Na última terça-feira (23), o relator da revisão do Plano Diretor de São Paulo, vereador Rodrigo Goulart (PSD), apresentou seu relatório. O texto veio com diversas alterações sobre o que a prefeitura paulistana propôs anteriormente, e gerou reação de especialistas em urbanismo e do mercado imobiliário. A revisão é um dos principais assuntos do setor neste ano e vai influenciar como se constrói na cidade.
Entre as maiores mudanças propostas está a ampliação das áreas consideradas eixo de transporte, no entorno de estações de metrô e trem e de corredores de ônibus. O raio atual de 600 metros para as estações passaria a ser de 1 quilômetro, e o raio de 125 metros para corredores iria para 225 metros.
Nesses raios, é possível fazer prédios sem limite de altura, com maior coeficiente de aproveitamento (quanto se pode construir, em relação ao tamanho do terreno) e com incentivos para projetos de uso misto.
Esses benefícios têm o objetivo de aumentar a densidade habitacional nessas áreas, com mais construções, e aproximar a população de locais com boa oferta de transporte e emprego. Por isso, os eixos sofreram as maiores transformações desde 2014, ano do atual Plano Diretor, caso do entorno da avenida Rebouças, dos bairros Pinheiros, Brooklin e Butantã e de outras regiões que viram a quantidade de prédios explodir.
A expansão do tamanho dos eixos permitiria que novos e grandes prédios surgissem em áreas onde hoje não são permitidos. Há também no novo texto da revisão a possibilidade de elevar o coeficiente construtivo nos miolos dos bairros.
Para o mercado imobiliário, isso significa mais possibilidade de terrenos e projetos, uma demanda antiga do setor, que reclama da dificuldade para encontrar áreas viáveis e do alto preço dos terrenos, provocado pela forte competição nos eixos.
Em relatório sobre as mudanças propostas na política, analistas do Citi Bank descrevem uma oportunidade para se conseguir comprar terrenos mais baratos e com alto potencial. Áreas que devem mudar de regramento poderiam ser adquiridas pelo preço antigo, ou seja, pela valorização que tinham antes da revisão do plano. Isso se os incorporadores estiverem ligados nas discussões políticas e forem rápidos para aproveitar o espaço entre a definição do PD e sua divulgação mais ampla.
Essa vantagem viria a calhar para empresas que desde 2019 têm dificuldade para comprar novos terrenos, pelo alto custo da terra e da construção, e que já devem ter gasto suas melhores opções nos lançamentos recentes, pontua o relatório.
Questionado sobre o tema em evento anual de investidores, o vice-presidente de operações da Even, João Azevedo, disse que em 2014 a empresa apostou em antecipar a compra de terrenos, antes do novo PD, mas que isso não se mostrou vantajoso. “Comprar no risco terrenos em que o Plano Diretor vai mudar não é muito a nossa cabeça”, disse Leandro Melnick, antigo CEO e atual presidente do conselho da companhia.
A empresa tem optado por segurar terrenos que seriam vendidos, por não estarem rentáveis, até entender se a situação muda com a revisão da política.
Bianca Tavolari, coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Insper, afirma que faltam estudos para identificar os efeitos das mudanças na revisão. “Nenhuma cidade faz uma política tão importante sem no mínimo um estudo do que isso significa para os lugares afetados”, diz.
Não se sabe, por exemplo, se o aumento das construções nos eixos trouxe, de fato, mais moradores para lá, e quem são essas pessoas. “Se fossem regiões muito verticalizadas, mas com moradia acessível, ninguém reclamaria, mas estamos fazendo empreendimentos com quadra de beach tennis do lado do metrô”, afirma.
Pode haver muitas unidades vazias, voltadas para investidores, estúdios usados para locação de curta temporada ou mesmo unidades pequenas transformadas em apartamentos maiores pela junção das áreas. Em vez de atrair uma gama ampla de faixas de renda e usuários do transporte público, os novos prédios podem estar concentrando essas regiões no alto padrão.
Ela critica também uma mudança proposta na outorga onerosa, a taxa que as empresas precisam pagar para a prefeitura para construir além do coeficiente de aproveitamento. Esses recursos vão hoje para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), para investimentos em habitação de interesse social e transporte público. A nova proposta permite que até 90% do valor seja convertido em obras feitas pelas construtoras, com desconto sobre o preço da outorga.
Além de esvaziar o Fundurb, Tavolari questiona como as obras serão feitas. “Quem vai definir as prioridades e se a obra de fato custa aquilo, quem vai fiscalizar?”, pergunta. Para ela, pode haver brecha para corrupção. “Vai contratar obra sem licitação”.
O texto também amplia a quantidade de vagas possíveis nos eixos, antes limitada a uma por unidade, e o tamanho máximo dos apartamentos nessas áreas, que são outras demandas do setor imobiliário. A nova versão deve passar pela primeira votação na quarta-feira (31).