Uma das maiores empresas do setor imobliário do Brasil, a Trisul tem obtido resultados excepcionais nos últimos anos. Em 2019, o lucro líquido da empresa cresceu 258% em relação a 2018. Sob o comando do presidente Jorge Cury, a empresa investe em empreendimentos nas zonas Sul e Oeste de São Paulo, onde residem famílias de classe média alta. Segundo ele, a Trisul adquiriu terrenos quando os preços estavam muito baixos, no auge da crise, e agora tem fôlego para novas obras. Além disso, os lançamentos ficam mais rentáveis. Nesta entrevista exclusiva para a DINHEIRO, Cury fala sobre o desempenho da empresa e sua a expectativa quanto à retomada da economia puxada pelo consumo das famílias. O executivo também avalia que as reformas têm de “sair de qualquer jeito” porque permitirão o crescimento sustentável do País.
DINHEIRO — Em 2019 a Trisul obteve elevação do lucro líquido de 258% em relação ao ano anterior. A que se deve esse bom desempenho?
Jorge Cury – Desde 2014 compramos terrenos e nos posicionamos principalmente nas zonas Sul e Oeste de São Paulo. Ou seja, a maioria de nossos empreendimentos é voltada para a classe média alta, que é basicamente o perfil de quem mora nessas regiões. A crise, que durou cinco anos, gerou um grande número de distratos, o que prejudicou muitas construtoras, mas como nossos clientes têm renda maior, conseguimos conter este tipo de ação. Bastava dar um desconto para o cliente manter o contrato. Mas não é apenas o lucro líquido que merece destaque. Iniciamos 2019 com ação na Bolsa em torno de R$ 4 e fechamos com ela cotada em R$ 15,20. Para o mercado é um resultado extraordinário. Hoje, cada ação nossa vale R$ 16,50. Em 2018 nosso Valor Geral de Vendas (VGV) foi de R$ 700 milhões e em 2019 de R$ 1,1 bilhão.
E qual a expectativa para 2020?
Nossa expectativa é obter resultado ainda melhor que em 2019. As vendas brutas devem ficar entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão neste ano.
E o que dá a segurança de que este ano será melhor?
O cenário é bom, com inflação e juros baixos. Cada ponto percentual a menos de juros possibilita a entrada potencial de 4 a 5 milhões de pessoas no mercado. O juro para financiamento habitacional chegou a estar em 14% e agora gira em torno de 7%. Então, a gente tem de lançar novos empreendimentos e, dessa forma, a gente vende e faz obras. Veja bem, com taxas menores os bancos emprestam mais dinheiro porque o risco de calote é menor. É por isso que em uma economia estável como a dos Estados Unidos a alavancagem é maior.
Só isso será suficiente para trazer mais compradores para o mercado imobiliário?
Há dois pontos a considerarmos que fazem a diferença. O primeiro é que a classe média, com renda entre R$ 4 mil e R$ 10 mil, está voltando ao consumo. Ela é o grande carro-chefe da economia. Outra questão a ser considerada é que o crescimento localizado que a Trisul surfou em 2018 e 2019, concentrado nas zonas Sul e Oeste, agora está indo para outras regiões do município, da Grande São Paulo, interior e outros Estados.
Entenda que no ano passado o varejo foi um pouco melhor, o setor de veículos também. Dessa forma começa um círculo virtuoso que favorece o conjunto da economia.
Mas o público da Trisul tem sido a classe com renda acima de R$ 10 mil, não?
Sim, 70% de nossos empreendimentos são voltados para a classe média alta, com renda superior a R$ 12 mil. Mas direcionamos cerca de 30% para quem tem renda de R$ 6 mil a R$ 10 mil, porque integra um nicho que nos interessa e que está fora do Programa Minha Casa, Minha Vida. Acreditamos que com a retomada da economia e maior procura no setor imobiliário poderemos aumentar de forma segura esse percentual ano a ano. Talvez em 2020 chegue a 40%. Ou seja, vamos diminuir devagar a média alta e aumentar a média.
Por que a falta de interesse no Minha Casa, Minha Vida? Não é uma boa fonte de receita?
O governo Bolsonaro, quando assumiu, não sabia muito o que fazer porque o ministro Paulo Guedes é liberal e não quer dar subsídios. Isso gerou certa dificuldade para tocar projetos ligados ao programa. No final de 2019 foi criada uma sistemática em que o próprio FGTS vai subsidiar as obras. Mas não queremos depender desse subsídio. Nosso público alvo tem renda suficiente para não precisar dele e nós preferimos usar recursos da poupança, da tesouraria dos bancos e outros.
O que a Trisul tem planejado para continuar crescendo em 2020?
Temos 24 obras em andamento. Vamos entregar dez ainda este ano e faremos outros 12 lançamentos. Funciona mais ou menos assim: no ano que vem entregamos 12 e lançamos outros 12, 14 e daí por diante. A captação de R$ 405 milhões na Bolsa, em setembro do ano passado, é justamente para dar sustentação ao nosso crescimento. Nosso endividamento é baixo, se dilui sozinho com o tempo.
Já que você citou a captação na Bolsa de Valores, há também a expectativa de que a busca por rentabilidade pode contribuir com mais recursos para o setor de construção civil. Como você avalia essa questão?
É importante ressaltar que tem muita gente tirando dinheiro de fundos DI, de aplicações de renda fixa em geral, e investindo em ativos ligados a setores diversos da economia, o da construção civil entre eles. É uma forma de buscar rentabilidade que beneficia o setor produtivo, pois esta mudança de comportamento capitaliza as empresas. Em outra linha de ação, cerca de 50% das vendas são feitas para quem busca um lugar para morar. A outra metade é vendida para investidores, que desejam complementar a renda por meio da cobrança de aluguel ou mesmo revenda do imóvel.
Deixar o dinheiro em renda fixa não vale mais a pena. Entretanto, não se trata apenas de investidores internos. Os estrangeiros buscam novas praças para crescer e devemos receber investimentos em infraestrutura, construção civil etc. Para se ter uma ideia, as bolsas de valores dos Estados Unidos cresceram entre 25% e 30%, gerando recursos da ordem de US$ 5 trilhões. Com certeza, uma parte desse valor será aplicado aqui no Brasil, de várias formas e em vários setores.
É uma verdadeira mudança da cultura de investimentos, não?
Olha, eu me formei em engenharia civil em 1983. De lá para cá tivemos um longo período de juros altos que estimulou os rentistas. Isso fez muito mal ao País. Essa turma que nasceu por volta do ano 2000 e que está entrando no mercado produtivo agora não viu essa época. Eles vão ter a oportunidade de conhecer um modelo diferente — e melhor.
Caso haja mesmo esse “boom” no setor, não há o risco de os preços dos terrenos subirem, pressionando os custos das construtoras?
Sim, esse risco existe. Se todo mundo começar a construir na Zona Sul pode haver elevação dos preços dos terrenos na área. Por isso antecipamos compras, justamente para evitarmos esse problema. Pouco depois de fazermos a captação na Bolsa, nós compramos oito terrenos com capacidade para gerar VGV de R$ 3,2 bilhões, o que nos deixa em condições de garantir o crescimento para os próximos anos. E temos outros, já opcionados, para adquirir durante o ano com VGV na casa dos R$ 2 bilhões.
Qual sua expectativa com o andamento das reformas que o governo tenta implantar?
As reformas são essenciais para que o País tenha um futuro promissor. Redução de juros e de inflação são importantes, mas não podemos ficar só nisso. O Bolsonaro tem esse jeito de não fazer trocas para obter aquilo que deseja. Muita coisa depende da articulação do Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) e do Davi Alcolumbre (presidente do Senado), então é difícil prever. Mas eu acho que tem que dar. A Previdência, por exemplo. Havia resistência da opinião pública, que acabou entendendo a necessidade. A reforma foi aprovada. Para as demais, como a fiscal e a administrativa, é preciso envolver toda a sociedade. Se os eleitores não compreenderem, não aceitarem, os deputados não vão votar. Daí o papel importante da imprensa para informar à população o verdadeiro significado dessas mudanças e o quanto elas podem tornar o Brasil melhor.
Qual deveria ser a próxima reforma?
Tem de haver uma combinação de reforma da Previdência, já aprovada, com a redução do tamanho do Estado por meio da reforma Administrativa, sempre respeitando direitos adquiridos. A reforma Tributária deve vir na sequência, porque não dá para reduzir impostos enquanto o Estado continuar gigante. Então, se hoje o Estado consome 80% dos recursos, é preciso baixar para 50%, por exemplo, para aí sim ter uma ideia do quanto em tributos poderá ser diminuído. Isso contribuirá para que a iniciativa privada tenha mais espaço na economia. Da forma como está, os recursos são drenados para a manutenção da máquina pública.
O cenário internacional traz preocupação?
Vivemos em um mundo globalizado. Tudo pode afetar. A guerra comercial entre Estados Unidos e China e a possibilidade de uma guerra com o Irã preocupam, claro. Mas a gente nunca esteve em um cenário tão propício para crescer como agora. Tudo indica que o Brasil terá três a quatro anos seguidos de crescimento.