regulamentação. Foi exatamente dessa forma que a 571 começou a ser desenhada ainda em 2014, quando foi realizada uma audiência pública para discutir a instrução, na época ainda sem data para ser publicada. 

Todos os tópicos relevantes foram abordados. Se existia divergência sobre o papel do representante dos cotistas, isso foi esclarecido. Os FIIs pulverizados, formados por grande quantidade de investidores, precisavam de quóruns diferenciados, foi alterado. Muitos temas foram abordados, mas dois geraram maior discussão: a taxa de administração e a divulgação de informações.

Em relação à taxa de administração não havia consenso algum de qual seria o melhor formato. Os gestores e administradores defendiam que não era um assunto para ser regulamentado, mas a CVM decidiu que os fundos participantes do Ifix (Índice de Fundos Imobiliários) deveriam ter taxa de administração vinculada ao valor de mercado do fundo.

Além disso, passou a existir uma lista restritiva de opções para os fundos que não participam do Ifix, o que antes era livre.

Mas a divulgação de informações foi com certeza o ponto alto da Instrução 571. Os informes foram completamente revistos e os fatos relevantes passaram a ter critérios mais objetivos. Aliás, a divulgação de informações tem sofrido um processo de aperfeiçoamento contínuo, ora por iniciativa do mercado, ora por demanda regulatória, com um benefício claro aos investidores, que têm cada vez mais dados para uma melhor tomada de decisão. 

Muitos FIIs já tinham um bom nível de disclosure (abertura de informações), talvez até melhor do que o estabelecido na 571, mas o grande ganho virá pela padronização e obrigatoriedade de divulgação. Para os gestores acostumados ao bom diálogo com o mercado, o impacto será pequeno, mas para aqueles contrários à divulgação de informações será uma dura adaptação. 

Engana-se quem acha que tudo isso ocorreu em benefício de um ou outro. A regulamentação, quando bem intencionada, planejada e executada, é benéfica para a indústria, ou seja, para todos. Foi o que ocorreu até hoje com os FIIs e poderá ser acompanhado "ao vivo" em 2016 durante a implementação da 571. 

Ainda existem melhorias? Com certeza, sim. Mas a história dos FIIs mostra que elas estão endereçadas e serão tratadas no seu devido tempo, quando então já existirão novas demandas.

FONTE: VALOR ECONôMICO