Beatriz Cutait
Uma fatia de nada menos que 52,4% do patrimônio da indústria de fundos imobiliários brasileiros, listados ou não na bolsa, tem como mandato a geração de renda. Cerca de um terço das carteiras não possui estratégia concentrada em uma única finalidade de investimento. E em pouco mais da metade dos fundos (121) gestores podem negociar os ativos do portfólio livremente sem consultar os cotistas previamente.
Os dados apresentados fazem parte de um retrato amplo traçado desse mercado pela primeira vez a partir da nova classificação dos fundos imobiliários, elaborada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que entrou em vigor neste mês.
Com o objetivo de facilitar o processo de seleção do investidor, a Anbima definiu em setembro uma classificação que envolve um total de 234 carteiras, das quais 124 com cotas negociadas na BM&FBovespa.
Presidente do comitê de produtos imobiliários da Anbima, Reinaldo Lacerda aponta a necessidade de desenvolvimento do mercado secundário e de se estimular a liquidez. "Na oferta primária ainda existe um esforço de venda do fundo, mas e se o investidor quiser comprar em bolsa?", indaga. "Muitos olham apenas a distribuição mensal. O investidor precisa saber que tipo de negócio está comprando."
A Anbima tenta dar, por meio de três variáveis, uma visão ampla da indústria, para facilitar a decisão de investimento. A necessidade, diz Lacerda, já vinha sendo detectada por corretoras, que elaboravam suas próprias classificações como forma de solucionar a questão.
Dentre as variáveis, o investidor pode saber o nível de independência que o gestor tem para negociar os ativos, por meio da variável gestão ativa ou passiva. Segundo Lacerda, essa é a primeira coisa que um investidor precisa levar em consideração em sua análise. Da parcela de gestão passiva - quando o gestor depende de aprovação dos investidores para negociar os ativos -, o destaque fica com os 82 fundos de renda, bem acima dos 39 com o mesmo mandato com gestão ativa. A situação é oposta à do segmento de títulos e valores mobiliários (os chamados fundos de papéis), em que um total de 28 de 33 tem gestão ativa.
Na visão do presidente do comitê da Anbima, a tendência é que a gestão ativa prevaleça nesse mercado ao longo do tempo, já que o gestor precisa de mobilidade para administrar melhor as carteiras.
O segundo fator diz respeito ao tipo de negócio que o fundo faz, ao seu objetivo. Com o mandato definido entre desenvolvimento para renda, desenvolvimento para venda, renda, títulos e valores mobiliários ou híbrido, a ideia é que o investidor não tenha que ler o regulamento completo de uma carteira para saber o tipo de risco ao qual estará exposto.
Por fim, a classificação revela o segmento de atuação do fundo, caracterizado pelo investimento de pelo menos dois terços do patrimônio líquido em um tipo específico de imóvel ou ativo, como de agências bancárias, destinados às atividades educacional, hospitalar, de hotelaria, residencial, logística, de shoppings, lajes corporativas, títulos e valores mobiliários e outros. As carteiras que alocam os recursos em mais de um segmento são consideradas híbridas e elas são maioria na amostra, com 29% do total.
Lacerda explica que a classificação mais ampla não significa que o gestor de fato opte por dirigir o patrimônio a mais de um segmento e avalia que a tendência é que essas carteiras definidas hoje como híbridas se enquadrem em categorias específicas ao longo do tempo.
A classificação virou uma exigência para os atuais e os novos fundos imobiliários e à Anbima cabe a supervisão dos gestores, com a possibilidade de aplicar multas em casos de divergência das informações apresentadas.
Na visão de Anita Spichler Scal, gerente de investimentos imobiliário da Rio Bravo, a principal barreira para a entrada da pessoa física no mercado de fundos imobiliários ainda é a educação financeira, com a dificuldade de analisar as diferenças entre cada carteira. "E a liquidez é ainda baixa, por isso o fundo não é 100% atrativo", diz.
Apesar de ver a nova classificação do mercado como um aspecto positivo, Renato Vercesi, gestor de fundos imobiliários da XP Gestão, avalia que ela não vai provocar uma mudança estrutural na indústria, não será um divisor de águas. "Falta conhecimento do produto em si", observa, defendendo as vantagens do investimento nos fundos na comparação com a alocação direta em imóveis. "Eles são melhores em liquidez, em custo, em segurança e no próprio ativo ao qual se tem acesso, inclusive em termos de rentabilidade e retorno absoluto."
Para Rafael Selegatto, gerente-executivo da Fator Administração de Recursos (FAR), a classificação vai ajudar a mostrar que, dentro da indústria, há vários tipos de fundos imobiliários, com características específicas. A diferenciação torna-se mais relevante em um contexto de cenário complicado para a média da indústria, que sofreu nos últimos dois meses. "O mercado de fundos imobiliários em geral não vai ter um bom desempenho, mas há classes que vão conseguir tirar vantagem."
O estudo para a classificação dos fundos imobiliários foi discutido com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com a BM&FBovespa, que pretende deixá-la disponível também em seu site para consulta.