O prefeito Ricardo Nunes (MDB) ajustou o discurso em relação às investigações que apontam fraude na política municipal de construção de moradias sociais pela iniciativa privada. Depois de afirmar, em dezembro, que cabia apenas ao Ministério Público investigar, ele declarou ao UOL que a prefeitura não terá complacência com as construtoras que comprovadamente burlaram as regras habitacionais.
"Essas empresas arrumaram uma dor de cabeça para o resto da vida. Elas não têm ideia do que vai acontecer com elas. Vamos agir de forma tão intensa que elas vão se arrepender até o último fio de cabelo de burlar as regras. E isso ficará de exemplo para os demais. As multas serão fortíssimas", disse
Segundo Nunes, 200 empreendimentos licenciados como HIS (Habitação de Interesse Social) ou HMP (Habitação de Mercado Popular) estão sob investigação nas secretarias de Habitação e Licenciamento, podendo, portanto, serem multados ao final do processo.
Na semana passada, as duas primeiras multas somaram juntas R$ 31 milhões. "Com a próxima, chegaremos na ordem de R$ 100 milhões", disse o prefeito, durante a entrega de 227 apartamentos construídos pelo município em parceria com uma entidade de moradia na zona leste da cidade. As unidades, com área útil de 49 m², custaram R$ 45 milhões.
Política aprovada em 2014
A construção de moradia social pela iniciativa privada é incentivada pelo município com benefícios fiscais e urbanísticos desde 2014, quando foi aprovado o atual Plano Diretor de São Paulo.
A meta é reduzir o déficit habitacional e levar moradores para regiões com mais oferta de empregos e de mobilidade, como nas proximidades das estações de metrô.
Mas, sem controle, a política se resumiu apenas à concessão de subsídios ao mercado - em 2024, o UOL mostrou unidades enquadradas como moradia social à venda em Pinheiros, Vila Olímpia e outros bairros nobres da capital por R$ 500 mil. Geralmente, studios de 20 a 30 m² de área útil.
A legislação determina que esses imóveis sejam vendidos para compradores cuja renda familiar não ultrapasse o limite de três salários mínimos (HIS 1), de seis salários mínimos (HIS 2) ou de dez salários mínimos (HMP).
Na quarta-feira (29), a Promotoria de Habitação e Urbanismo denunciou a gestão Nunes à Justiça por omissão na fiscalização dos subsídios ofertados ao mercado imobiliário. O órgão também pediu a suspensão imediata da política adotada.
Nunes afirmou não ter intenção de alterar a política atual. "É um programa importante, vamos manter, mas agindo de forma contundente contra quem não cumpre as regras seja punido. Os bons não podem pagar pelos maus", afirmou.
Nos últimos quatro anos, a prefeitura licenciou mais de 400 mil unidades classificadas como HIS e HMP para produção privada na capital. Desse total, cerca de 60 mil estão em áreas valorizadas como Moema, Vila Mariana e Itaim Bibi.
O prefeito também afirmou que vai entrar na Justiça com ações de dano moral contra as construtoras que burlaram as regras e que pretende se reunir com o sindicato da construção (Secovi) para estudar novas formas de controle.
"Precisamos tirar essas laranjas podres. Depois que isso acontecer, vamos dar um exemplo para o mercado, e situações desse tipo não vão mais ocorrer", completou.
Falta de fiscalização gerou ação civil
Ao longo de 58 páginas, os promotores Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Camila Mansour Magalhães da Silveira, Roberto Luís de Oliveira Pimentel e Moacir Tonani Junior relatam que desde a instauração do inquérito, em outubro de 2022, têm tentado, sem sucesso, obter qualquer tipo de comprovação por parte da gestão Nunes relativa à fiscalização das isenções fiscais concedidas.
"Esse quadro, além de estar servindo para atender precipuamente aos interesses econômicos de construtoras — que se beneficiam dos incentivos legais e potencializam suas margens de lucros —, vem gerando a produção de unidades habitacionais cujo valor de venda e metragem, como visto, não são compatíveis com os destinatários daquela política pública", sustenta a ação civil.
Eles citam uma reunião realizada em setembro de 2024 na qual o então secretário municipal de Habitação, Milton Vieira, declarou não ter estrutura material e humana para desempenhar tal tarefa.
"Essa suposta falta de estrutura administrativa evidencia que aquela política pública, diante da impossibilidade material de acompanhamento de sua implementação, foi mal desenhada e não deve continuar sendo implementada até que o poder público adote novos mecanismos de controle e aferição de resultados, visando corrigir seu rumo ou então descontinuá-la."
Se a ação civil for aceita e julgada procedente pela Justiça, a prefeitura ficará sujeita a multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Além de exigir fiscalização e suspensão da política, a prefeitura também terá de informar de forma transparente todos os empreendimentos construídos mediante incentivo fiscal, assim como os compradores das unidades HIS e HMP.