Por: Rodolfo Bustamante
O mercado de leilões tem atraído um público cada vez maior. Segundo dados da Caixa Econômica Federal, responsável por 70% dos financiamentos imobiliários no País, o volume quintuplicou em dois anos.
Em 2024, foram 47 mil imóveis colocados no leilão do banco. Em 2023, o número era de 26 mil e de apenas 9 mil em 2022.
Entretanto, esse ambiente que mescla atratividade financeira e complexidade jurídica exige atenção redobrada, principalmente após a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 1.134, que trouxe mudanças à segurança jurídica dos arrematantes.
Em decisão histórica, a Primeira Seção do STJ fixou a seguinte tese: “diante do disposto no artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.
Esse julgamento, relatado pelo ministro Teodoro Silva Santos, trouxe maior segurança jurídica aos participantes de leilões, ao reafirmar que o arrematante, em hasta pública, não pode ser responsabilizado por tributos pendentes relativos ao imóvel, uma vez que o crédito tributário se sub-roga no preço ofertado.
O STJ decidiu, ainda, modular os efeitos da decisão, limitando sua aplicação a leilões cujos editais sejam divulgados após a publicação da ata do julgamento do Tema 1.134. Contudo, a tese será imediatamente aplicável a processos administrativos e ações judiciais pendentes de apreciação.
A decisão foi fundamentada em uma interpretação técnica do CTN, que possui status de lei complementar e estabelece normas gerais de responsabilidade tributária.
O parágrafo único do artigo 130, em especial, excepciona a regra geral de que o adquirente de um imóvel é responsável pelos tributos devidos até a data da transmissão. No caso das hastas públicas, a sub-rogação dos créditos ocorre no preço da arrematação, protegendo o arrematante.
Assim, eventuais dívidas tributárias pendentes serão satisfeitas com o valor depositado pelo comprador, respeitando a prioridade dos credores, como os titulares de créditos trabalhistas.
Essa nova orientação é um marco para o mercado de leilões, que há tempos convivia com a prática de inserir cláusulas em editais para transferir ao arrematante a responsabilidade por tributos em aberto.
O STJ esclareceu que a prática não é válida, uma vez que normas gerais de direito tributário não podem ser afastadas por previsões editalícias ou processuais. Dessa forma, mesmo que o arrematante tenha ciência prévia da existência de dívidas, tal concordância não pode prevalecer sobre o disposto no CTN.
Dívidas do comprador e do imóvel
Apesar dos avanços jurídicos proporcionados por essa decisão, a participação em leilões continua a exigir cautela e preparo por parte dos interessados. Leilões judiciais carregam riscos inerentes, que podem ser mitigados com uma abordagem cuidadosa.
Em primeiro lugar, é essencial realizar uma análise detalhada do edital, verificando todas as condições do imóvel, possíveis pendências judiciais e financeiras, e se as disposições relacionadas aos tributos estão de acordo com a nova interpretação do STJ.
Outro ponto fundamental é realizar consultas prévias sobre o imóvel. Isso inclui a busca por informações em cartórios, prefeituras e outros órgãos públicos para identificar eventuais ônus que não estejam relacionados a tributos, como taxas de condomínio, as quais podem ser cobradas do arrematante.
Além disso, é crucial planejar-se financeiramente, considerando não apenas o valor do imóvel, mas também custos como taxas judiciais, comissões do leiloeiro e despesas necessárias para a regularização do imóvel.
Embora tanto os tributos incidentes sobre imóveis quanto às taxas condominiais sejam classificados como dívidas que acompanham a coisa e não a pessoa, a recente decisão do STJ no Tema 1.134 abordou exclusivamente a responsabilidade tributária prevista no artigo 130, parágrafo único, do CTN.
Ou seja, ela não abrange, taxas condominiais pendentes, que continuam sendo de responsabilidade do arrematante, conforme entendimento já consolidado pelo próprio STJ em outros julgados.
A diferença entre os dois tipos de obrigações está na natureza jurídica: enquanto os tributos têm um regime normativo específico e privilegiado pelo CTN, as taxas condominiais, não possuem norma equivalente que isente o arrematante.